Acórdão n.º 581/2007, de 08 de Janeiro de 2008

Acórdáo n. 581/2007

Processo n. 718/07

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Requerente e pedido

O Presidente da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira veio requerer, ao abrigo do artigo 281., n. 2, alínea g), da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), a declaraçáo, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida no artigo 126. da Lei n. 53 -A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).

O preceito em questáo estabelece, no quadro das relaçóes financeiras entre o Estado e as Regióes Autónomas, os montantes de que estas beneficiaráo, durante o ano económico de 2007, a título de transferência. É do seguinte teor:

Nos termos e para os efeitos do artigo 88. da Lei n. 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n. 48/2004, de 24 de Agosto, as transferências para as Regióes Autónomas em 2007 sáo determinadas nos termos seguintes:

a) € 223 436 000 para a Regiáo Autónoma dos Açores, sendo € 167 436 000 a título de solidariedade e € 56 000 000 do Fundo de Coesáo;

b) € 170 895 000 para a Regiáo Autónoma da Madeira, sendo € 139 195 000 a título de solidariedade e € 31 700 000 do Fundo de Coesáo.

2 - Fundamentos do pedido

2 - 1. De inconstitucionalidade

O requerente alicerça o pedido de inconstitucionalidade nos seguintes fundamentos:

  1. Violaçáo do dever de solidariedade do Estado para com as Regióes Autónomas

    Invoca -se, em síntese, que foi violado o princípio constitucional da solidariedade do Estado para com as Regióes Autónomas, ancorado nos artigos 225., n. 2, 227., n. 1, alínea j), e 229., n. 1, da CRP, ao ser reduzido o montante a transferir de 2006 para 2007 e que essa situaçáo é «tanto mais gritante e escandalosa quanto é certo por ela se acentuarem as disparidades derivadas do carácter insular do território do arquipélago da Madeira».

  2. Violaçáo do direito de audiçáo das Regióes Autónomas

    A este respeito, é alegado um vício procedimental pelo facto de «a Regiáo Autónoma da Madeira náo ter sido devidamente auscultada na instruçáo do procedimento legislativo de elaboraçáo da lei do Orçamento do Estado para 2007», o que configuraria a violaçáo do direito de audiçáo consagrado no artigo 229., n. 2, da CRP, e concretizado nos artigos 90. e seguintes do Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira (doravante, EPA -RAM), aprovado pela Lei n. 130/99, de 21 de Agosto, e na Lei n. 40/96, de 31 de Agosto.

    Argúi -se que um tal direito constitucional e legalmente consagrado náo foi respeitado no caso em apreço, «dado que a Assembleia da República, no decurso do prazo concedido para a emissáo de parecer por parte da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou a votaçáo na generalidade e iniciou a votaçáo na especialidade da futura lei do Orçamento do Estado para 2007». E acrescenta -se que o «comportamento da Assembleia da República infringiu por completo o núcleo essencial deste direito de audiçáo, ao náo ter esperado pela emissáo daquele parecer antes de começar a tomar decisóes sobre a configuraçáo definitiva da lei do Orçamento do Estado para 2007, pondo em questáo a utilidade daquele direito de audiçáo».

    2. 2. De ilegalidade

    Sáo apontados três fundamentos para a ilegalidade da norma em questáo:

  3. Violaçáo da norma do náo retrocesso financeiro consagrada no Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira

    Alega -se que foi desrespeitado o artigo 118., n. 2, do EPA -RAM, o qual estabelece que as verbas a transferir pelo Estado náo podem ser inferiores ao montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de crescimento da despesa pública corrente no

    Orçamento do ano respectivo, visto que o montante agora transferido para a Regiáo Autónoma da Madeira foi inferior ao montante no ano anterior, tendo passado de € 204 888 536, em 2006, para € 170 895 000, em 2007.

    Argumenta -se que aquele preceito estatutário, configurando uma norma legal imperativa mínima, de legalidade reforçada, impede que possa ser desvirtuada pela lei que aprova o Orçamento do Estado, que é uma lei comum. E que a obediência da lei orçamental às leis reforçadas decorre, também, da própria força, procedimento, conteúdo e funçáo dos estatutos político -administrativos e, no caso, até está expressamente mencionada, dado que qualquer orçamento se deve sujeitar às vinculaçóes impostas por leis e contratos.

    Prosseguindo, o autor do pedido afasta o argumento de que «o único padráo aferidor das relaçóes financeiras entre o Estado e as Regióes Autónomas é o constante da lei de Finanças das Regióes Autónomas, Lei Orgânica n. 1/2007, de 19 de Fevereiro», por considerar, em suma, que «é a própria lei de Finanças das Regióes Autónomas a colocar -se num patamar inferior e complementar àquele que é primariamente definido pela Constituiçáo e logo a seguir por cada Estatuto Político -Administrativo das Regióes Autónomas», o que resulta, nomeadamente, dos artigos 1., 4. e 59., n. 1, alínea c), desta lei financeira.

    E conclui que «o mesmo raciocínio deve ser feito em relaçáo a uma

    pretensa justificaçáo para a diminuiçáo do valor transferido em 2007 por comparaçáo com o valor transferido em 2006 que se fundasse no artigo 88., n. 2, da lei do enquadramento do Orçamento do Estado», por esta náo ser uma lei reforçada em relaçáo aos Estatutos Político-Administrativos, que sobre ela devem prevalecer pela sua especificidade na regulaçáo dos direitos regionais e, em especial, da autonomia financeira regional.

  4. Violaçáo da norma da lei de enquadramento orçamental que apenas admite o retrocesso nas transferências financeiras para as Regióes Autónomas em circunstâncias excepcionais

    A norma cuja violaçáo forneceria uma segunda razáo de ilegalidade do artigo 126. da lei do Orçamento do Estado seria a contida no n. 2 do artigo 88. da lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei n. 91/2001, de 20 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n. 48/2004, de 24 de Agosto, nos termos da qual, a reduçáo das transferências do Orçamento do Estado, determinadas na lei do Orçamento, dependem da verificaçáo de circunstâncias excepcionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigaçóes decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, náo arbítrio e solidariedade recíproca e carece de audiçáo prévia dos órgáos constitucionais legalmente competentes dos subsectores envolvidos.

    No entender do requerente, a quebra do náo retrocesso em matéria de transferências financeiras anuais do Estado para as Regióes Autónomas náo obedeceu às condiçóes fixadas no n. 2 do preceito.

    O carácter arbitrário da diminuiçáo de verbas transferidas para a Regiáo Autónoma da Madeira seria evidenciado pelo confronto com o tratamento conferido, nesta matéria, à Regiáo Autónoma dos Açores: esta Regiáo beneficiou de um aumento da verba a transferir, que, de € 210 066 000, em 2006, passou para € 223 436 000, em 2007.

    Tal desigualdade de tratamento violaria «uma ideia de solidariedade recíproca, neste caso entre as próprias Regióes Autónomas e o Estado», atentando também contra a identidade de estatuto jurídico -político das duas regióes, do ponto de vista constitucional.

    A reduçáo seria ainda desproporcionada «porque se pretende cumprir os objectivos do Programa de Estabilidade e Convergência à custa das transferências para as Regióes Autónomas, quando é manifesto que o próprio Estado - o primeiríssimo destinatário desses apertados critérios e que deveria dar o exemplo - náo mostra capacidade de os cumprir, bastando dizer, para o justificar, que para 2007 e em relaçáo a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentam 9,4 %, as despesas correntes do Estado sobem 3,1 %, o serviço da dívida aumenta 16 % e os encargos financeiros da dívida pública aumentam 8,1 %».

  5. Falta de base legal prévia na determinaçáo do montante a transferir em 2007 para a Regiáo Autónoma da Madeira

    No que respeita a este último fundamento do pedido de declaraçáo de ilegalidade, o cerne da questáo é o facto de «ter sido erroneamente determinado o montante da verba a transferir para a Regiáo Autónoma da Madeira por aplicaçáo da lei das Finanças das Regióes Autónomas entáo vigente».

    Invoca o requerente que «a lei das Finanças das Regióes Autónomas na altura em vigor - a Lei n. 13/98, de 24 de Fevereiro - determinava como método de cálculo da verba a transferir do estado para as Regióes

    838 Autónomas o constante do seu artigo 30., n. 2. [...] Simplesmente, náo foi esse o método seguido, mas um qualquer outro método sem qualquer respaldo em lei que no momento se aplicasse».

    Esse método náo poderia, designadamente, corresponder àquele que veio a ser posteriormente acolhido pela nova lei de Finanças das Regióes Autónomas, entretanto aprovada, uma vez que a norma em apreço, como todo o Orçamento do Estado para 2007, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, enquanto que a Lei Orgânica n. 1/2007, que aprovou a nova lei de Finanças das Regióes Autónomas, apenas foi publicada em 19 de Fevereiro de 2007, pelo que a sua aplicaçáo ao caso constituiria uma retroactividade inadmissível e violaria o princípio da tutela da confiança, «aplicável aos indivíduos como às instituiçóes, constante do artigo 2. da Constituiçáo Portuguesa».

    3 - Resposta do autor da norma

    Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54. e 55., n. 3, da lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República apresentou uma defesa do exercício das suas competências, rejeitando a alegaçáo de ter sido violado o direito constitucional e legal de audiçáo das Regióes Autónomas. No que respeita a todos os outros fundamentos de...

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