Acórdão n.º 5/2006, de 06 de Junho de 2006

Acórdáo n.o 5/2006

1 - O acórdáo fundamento

O pleno das secçóes criminais do Supremo Tribunal de Justiça (1), através do seu Acórdáo n.o 9/2000, de 30 de Março (de Maio de 2000) (2), fixou jurisprudência no sentido de que «no requerimento de interposiçáo de recurso de fixaçáo de jurisprudência deve constar, sob pena de rejeiçáo, para além dos requisitos exigidos no referido artigo 438.o, n.o 2, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixaçáo é pretendida».

2 - O acórdáo recorrido

Todavia, a 5.a Secçáo do Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de Junho de 2005 (3), contrariou no recurso n.o 1830/05-5 (4) a jurisprudência ali uniformizada.

3 - O recurso extraordinário

Ante tal decisáo proferida contra jurisprudência fixada, o Ministério Público, em 7 de Julho de 2005, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 446.o do Código de Processo Penal, recurso extraordinário para o pleno das secçóes criminais.

4 - A decisáo intercalar

4.1 - Perante uma decisáo proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça e insusceptível de recurso ordinário (5), impunha-se que o Ministério Público dela recorresse extraordinariamente, como recorreu (artigo 446.o, n.o 1, do Código de Processo Penal), nos 30 dias seguintes ao do seu trânsito em julgado (artigos 446.o,n.o 2, e 438.o,n.o 1).

4.2 - A conferência poderia ter-se limitado a aplicar a jurisprudência fixada (com a consequência de o tribunal recorrido ter de rever a decisáo recorrida, conformando-a com a jurisprudência oportunamente fixada).

4.3 - Mas, afigurando-se-lhe ultrapassada a jurisprudência fixada, optou por suscitar, ante o pleno das secçóes criminais, o reexame do seu «assento» (artigo 446.o, n.o 3). Desde logo porque, já tendo decorrido quase seis anos sobre o «assento», a sua doutrina revelara entretanto algumas fragilidades teóricas, enquanto a sua aplicaçáo se vinha mostrando, na prática, ou inútil ou inconsequente (e, por isso, esquecida) ou, de outras vezes, simplesmente obstrutiva. Depois, operara-se entretanto uma quase completa recomposiçáo pessoal do pleno das secçóes criminais (que, da formaçáo de entáo, conservava apenas dois juízes, um dos quais votara até contra a soluçáo adoptada). Em terceiro lugar, a sua aplicaçáo vinha-se defrontando, na prática, com dificuldades de ajustamento da doutrina do artigo 438.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (cuja letra pare-cia - e parece - contentar-se com que o recorrente, no requerimento de interposiçáo do recurso, identificasse no acórdáo com o qual o acórdáo recorrido se encontrava em oposiçáo e justificasse a oposiçáo que originava o conflito de jurisprudência) com a do artigo 442.o, n.os 1 e 2 (que parecia - e parece - reservar para a fase das alegaçóes a formulaçáo de conclusóes indicativas do sentido em que deve fixar-se a jurisprudência). Outras dificuldades práticas tinham também surgido nos recursos interpostos pelo Ministério Público, onde o magistrado recorrente se via obrigado - em obediência à jurisprudência fixada - a adiantar desde logo a opçáo (provisória) do Ministério Público antes de sub-meter a opçáo definitiva - por imposiçáo estatutária - à ratificaçáo, em fase de alegaçóes, ao Procurador-Geral da República. Enfim, a afiliaçáo ao pedido da preferência do recorrente (proposta pelo Acórdáo n.o 9/2000) dificultaria - por razóes ligadas ao princípio do pedido - a adopçáo, pelo tribunal ad quem, da soluçáo oposta, sendo certo que a finalidade do recurso extraordinário de fixaçáo de jurisprudência é a resoluçáo do conflito (artigo 445.o, n.o 1), num sentido ou noutro, e, até, com eficácia alargada a outros processos («eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitaçáo tiver sido suspensa nos termos do artigo 441.o, n.o 2» - artigo 445.o, n.o 1).

4.4 - Daí que, em 19 de Janeiro de 2006, a 5.a Secçáo haja deliberado submeter o acórdáo recorrido

(n.o 1830/05-5, de 16 de Junho de 2005) ao reexame do pleno das secçóes criminais.

5 - Os fundamentos do assento em reexame

5.1 - «A primeira ideia que nos surgiu a propósito da questáo que vem colocada neste recurso respeita à própria explicaçáo do artigo 448.o do Código de Processo Penal, que manda aplicar subsidiariamente as disposiçóes que regulam os recursos ordinários aos recursos extraordinários, o que só pode significar que, se o legislador tivesse pretendido organizar um regime de tal forma específico e fechado para os recursos extraordinários, impedindo qualquer introduçáo nestes de normas ou princípios que regem os recursos ordinários, nunca teria estabelecido uma norma deste tipo. Mostra-se, assim, perfeitamente correcta e admissível a aplicaçáo de normas dos recursos ordinários aos recursos extraordinários, em regime de subsidiariedade e para colmatar quaisquer lacunas existentes na regulamentaçáo destes últimos.»

5.2 - «Mas haverá neste caso uma verdadeira lacuna, lacuna esta que se poderia encontrar no artigo 438.o do Código de Processo Penal, por este náo aludir expressamente ao sentido em que deve fixar-se a jurisprudência? Em primeiro lugar, teremos de partir de um conceito de lacuna, o qual, para evitar desenvolvimentos desnecessários, bem poderá ser o de que, para poder

3916 afirmar-se a existência de uma lacuna, náo basta deparar com uma situaçáo desprovida de regulamentaçáo jurídica, como uma situaçáo que possa considerar-se, em abstracto, susceptível de tratamento jurídico. Indispensável se torna que a falta de regulamentaçáo seja contrária ao plano ordenador do sistema jurídico. Dito de outro modo: é preciso que o tratamento da situaçáo seja exigido pelo ordenamento jurídico concreto [. . .]

Posto isto, e se analisarmos, agora, o artigo 438.o do

Código de Processo Penal, verificamos com facilidade que os requisitos que ali se assinalam para a interposiçáo do recurso em causa sáo de natureza formal ou extrínseca a contraporem-se a outro de natureza material e intrínseca que ali náo aparece e que devia dele constar, ou seja, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência, sem o que o recurso ficaria sem objecto. Com efeito, a identificaçáo dos acórdáos, quer do recorrido como do fundamento, e o lugar da publicaçáo constituem, sem dúvida, requisitos de natureza formal. Por outro lado, náo poderá dizer-se que o requisito material do sentido da fixaçáo de jurisprudência poderia ir encontrar-se na alusáo que no referido normativo se faz à justificaçáo da oposiçáo que origina o conflito de jurisprudência. É que tal oposiçáo pode perfeitamente justificar-se e demonstrar-se, sem qualquer indicaçáo do sentido da jurisprudência a fixar.

Falta, na verdade, um elemento importante de natureza intrínseca e material. Quase que poderíamos dizer essencial. Portanto, teremos de recorrer ao ordenamento jurídico concreto em matéria de recursos penais para preencher esta lacuna, e esse regime só poderá encontrar-se nos princípios contidos no artigo 412.o do

Código de Processo Penal (artigo 448.o).»

5.3 - «E o primeiro princípio que dali se extrai é que todo o recurso (ordinário ou extraordinário, dizemos nós) tem de ter um pedido. Ora, precisamente, no recurso de fixaçáo de jurisprudência, o pedido náo consiste em se reconhecer a oposiçáo entre dois acórdáos, mas sim, e essencialmente, que se fixe jurisprudência em determinado sentido. Aliás, isto decorre expressamente do próprio n.o 1 do artigo 438.o do Código de Processo Penal, em que se alude a 'recurso para fixaçáo de jurisprudência'. Portanto, dúvidas náo pode haver de que o requerimento de interposiçáo do recurso deve conter o pedido, ou seja, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.»

5.4 - «Sem embargo, outro princípio que se extrai também do artigo 412.o do Código de Processo Penal é o constante da sua alínea b), em que, como se viu, as conclusóes (no nosso caso o requerimento de inter-posiçáo) devem indicar, sob pena de rejeiçáo do recurso, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido inter-pretada ou com que devia ter sido aplicada. Desta forma, adaptando este princípio ao nosso caso, o mesmo só pode significar que no requerimento de interposiçáo do recurso de fixaçáo de jurisprudência tem de ser indicado pelo requerente o sentido da fixaçáo, sob pena de rejeiçáo.»

5.5 - «De um outro ponto de vista podem ainda ser encaradas as coisas. Poderá, porventura, argumentar-se em contrário, no sentido de que, na medida em que o n.o 2 do artigo 442.o do Código de Processo Penal dispóe que nas alegaçóes os interessados formulem conclusóes em que indicam o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência, náo seria já indispensável tal indicaçáo no requerimento de interposiçáo. Mas náo é assim: em primeiro lugar, a determinaçáo de que as alegaçóes devem conter o sentido da fixaçáo de jurisprudência é um injuntivo que só respeita àquela peça processual. Dito por outras palavras: a lei diz expressamente que nas alegaçóes é obrigatória a indicaçáo do sentido da fixaçáo. Nada mais a este respeito. Simplesmente [. . .] existe um argumento, embora quase ad terrorem, extraído precisamente daqui, que mais impóe ainda a obrigatorie-dade de a indicaçáo do sentido da fixaçáo constar do requerimento de interposiçáo do recurso, por isso mesmo que, náo sendo obrigatórias as alegaçóes como resulta da própria lei (expirado o prazo para a sua apresentaçáo) e náo constando a indicaçáo da fixaçáo do requerimento inicial, ficaria o Supremo Tribunal com um recurso para decidir, sem conclusóes, sem pedido, o que manifestamente, por absurdo, náo pode ser.»

5.6 - «Deve ainda acrescentar-se que a falta de indicaçáo do sentido em que deve fixar-se a jurisprudência no requerimento de interposiçáo do recurso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT