Acórdão n.º 307/88, de 21 de Janeiro de 1989

Acórdão n.º 307/88 Processo n.º 99/87 Acordam no Tribunal Constitucional: I - A questão 1 - O Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, veio requerer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes da deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 12 de Janeiro de 1987, resultante da aprovação da proposta n.º 238/86, e publicada no Diário Municipal, ano III, n.º 15081, de 4 de Março de 1987, p. 338, nos termos e com os fundamentos seguintes:

  1. Estatui-se assim na deliberação questionada: 1.º A pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares na área do concelho de Lisboa seja punida com coima de 2000$00 a 200000$00.

    § único. A coima a aplicar a pessoas colectivas poderá elevar-se até aos montantes máximos previstos no n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

    1. A determinação da medida da coima far-se-á em função da culpa, da situação económica do agente e da gravidade da contra-ordenação, sendo esta última marcadamente aferida pela dimensão do dano provocado.

    2. Como sanção acessória à prevista no artigo 1.º, serão apreendidos os objectivos que se enquadrem no previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 433/87, de 27 de Outubro.

    3. O agente infractor será intimado a proceder no prazo a indicar à reposição do imóvel no estado em que se encontrava antes da contra-ordenação, podendo a Câmara caso os trabalhos de reposição não sejam iniciados no prazo de cinco dias após a intimação, substituir-se-lhe, debitando ao agente a respectivaconta.

  2. A matéria regulada por esta deliberação prende-se directamente com a liberdade de expressão, consagrada na Constituição (artigo 37.º) como um dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; c) A deliberação em causa reveste a natureza de um regulamento, pois é uma norma jurídica (geral e abstracta) dimanada de órgão administrativo no desempenho da função administrativa; mas não se cinge a ser um regulamento de execução, que regulasse apenas pormenores de execução do regime legal preexistente, antes se apresentando como um regulamento autónomo, pois insere uma produção normativa inicial ou primária, já que o regime legal vigente não veda, em absoluto, como o faz a questionada deliberação, a pintura de inscrições (de qualquer natureza, comercial ou política) em todos e quaisquer imóveis, públicos ou particulares; d) Ao fazê-lo, viola o limite do poder regulamentar constituído pela reserva de lei que a Constituição estabelece para a matéria dos direitos, liberdades e garantias, categoria em que se insere a liberdade de expressão por qualquer meio, que a deliberação impugnada directamente afecta, pelo que a mesma é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição; e) Por outro lado, na deliberação em causa não se busca a conciliação prática da liberdade de expressão com os direitos (também constitucionalmente garantidos) da propriedade privada (artigo 62.º) e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º); pura e simplesmente, nega-se o exercídio daquela liberdade pelos meios ora proibidos e, assim, desrespeita-se o comando dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição, que impõem que as restrições se limitem 'ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos' e não diminuam 'a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais'; f) Daqui deriva a sua inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 18.º, n.os 2 e 3, e 37.º, n.º 1, da lei fundamental.

    2 - Em cumprimento do disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, foi notificada a Câmara Municipal de Lisboa como órgão autor das normas controvertidas, havendo em conclusão, alegado o seguinte quadro argumentativo: A pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares não é um meio normal de expressão de pensamento.

    Assim, a deliberação camarária que proíbe a sua pintura não contraria o disposto no artigo 37.º da Constituição da República, que garante a liberdade de informação e expressão.

    Uma vez que com a norma constitucional indicada apenas se pretende proteger os meios normais de expressão, entre os quais não se contempla a pintura de inscrições murais, sobretudo se esta se efectuar em imóveis particulares por ofender outro direito constitucionalmente protegido, como é o direito à propriedade privada - artigo 62.º da Constituição.

    Pelo que não sofre a deliberação em causa do vício de inconstitucionalidade material.

    Como também não sofre a mesma deliberação do vício de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que da conjugação do artigo 242.º da Constituição, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, e artigo 46.º, n.º 12, do Código Administrativo, incumbe aos municípios o velar pela limpeza das povoações e asseio exterior dos edifícios do concelho.

    3 - As questões postas no pedido podem sintetizar-se assim:

  3. A deliberação questionada viola o limite do poder regulamentar constituído pela reserva de lei que a Constituição estabelece para a matéria dos direitos, liberdades e garantias, categoria em que se insere a liberdade de expressão por qualquer meio, razão por que e organicamente inconstitucional, afrontando o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição; b) A mesma deliberação não busca a conciliação prática da liberdade de expressão com os direitos, também constitucionalmente garantidos, da propriedade privada (artigo 62.º) e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º), negando pura e simplesmente o exercício daquela liberdade. Deste modo incorre no vício de inconstitucionalidade material por desrespeito do comando dos artigos 18.º, n.os 2 e 3, e 37.º, n.º 1, da Constituição.

    Antes de ir ao encontro da dilucidação destas matérias ou de outras cujo conhecimento se venha a mostrar justificado - na verdade, por força do disposto no artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, o Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada -, cumpre esclarecer, face à publicação da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, ocorrida, portanto, já na pendência deste processo, se subsiste qualquer interesse jurídico relevante na apreciação do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República.

    Passar-se-á assim ao desenvolvimento desta averiguação liminar.

    II - Uma questão prévia 1 - Tendo em consideração que 'a afixação indiscriminada de cartazes e a realização de inscrições e pinturas murais têm provocado uma acentuada e progressiva deterioração das fachadas dos edifícios e de outros suportes, com a consequente conspurcação quer do património construído, quer do património natural, em inequívoco atentado ao direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, consagrado no artigo 66.º da Constituição, se não mesmo ao direito de propriedade, também consignado na lei fundamental', e ponderando, outrossim, que 'não têm sido facultadas às câmaras municipais e aos titulares do respectivo direito de propriedade - uns e outros mais vocacionados para evitarem aquela degradação - os meios adequados à defesa dos valores e bens em causa', sendo, aliás, 'confrangedor verificar que os esforços desenvolvidos por muitas câmaras municipais e pelos proprietários no sentido de procederem à limpeza das fachadas são inúteis ou desencorajados por muitas ofensivas que, a curto prazo, repõem a degradação anterior', o grupo parlamentar do PSD apresentou na Assembleia da República o projecto de Lei n.º 25/V, Diário da Assembleia da República, 2.' série, de 17 de Outubro de...

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