Os desafios da protecção do consumidor
Autor | Mário Frota |
Cargo | Director do Centro de Estudos de Direito do Consumo |
Páginas | 7-59 |
7
RPDC , Setembro de 2015, n.º 83
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
OS DESAFIOS DA PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
Sumário
I. O “CONVENCIONAL” TRIPÉ DA TUTELA DA POSIÇÃO
JURÍDICA DO CONSUMIDOR. 1. Da impressiva realidade da
União Europeia a desmisticar quadros ou modelos utópicos sem
suporte no quotidiano à instante necessidade da formação para o
consumo. 2. A informação para o consumo como bóia de salvação
no quotidiano: a informação previne a lesão. 3. A protecção da
posição jurídica do consumidor.
II. A “REDESCOBERTA” DO GREGARISMO E AS INSTITUIÇÕES
EMERGENTES DA DENOMINADA “SOCIEDADE CIVIL”. 1. O apelo
à mobilização dos consumidores e à estruturação de instituições
Mário FROTA
Director do Centro de Estudos de Direito do
Consumo
Fundador e Primeiro Presidente da AIDC –
Associação Internacional de Direito do
Consumo
DOUTRINA
RPDC , Setembro de 2015, n.º 83
8
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
autónomas, autênticas e genuínas: de interesse geral como
especíco. 2. A recusa do “modelo” de “associações-empresa” e
das “empresas-associação” porque desvirtuante. 3. As associações
de consumidores e a concertação com as associações de interesse
económico.
III. CONCLUSÕES
I. O “CONVENCIONAL” TRIPÉ DA TUTELA DA POSIÇÃO JURÍDICA DO
CONSUMIDOR
1. Da impressiva realidade da União Europeia a desmisticar quadros ou
modelos utópicos sem suporte no quotidiano à instante necessidade da formação
para o consumo
A União Europeia é, hoje por hoje, o bloco económico (e social) mais expressivo do
globo.
Os seus mais de 500 000 000 de cidadãos-consumidores e os valores movimentados
no mercado de consumo atestam-no de modo soberano.
Tais montantes atingem 56 % do PIB da União Europeia.
O incremento de tais valores é algo de essencial, como o proclamou em tempos
o ora cessante presidente da Comissão Europeia, o português Durão Barroso, para a
consecução dos objetivos da estratégia «Europa 2020».
Objectivos que se consubstanciam em um crescimento inteligente, inclusivo e
sustentável.
O estímulo da procura, como o signicou, é susceptível de desempenhar um papel
fundamental na superação da crise económico-nanceira com que ainda hoje se confronta
a União Europeia.
A despeito dos elevados níveis de tutela dos seus direitos (plasmados em textos legais)
no seio do mercado interno, delimitado pelas fronteiras exteriores dos seus 28 Estados-
-membros, mais de um em cinco cidadãos se confrontou com produtos ou serviços
decientemente dispensados ou intrinsecamente decientes.
Os prejuízos acumulados em decorrência das decientes condições de funcionamento
9
RPDC , Setembro de 2015, n.º 83
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
do mercado de consumo (em detrimento dos consumidores, vítimas de acções tamanhas)
ascenderam a cerca de 0,5% do PIB da própria União Europeia.
O Eurobarómetro, pelos seus mais recentes inquéritos, revela que apenas 26% dos
fornecedores conhecem o prazo exacto por lei conferido ao consumidor para devolução
de produtos não conformes (em razão da inerente garantia legal).
Parte apreciável dos problemas que opõem os consumidores aos fornecedores ca
por solucionar em razão de os lesados não tomarem qualquer iniciativa em ordem à
reparação dos prejuízos daí decorrentes.
Dados a tal propósito revelados pela União Europeia permitem concluir que só 16%
dos consumidores recorreram a instituições de consumidores ou a entidades públicas
com o to de regularizar os conitos de consumo em que se viram envolvidos.
Numa pluralidade de situações, aos consumidores agura-se que – se se revelar
infrutífero o contacto inicial com o fornecedor – o recurso às vias jurisdicionais é
francamente dispensável, em particular se os montantes em disputa forem relativamente
baixos. Porque mesmo numa empírica avaliação custo/benefício “não vale a pena” o
dispêndio de energias e do mais…
As autoridades a que incumbe a aplicação da lei, em razão dos constrangimentos
orçamentais, dispõem de cada vez menos estruturas susceptíveis de dispensar, em
condições de celeridade, ecácia e não-onerosidade, justiça aos concretos litígios
suscitados pelas vítimas.
A edicação do Mercado Interno, nos termos noutro passo conceituado, carece de um
reforço cada vez mais instante de cooperação entre as autoridades dos Estados-membros.
E de estruturas que tornem viável a pronta solução das controvérsias emergentes do
desenvolvimento das relações negociais no seio de um tal Mercado.
A óbvia conclusão de que, na malha alargada da União Europeia, os direitos dos
consumidores não são, em geral, respeitados e de que as lesões patrimoniais e não
patrimoniais que se projectam na esfera própria dos consumidores carecem não só de
um estímulo a uma formação apropriada (de consumidores como de fornecedores), de
uma acurada informação, simples, descodicada, acessível, como de vias expeditas de
resolução de litígios, impõe necessariamente uma atitude distinta dos poderes públicos
como das instituições de consumidores autênticas, autónomas e genuínas que perseguem
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO