Acórdão n.º 539/2007, de 18 de Dezembro de 2007

Acórdáo n. 539/2007

Processo n. 445/07

Acordam na 2ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente Manuel Dias Mártires Pêgo e recorrida Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Olháo, C. R. L., foi interposto recurso de fiscalizaçáo concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdáo daquele Tribunal de 07.03.2007, visando a apreciaçáo da constitucionalidade da norma contida no n. 1 do artigo 398. do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

2 - A decisáo recorrida surge na sequência de acçáo declarativa emergente de contrato de trabalho que Manuel Dias Mártires Pêgo intentou contra Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Olháo, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento e a ré condenada a reintegrá -lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar -lhe as retribuiçóes que deixou de auferir e uma indemnizaçáo por danos náo patrimoniais.

Para fundamentar a acçáo, alegou que, tendo sido eleito para a Direcçáo da ré em 23.03.1989 e celebrado com esta, no dia 1 de Abril seguinte, um contrato de trabalho para o exercício do cargo de Director Executivo, veio a pedir, em 07.03.1996, demissáo do cargo electivo e a passagem à situaçáo de reforma por invalidez relativamente ao vínculo laboral. E depois de tal proposta ter sido aceite e o autor ter entrado em situaçáo de baixa por doença, a ré, na sequência de uma intervençáo do Conselho de administraçáo da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, veio a declarar a nulidade do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 398.° do Código das Sociedades Comerciais, o que corresponderia a um despedimento ilícito por este preceito náo ser aplicável ao caso. Subsidiariamente, alegou a inconstitucionalidade, orgânica e formal, do citado artigo 398. do CSC.

A acçáo foi julgada improcedente em primeira instância, também quanto à questáo da inconstitucionalidade e, em consequência, absolvida a ré dos pedidos.

Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relaçáo de Évora, renovando a questáo da constitucionalidade, tendo este tribunal, após uma sucessáo de vicissitudes processuais, confirmado o decidido em primeira instância através de acórdáo de 04.07.2006.

Novamente inconformado e reafirmando a questáo da inconstitucionalidade orgânica e formal e, ainda, aduzindo novos argumentos no sentido da inconstitucionalidade material, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdáo de 07.03.2007, negou a revista e confirmou a decisáo recorrida.

3 - Neste acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça, do qual vem interposto o presente recurso, pode ler -se o seguinte:

(...)Seja como for, a declaraçáo de nulidade do contrato de trabalho com fundamento no disposto no digo 398°, n. 1, do CSC náo envolve qualquer violaçáo da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho a que se referem as mencionadas disposiçóes dos artigos 53° e 58°, n° 1, da Constituiçáo.

A primeira e mais importante dimensáo do direito à segurança no emprego é a proibiçáo dos despedimentos sem justa causa, o que se traduz no reconhecimento de que as entidades patronais náo gozam da liberdade de disposiçáo sobre as relaçóes de trabalho. Uma vez obtido um emprego, o trabalhador tem direito a mantê -lo, náo podendo a entidade empregadora pôr -lhe fim por sua livre vontade, mas apenas com invocaçáo de um motivo justificado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituiçáo da República Portuguesa Anotada, 3ª ediçáo revista, Coimbra, pág. 287). Por seu turno, o direito ao trabalho, para além do seu carácter programático de direito de obter emprego ou de exercer uma actividade profissional, releva essencialmente na sua dimensáo negativa ou de garantia: a liberdade de procurar trabalho; o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais; o direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao posto de trabalho; o direito a náo ser privado do posto de trabalho (idem, pág. 315).

No caso dos autos, o âmbito de protecçáo constitucional, na dupla vertente de segurança no emprego e do direito ao trabalho - tal como o recorrente o configura -, converge no direito à manutençáo do emprego e conduziria a considerar - segundo o recorrente entende - que a declaraçáo de nulidade do contrato de trabalho, nas circunstâncias enunciadas no artigo 398°, n. 1, do CSC, corresponde a um despedimento sem justa causa.

É patente que a norma náo pode ter essa leitura.

O que está em causa náo é a ruptura da relaçáo laboral sem qualquer motivo justificativo - única situaçáo que se encontra abrangida pela proibiçáo constitucional -, mas simplesmente a proibiçáo da celebraçáo de contrato de trabalho ou de prestaçáo de serviços entre o administrador e a sociedade por razóes de política legislativa que assentam na necessi-dade de preservar a empresa de medidas de gestáo que possam implicar um favorecimento pessoal do administrador. A norma reflecte um princípio da imparcialidade, exigindo do administrador um distanciamento em relaçáo aos interesses pessoais, em vista a garantir o exercício isento e desinteressado da funçáo. Limita -se, por isso, a estabelecer um regime de impedimentos, que obsta a que o administrador possa aproveitar -se da sua posiçáo de autoridade para impor à sociedade a realizaçáo de negócios que possam conflituar com o interesse empresarial.

A declaraçáo de nulidade do contrato de trabalho celebrado em preteriçáo do estabelecido na norma resulta, por sua vez, da aplicaçáo de um princípio civilístico que se supóe náo ter sido alguma vez suspeito de inconstitucionalidade - artigo 294° do Código Civil.

A extinçáo da relaçáo laboral náo ocorre, por isso, por livre vontade da entidade empregadora, mas antes por simples aplicaçáo dos critérios legais e com fundamento em clara violaçáo do direito societário.

Acresce que a declaraçáo de nulidade do contrato náo desprotege o trabalhador, uma vez que o contrato produz efeitos como se fosse válido em relaçáo ao tempo durante o qual esteve em execuçáo, náo tendo por isso consequência quanto aos direitos remuneratórios que se venceram na sua vigência (artigo 15° da LCT). E apenas ocorreu quando o Autor tinha já chegado ao termo da sua vida activa.

Em qualquer caso, a norma do artigo 398°, n. 1, do CSC náo pode ser vista como inconstitucional no ponto em que se limita a garantir a aplicaçáo de um princípio de imparcialidade, quando é certo que esse é um princípio que tem também consagraçáo constitucional - artigo 266°, n. 2, da CRP. Náo se póe sequer em causa, nesse caso, o direito ao trabalho, visto que a norma apenas restringe o duplo emprego quando venha a ser constituído em circunstâncias que possam representar um favorecimento pessoal do administrador, pelo que náo há também qualquer violaçáo do disposto no artigo 18°, n.° 2, da Constituiçáo.

Assim se compreende também que a norma em causa náo represente, em rigor, uma restriçáo ao direito de liberdade de escolha de profissáo, cuja violaçáo o Autor também invoca por referência ao disposto no artigo 47°, n. 1, da lei Fundamental.

Como resulta desse preceito, "Todos têm o direito de escolher livremente a profissáo ou o género de trabalho, salvas as restriçóes legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade".

A liberdade de profissáo que aqui se consagra é uma componente da liberdade de trabalho e tem vários níveis de realizaçáo: a obtençáo das habilitaçóes necessárias ao exercício da profissáo; o ingresso na profissáo; o exercício da profissáo; a progressáo na carreira profissional.

Ela náo se confunde, no entanto, com o exercício livre da profissáo. Há liberdade de escolha de profissáo, mas isso náo impede que o exercício da profissáo escolhida se encontre institucionalmente constrangido através de certos limites de actuaçáo. É o direito de livre escolha que pressupóe, nesse caso, a assunçáo de um estatuto profissional que poderá estar sujeito a um conjunto de condicionantes.

Por isso se considera náo constitucionalmente ilícito, nem a atribuiçáo de um estatuto público a certas profissóes, nem, muito menos, a submissáo de certas profissóes a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado (idem, págs. 262 -263).

É o que sucede, por efeito do preceituado no citado artigo 398°, n. 1, do CSC, relativamente ao exercício de cargos de administraçáo de sobriedades anónimas. Os respectivos titulares náo se encontram impedidos de aceder a esses cargos e de os exercerem. Do mesmo modo que náo existe qualquer obstáculo a que abandonem a sua posiçáo profissional e passem a desempenhar outras funçóes, na mesma empresa ou noutra que esteja com ela em relaçáo de domínio ou de grupo, mediante a celebraçáo de contrato de trabalho ou de prestaçáo de serviços. Mantêm -se, por isso, plena liberada de escolha de profissáo; o que náo podem é preferir o exercício de cargo de administrador sem se sujeitarem às limitaçóes que para esse exercício a lei impóe.

Assim, a norma do artigo 398°, n. 1, do CSC náo sofre de inconstitucionalidade por violaçáo do artigo 47°, n. 1, da CRP.

O recorrente invoca, por fim, a inconstitucionalidade formal da norma do digo 398°, n. 1, do CSC, por se enquadrar em matéria de legislaçáo de trabalho e ter sido aprovada sem a participaçáo das comissóes de trabalhadores e das associaçóes sindicais, em violaçáo do disposto nos artigos 54, n. 5, alínea d), e 56°, n. 2, alínea a), da CRP), e, bem assim, a sua inconstitucionalidade orgânica, neste caso, por a referida norma incidir sobre matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias e constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República,

segundo o disposto no artigo 165, n. 1, alínea b), da CRP), e ter emanado do Governo sem prévia autorizaçáo legislativa.

Quanto ao primeiro dos aspectos em questáo, basta relembrar o que se afirmou no acórdáo recorrido, que...

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