Acórdão n.º 275/2006/T, de 07 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 275/2006/T. Const. - Processo n.o 23/2006. - Acordam na 2.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

1- Relatório. - Por Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa de 22 de Abril de 2003 (fls. 4063-4140), foi, além do mais, concedido parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido Manuel Arnaldo Marques dos Santos contra o Acórdáo do Tribunal Colectivo da 6.a Vara Criminal de Lisboa de 24 de Outubro de 2002 (de fl. 3809 a fl. 3842), reduzindo de 9, 13 e 16 anos de prisáo para 8, 12 e 14 anos de prisáo, respectivamente, as duas penas parcelares [uma por prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.o, n.o 1, e 24.o, alínea c), do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, e a outra por prática de um crime de associaçáo criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.o, n.o 1, do mesmo diploma] e a pena única em que fora condenado.

O acórdáo da Relaçáo foi notificado, por carta registada expedida no próprio dia 22 de Abril de 2003 (cf. cota de fl. 4150), ao Dr. Filipe Mimoso de Freitas, que o referido arguido havia constituído seu mandatário, em 21 de Abril de 2003, na sequência da revogaçáo do mandato conferido à sua anterior defensora (cf. fls. 4058-4060).

Em 19 de Maio de 2003, o arguido apresentou o seguinte requerimento, subscrito pelo referido mandatário e endereçado ao desembargador relator do Tribunal da Relaçáo de Lisboa (fls. 4268-4269):

1 - O arguido, tal como resulta das decisóes anteriormente proferidas, viu-se náo inocente mas violentamente condenado nas penas arbitradas, penas que se mostraram confirmadas após a repetiçáo do julgamento, assim se repetindo no tempo a violência e a desproporçáo entre os actos praticados, o dolo, a sua culpa, esta como paradigma limite da respectiva pena.

2 - Inconformado, sem meios económicos que lhe possam garantir, já náo um patrocínio de qualidade, táo-só uma representaçáo digna e empenhada, tomou conhecimento, através do seu mandatário, de que havia já sido proferida decisáo por esta instância judicial, decisáo cujo teor ainda desconhece, uma vez que a mesma náo lhe foi notificada.

3 - O arguido pretende exercer o seu direito a recorrer da decisáo proferida, com a qual jamais se conformará, estando certo de que constitui seu direito ver-se notificado de tal acórdáo, estribando a sua convicçáo no prescrito no n.o 9 do artigo 113.o do CPP, de tal direito decorrendo que o prazo, para a prática dos actos processuais subsequentes à notificaçáo, apenas correrá termos a partir da data da última notificaçáo.

4 - Náo se póe em causa que este direito do arguido irá ser observado, apenas por uma questáo de lealdade processual se recordando que o arguido náo prescinde de tal exercício, sendo certo que diverso entendimento, ou seja, se se perfilha o entendimento de que o acórdáo apenas deverá ser notificado ao seu mandatário, sempre se violará o direito do arguido a recorrer das decisóes que se lhe mostrarem desfavoráveis, direito ao recurso que se consagra nos artigos 399.o e seguintes do CPP, nomeadamente artigo 401.o, n.o 1, alínea b), disposiçóes que sempre se conjugaráo com o citado n.o 9 do artigo 113.o, também do artigo 411.o de tal diploma legal, tudo com violaçáo grosseira do n.o 1 do artigo 32.o da CRP.

Termos em que, e em conclusáo, Vem requerer-se a V. Ex.a, táo logo se mostre notificado o arguido, para, como se requereu anteriormente, se pronunciar acerca da nomeaçáo oficiosa do ora mandatário, seja o mesmo, e os demais arguidos, notificado do acórdáo proferido por este Tribunal da Relaçáo, após o que, e só entáo, nos termos do disposto nos artigos 113.o, n.o 9, e 411.o, ambos do CPP, correráo os prazos para interposiçáo do pretendido recurso.

Tal pretensáo foi indeferida por despacho do desembargador relator de 27 de Maio de 2003 (fl. 4276), por se considerar que a disposiçáo do artigo 113.o, n.o 9, do Código de Processo Penal (CPP), que prevê a notificaçáo pessoal ao arguido de certas decisóes, náo é aplicável aos acórdáos proferidos nos tribunais superiores.

O arguido interpôs recurso desse despacho para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido pelo desembargador relator do Tribunal da Relaçáo de Lisboa (fl. 4289 v.o).

Entretanto, o mandatário constituído pelo arguido veio, em 15 de Julho de 2003, renunciar ao mandato (fl. 4307), tendo, por despacho do conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro

8252 de 2003, sido nomeado defensor oficioso o Dr. Pedro Madureira (fl. 4322).

Por Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2005, considerando irrecorrível (mas apenas reclamável para a conferência) a decisáo singular do desembargador relator, determinou-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relaçáo a fim de o dito despacho ser submetido a conferência (fls. 4407-4415).

Por Acórdáo de 5 de Abril de 2005 (fl. 4424), o Tribunal da Relaçáo de Lisboa manteve o despacho reclamado.

Desse acórdáo interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando a respectiva motivaçáo (fls. 4448-4450) com a formulaçáo das seguintes conclusóes:

1 - O artigo 425.o, n.o 4, do Código de Processo Penal apenas é aplicável quanto ao acórdáo e quanto à sua forma e requisitos, mas náo o sendo quanto à sua notificaçáo. Pelo menos quanto à notificaçáo é omisso, e perante tal omissáo sempre terá que ser utilizado o regime geral do artigo 113.o, n.o 9, do mesmo diploma legal;

2 - Entendemos que tal douta decisáo de que agora se recorre viola a letra imperativa da lei (ex vi artigo 113.o, n.o 9, do CPP), sendo que tal interpretaçáo viola o direito do arguido de recurso aos diversos graus de jurisdiçáo de decisóes contra si proferidas;

3 - Ao arguido deve ser dado conhecimento do acórdáo para que este tenha conhecimento (por notificaçáo) dos fundamentos da sua condenaçáo, para que contra esta possa reagir, para que possam ser salvaguardados todos os seus direitos de defesa. Náo esquecendo que ainda que o advogado (esse sim notificado) náo veja fundamentos para impugnar a decisáo, poderá sempre o arguido recorrer a outro causídico para fazer valer os seus direitos. Ora, se náo for notificado do acórdáo, vê desde logo o seu direito de recorrer das decisóes que lhe sáo desfavoráveis irremediavelmente limitado em funçáo da acessibilidade e acessibilidade de contacto de outras pessoas;

4 - Por tudo o exposto, ficam assim limitados os direitos de defesa do arguido, sendo por essa razáo o entendimento do douto tribunal a quo violador do disposto no n.o 1 do artigo 32.o da Constituiçáo da República Portuguesa;

5 - Tendo existido clara violaçáo do artigo 113.o, n.o 9, do Código de Processo Penal, por total ausência de previsáo de regime de notificaçáo do acórdáo no que concerne ao artigo 425.o, n.o 4, do mesmo diploma legal;

6 - Porque uma coisa é náo ser obrigatória a presença do arguido na audiência num tribunal superior, onde apenas seráo discutidas questóes de direito próprias de pessoas com conhecimentos técnicos, outra coisa é a notificaçáo de um acórdáo que o arguido poderá querer que seja outro advogado a prosseguir com o processo, e tendo expressa necessidade de saber quais os motivos da sua condenaçáo;

7 - Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opiniáo, os preceitos legais invocados nas presentes alegaçóes de recurso.

Ao recurso foi negado provimento por Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2005 (fls. 4464-4478), com a seguinte fundamentaçáo:

XIII - A presente questáo náo se identifica com a que vem sendo discutida e que consiste em saber se o prazo para interpor recurso de acórdáo proferido em recurso se conta a partir do seu depósito na secretaria ou da sua notificaçáo.

Mas, náo se identificando, náo se pode dizer que entre elas náo exista qualquer relaçáo. Pelo contrário, se se entender que o prazo se conta a partir do depósito na secretaria, fica prejudicada a outra.

Já náo interessa saber se a notificaçáo havia ou náo de ser pessoal, porque para efeitos de começo do prazo que nos interessa, a data da notificaçáo, levada a cabo por qualquer dos modos, irrelevaria.

Temos, entáo, em primeira linha, a questáo de saber qual o acto processual que encerra o início do prazo de recurso.

XIV - Esta questáo conduz-nos directamente ao artigo 411.o,n.o 1, do CPP, assim redigido:

'1 - O prazo para interposiçáo do recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificaçáo da decisáo ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No caso de decisáo oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.'

Temos aqui - na primeira parte, que é a que nos interessa - uma norma ordinária relativa às sentenças.

O prazo conta-se a partir do depósito na secretaria.

Mas esta disposiçáo pode ser entendida:

Em termos absolutos, ou seja, deve ser assim em todos os casos;

Em termos relativos, fazendo pressupor a sua aplicaçáo aos casos em que o arguido e o defensor, ou só este, estáo presentes (náo nos interessando aqui os casos das demais pessoas com legitimidade para recorrer).

Se acolhermos esta interpretaçáo em termos relativos, temos que, náo estando presente nenhum dos dois, o começo do prazo só pode ter lugar com a notificaçáo (remetendo agora para o que abaixo se vai dizer quanto à necessidade de notificaçáo a ambos ou só ao defensor).

[XV] - Estamos perante a possibilidade de reacçáo relativamente a decisáo judicial desfavorável, sendo ainda certo que se trata da sentença que, por via de regra...

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