Acórdão n.º 317/86, de 14 de Janeiro de 1987

Acórdão n.º 317/86 Processo n.º 208/86 Acordam no Tribunal Constitucional: O Primeiro-Ministro, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição, requer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 32/86, de 29 de Agosto, e ainda da alteração introduzida no mapa II do Orçamento do Estado, anexo àquela lei, consubstanciada numa transferência de verba de 64000 contos da Direcção-Geral da Comunicação Social - capítulo 10 de Encargos Gerais da Nação para a rubrica de subsídios a empresas públicas, destinada à ANOP, bem como da inconstitucionalidade do aumento da receita do IVA em 14 milhões de contos - artigo 05, grupo 03 do capítulo 02, do mapa I -, com a consequente redução do défice, por violação do n.º 3 do artigo 108.º, da alínea b) do artigo 202.º e do n.º 2 do artigo 170.º, todos da Constituição.

Alega, em síntese: É da exclusiva competência da Assembleia da República, sob a forma de lei, a aprovação do Orçamento do Estado, nos termos da alínea g) do artigo 164.º da Constituição, mas sob proposta apresentada pelo Governo. Desta forma, a Assembleia da República não pode tomar a iniciativa de um projecto de lei do orçamento, só pode discutir e votar o Orçamento sob proposta de lei do Governo.

O Orçamento do ano em curso foi aprovado pela Lei n.º 9/86, de 30 de Abril.

Tornou-se necessária a sua alteração, o que só o Governo pode propor, tendo-o feito apresentando a proposta de lei do Orçamento, a que foi atribuído o n.º 31/IV.

Pretendia, já na fase de execução, alterar o plano financeiro, aprovado pela Lei n.º 9/86, corrigindo algumas receitas e despesas; pretendia-se, nomeadamente, o aumento de receita de crédito público interno e um correspondente aumento das despesas em combustíveis e lubrificantes em compensação da redução de receitas próprias de orçamentos privativos das Forças Armadas e em encargos com aposentações.

Porém, a Assembleia da República, ao aprovar a Lei n.º 32/86, de 29 de Agosto, não contemplou o aumento das receitas de crédito interno proposto pelo Governo, mas aumentou as receitas do imposto sobre o valor acrescentado, do Fundo de Abastecimento e do crédito externo (sic); quanto às despesas, aprovou o aumento das despesas em combustíveis e lubrificantes e um aumento das despesas com aposentações e, ao mesmo tempo, aumentou as despesas do capítulo 'Despesas excepcionais' (Ministério das Finanças) e do capítulo 'Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde' (Ministério da Saúde), reduzindo as despesas do capítulo 'Direcção-Geral da Comunicação Social' (Encargos Gerais da Nação) e do capítulo 'Encargos de dívida pública' (Ministério das Finanças).

De tudo isto resultaram profundas alterações à lei do orçamento que o Governo não propôs e que se repercutem na execução do Orçamento, que é da competência do Governo.

Durante a discussão do Orçamento podem os deputados apresentar todas as propostas de alteração que entenderem, desde que respeitem os princípios e regras orçamentais, não se aplicando a chamada 'norma travão'. Isto porque a Assembleia não está a exercer uma competência propriamente legislativa, mas, sim, uma competência política exclusiva sob a forma legislativa. A Assembleia fixa os limites máximos do conjunto de despesas e prevê o conjunto das adequadas receitas; os deputados não estão sujeitos a qualquer limitação nas suas propostas, porque discutem e votam a totalidade do Orçamento.

O mesmo não sucede perante uma proposta do Governo de alterações ao Orçamento. Nesta última hipótese procura modificar-se um plano elaborado e aprovado, que está em execução. Quem o executa é o Governo, e as alterações que propõe são as que entende serem necessárias para assegurar a mais correcta execução do Orçamento. Se fossem atribuídos à Assembleia os mesmos poderes que lhe são conferidos aquando da elaboração do Orçamento, poderia modificar substancialmente aquele e praticamente elaborar um novo. Isto não significa que tenha de aceitar a proposta do Governo. Pode aumentar, ou não, e diminuir, ou não, as receitas e as despesas constantes da proposta, ou aumentá-las e diminuí-las em menos ou em mais. Não pode, porém, é inverter o sentido da proposta do Governo.

Por estas razões, são inconstitucionais - formal e organicamente - as alterações introduzidas pela Assembleia da República, mediante proposta dos seus deputados, e que se traduzem na alteração do mapa II do Orçamento (transferência da verba de 64000 contos da Direcção-Geral da Comunicação Social - 'Aquisição de serviços' para a rubrica de subsídios a empresas públicas, destinada à ANOP) e no aumento da receita do IVA em 14 milhões de contos e consequente redução do défice orçamental. Tudo isto, por violação directa do disposto no n.º 3 do artigo 108.º da Constituição.

Sustenta também que são inconstitucionais as alterações introduzidas pela Assembleia da República e que constam do artigo 3.º da Lei n.º 32/86, de 29 de Agosto. Isto porque a Assembleia da República só pode fiscalizar a execução do Orçamento nos termos do n.º 8 do artigo 108.º, ao apreciar e aprovar a Conta Geral doEstado.

Foi invadida a competência administrativa que é do Governo, nomeadamente ao fixar-se-lhe um prazo inaceitável para prestar informações, pelo que foi violada a alínea b) do artigo 202.º da Constituição.

Finalmente, entende ser inconstitucional o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 32/86, o qual veio isentar, com efeito imediato no ano económico em curso, os utentes dos serviços de saúde do pagamento de certas taxas moderadoras. É que, como se diminuiu, por essa forma, no corrente ano económico, uma receita do Estado, violou-se o n.º 2 do artigo 170.º da Constituição.

Termina pedindo que se declare...

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