Acórdão n.º 303/90, de 26 de Dezembro de 1990

Acórdão n.º 303/90 Processo n.º 129/89 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - 1 - Um grupo de 27 deputados à Assembleia da República, com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, esta com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro (diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 1989), e segundo o qual se determinou a suspensão da vigência da Lei n.º 103/88, de 27 de Agosto.

2 - Segundo os requerentes, o preceito em causa ofende a alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição, pois que, ao suspender a vigência da referida Lei n.º 103/88, deixou subsistir uma discriminação ilegítima no tocante a vencimentos dos professores portadores do curso especial a que se refere o Decreto-Lei n.º 111/76, de 7 de Fevereiro, e dos ex-regentes escolares, que detinham os mesmos direitos e deveres de qualquer docente diplomado, discriminação essa que visou ser abolida pela dita lei, que, com tal finalidade, foiaprovada.

3 - Igualmente os requerentes invocaram que o n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88 teve um efeito retroactivo, assim violando os artigos 17.º, 18.º, n.º 3, e 277.º da lei fundamental, uma vez que, constando a sua publicação do Diário da República, cuja distribuição ao público só ocorreu em finais de Janeiro, consequentemente, só na data dessa distribuição, acrescida da respectiva vacatio, entrando em vigor, isso implicou uma ilegal destruição dos efeitos que seriam produzidos pela mencionada Lei n.º 103/88, cujo artigo 3.º determinou que a respectiva vigência tivesse lugar em 1 de Janeiro de 1989.

II - Cumprido o artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, limitou-se o Presidente da Assembleia da República a oferecer o merecimento dos autos.

III - 1 - É do seguinte teor o n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88, artigo esse precisamente subordinado à epígrafe 'Gestão de recursos humanos': .........................................................................................................................

11 - É suspensa a vigência da Lei n.º 103/88, de 27 de Agosto.

.........................................................................................................................

2 - Por outra banda, dispôs-se na Lei n.º 103/88: Artigo 1.º Os vencimentos dos professores profissionalizados do ensino primário habilitados com o curso especial a que se refere o Decreto-Lei n.º 111/76, de 7 de Fevereiro, passam a corresponder aos vencimentos dos restantes professores habilitados com o curso normal, de acordo com a legislação em vigor sobre fases e diuturnidades a que já tinham direito.

Art. 2.º O disposto no artigo 1.º aplica-se a todos os ex-regentes escolares, mesmo que não profissionalizados ou na situação de aposentação.

Art. 3.º A presente lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 1989.

3 - Conforme se extrai do Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.º 118, de 20 de Julho de 1988, aquando da votação (e subsequente aprovação por unanimidade) do texto alternativo da Comissão de Educação, Ciência e Cultura à proposta de Lei n.º 27/V e ao projecto de Lei n.º 176/V, os deputados António Braga (PS), Carlos Lélis (PSD), Lourdes Hespanhol (PCP), Barbosa da Costa (PRD), Narana Coissoró (CDS), Herculano Pombo (Os Verdes) e João Corregedor da Fonseca (ID) efectuaram a seguinte declaração de voto: Votámos favoravelmente o texto acima referido, tendo em consideração o que a seguir se refere.

O Decreto-Lei n.º 204/81, de 10 de Julho, corrigiu, na época, o diferencial entre a remuneração dos professores habilitados com o curso especial criado pelo Decreto-Lei n.º 111/76, de 7 de Fevereiro, e dos professores eventuais de posto das ex-colónias e a dos restantes professores portadores de habilitação normal.

No preâmbulo desse Decreto-Lei n.º 204/81 considerava-se que 'os ex-regentes escolares habilitados com o curso especial e os professores eventuais e de posto das ex-colónias são professores profissionalizados do ensino profissionalizado do ensino primário, tal como os formados pelas escolas do magistério primário', e também que 'a diferença de habilitações de base que uns e outros possuem não justifica a actual discriminação de vencimentos estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 513-M1/79, de 27 de Dezembro'. Refere-se no mesmo preâmbulo a necessidade de uma equiparação total das remunerações que naquele momento, 10 de Julho de 1981, não era tida como possível e, por isso, apontava para 'medidas adequadas a uma aproximação progressiva entre uns e outros, uma vez que, sendo todos eles professores profissionalizados do ensino primário, a todos é exigido o exercício de funções idênticas'.

Por outro lado, não se poderá atribuir a actual situação como resultado de uma opção que o Decreto-Lei n.º 111/76 previsse ou permitisse, dado que esse decreto não faz qualquer referência a opções: não refere a possibilidade de frequência do curso geral, mediante aprovação ou não em exame de admissão, nem tinha de o fazer, uma vez que isso era um direito adquirido anteriormente; não refere a frequência do curso geral, com dispensa de exame de aptidão, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 44560, de 8 de Setembro de 1962.

Mas, na hipótese de se querer referenciar o conteúdo do n.º 2, alínea a), do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 111/76, concluiu-se não ser essa uma possibilidade real, em virtude de a maior parte dos professores com o curso oficial ter regressado das ex-colónias em fins de 1975 e o artigo 6.º do citado decreto-lei determinar que a partir do ano escolar de 1975-1976 não eram permitidas matrículas pela primeira vez nos cursos intensivos, únicos anos que o possibilitavam. Essa possibilidade foi também negada aos ex-regentes, que haviam transitado para o 2.º ou 3.º ano dos referidos cursos intensivos, já que imediatamente após a publicação do Decreto-Lei n.º 111/76 lhes foi imposta administrativamente a transição para o curso oficial.

Os ex-regentes e os portadores do curso especial têm exactamente os mesmos direitos e deveres de qualquer docente diplomado com o curso geral, excepto no que diz respeito aos vencimentos, o que é uma discriminação que a Constituição da República não reconhece nem legitima.

Deste modo, e dado que nada justifica a manutenção de tal discriminação, o nosso voto foi favorável.

4 - Dos trabalhos parlamentares conducentes à aprovação da Lei n.º 103/88, e ponderando a declaração vinda de citar, poder-se-á concluir que foi escopo de tal aprovação a igualização dos vencimentos dos professores profissionalizados do ensino primário habilitados com o curso especial reportado no Decreto-Lei n.º 111/76 e dos ex-regentes escolares, mesmo que não profissionalizados ou já desligados do serviço por efeitos de aposentação, aos vencimentos dos professores habilitados com o curso das escolas de magistério primário, uma vez que foi entendido que, sendo os dois primeiros e os últimos detentores dos mesmos direitos e deveres, não se justificava a percepção de diferentes remunerações, o que, a subsistir, representaria uma discriminação não reconhecida ou legitimada pela Constituição.

4.1 - É certo que não se apresenta líquido o âmbito de aplicação do artigo 2.º da Lei n.º 103/88.

Na verdade, tendo em referência o pertinente historial da figura dos regentes escolares, que adiante se efectuará, aquele artigo 2.º poderá ser entendido, ao se referir aos 'ex-regentes' como querendo, e somente, abarcar os ex-regentes em sentido próprio, ou seja, os regentes escolares habilitados com o curso especial instituído pelo Decreto-Lei n.º 111/76, de 7 de Fevereiro (e que assim foram designados nos diplomas posteriores, máxime os Decretos-Leis n.os 513-M1/79, de 27 de Dezembro, 204/81, de 10 de Julho, e 100/86, de 17 de Maio).

Neste entendimento, o âmbito do citado artigo 2.º reportar-se-ia a regentes escolares (rectius ex-regentes) habilitados com aquele curso especial, mas que não concorreram aos concursos a que alude o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 111/76 ou, concorrendo, não alcançaram colocação, e a regentes escolares também habilitados com o curso especial e que, integrando já os quadros de professores efectivos e agregados do ensino primário (ou não os integrando por não terem concorrido ou, tendo-o, não terem conseguido alcançado colocação), se encontrassem na situação de aposentação.

4.2 - Todavia, uma outra interpretação, convém-se, poderia ser conferida. É ela a de a locução 'ex-regentes' ter sido usada no referido artigo 2.º utilizando-se o prefixo e hífen 'ex-' num sentido de estado anterior ou cessamento.

Nestes termos, a expressão 'ex-regentes' comportaria, não já os 'ex-regentes' em sentido próprio, mas os regentes escolares não habilitados com o curso especial e que desde a instituição da figura desse modo se designaram, continuando no desempenho de funções docentes após a vigência do Decreto-Lei n.º 111/76, nos termos dos seus artigos 15.º e 16.º, alínea a), e até ao desaparecimento daquela figura operado pelo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 409/89, de 19 de Novembro.

Assim, o uso do prefixo e hífen 'ex-' dever-se-ia a uma (errónea) consideração do legislador de 1988 e segundo a qual, aquando da edição da Lei n.º 103/88, já não existiriam regentes escolares (qua tale) em docência.

Esta possibilidade de atribuição de diversos entendimentos à norma constante do artigo 2.º da Lei n.º 103/88, contudo, como adiante se verá, não afectará a solução a conferir pelo presente aresto.

5 - Há, pois, que averiguar se a não igualização de vencimentos existentes antes do normativo consagrado pela Lei n.º 103/88 era algo que implicava uma discriminação ilegítima, ofensiva, máxime, do n.º 2 do artigo 13.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º, da lei básica (versão da revisão de 1982).

É que, se o fosse, seríamos levados a concluir que aquela Lei n.º 103/88 veio pôr cobro a um sistema que seria violador da Constituição, motivo...

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