Decreto-Lei n.º 70/2021

Data de publicação03 Agosto 2021
ELIhttps://data.dre.pt/eli/dec-lei/70/2021/08/03/p/dre
SeçãoSerie I
ÓrgãoPresidência do Conselho de Ministros

Decreto-Lei n.º 70/2021

de 3 de agosto

Sumário: Aprova o regime jurídico do ensino individual e do ensino doméstico.

A liberdade de aprender e ensinar e o direito à educação são reconhecidos e garantidos enquanto direitos fundamentais, respetivamente, no n.º 1 do artigo 43.º e no artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Para a prossecução do direito à educação a CRP atribui ao Estado um conjunto de tarefas, tais como «cooperar com os pais na educação dos filhos», conforme previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 67.º e no n.º 1 do artigo 68.º, a par dos direitos e deveres dos pais na educação dos filhos, previstos no n.º 5 do artigo 36.º, todos da CRP.

Por outro lado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, à qual o n.º 2 do artigo 16.º da CRP atribui valor constitucional, para além de consagrar os direitos já referidos em matéria educativa, abre o leque das entidades a quem esses direitos são atribuídos, nomeadamente aos pais, cabendo a estes a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos seus filhos, atento o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da mesma Declaração. A educação, enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, é promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação profissional, conforme decorre da CRP, do Direito Internacional, da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua redação atual e demais legislação complementar.

Com efeito, o direito à participação dos pais na educação dos filhos e os demais princípios constitucionalmente consagrados de suporte ao direito fundamental à educação encontraram acolhimento na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua redação atual.

Assim, não esquecendo a tarefa de garantir o direito fundamental à educação e ao ensino, o Estado Português, à semelhança da maior parte dos Estados europeus, tem vindo a permitir que o processo de ensino-aprendizagem ocorra fora do contexto escolar, ao abrigo do regime de ensino individual e de ensino doméstico e, por esse facto, torna-se necessário implementar uma medida legislativa que salvaguarde as legítimas expectativas criadas e que garanta a todos os intervenientes e destinatários a segurança e a certeza jurídica, no quadro do ordenamento jurídico-legal que postula a ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.

Na assunção plena do cumprimento da relação de complementaridade entre a família e o Estado, importa regular estas possibilidades de ensino/aprendizagem, mas, simultaneamente, garantir que as crianças e jovens não veem o seu direito à educação com qualidade prejudicado, competindo ao Estado prever o cumprimento pleno do currículo nacional, a participação efetiva dos mesmos nas atividades de ensino desenvolvidas na escola e a monitorização do progresso dos alunos e proteger alunos em risco de abandono ou de insucesso continuado e acompanhar o respetivo desenvolvimento curricular, assegurando que todos, independentemente da oferta e do regime de ensino frequentado, alcançam os objetivos dos ensinos básico e secundário estabelecidos, respetivamente, nos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua redação atual, bem como os princípios, visão, valores e áreas de competência previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

O presente decreto-lei visa dar resposta às famílias que, por razões de natureza estritamente pessoal ou de mobilidade profissional, pretendem assumir uma maior responsabilidade na educação dos seus filhos ou educandos, optando por desenvolver o processo educativo fora do contexto escolar, garantindo-se, assim, a liberdade dos pais que optam por estes regimes de ensino, bem como a flexibilidade e adequação ao ritmo de desenvolvimento e aprendizagens de cada criança e jovem.

Na concretização dessa opção garante-se que a organização do currículo prossegue os princípios, visão, valores e áreas de competência do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, tendo como referência os documentos curriculares em vigor para cada disciplina, nomeadamente as aprendizagens essenciais para cada ciclo de escolaridade do ensino básico, bem como as aprendizagens essenciais dos cursos científico-humanísticos.

O presente decreto-lei procede à aprovação do regime jurídico do ensino individual e do ensino doméstico, definindo as regras e os procedimentos relativos à matrícula e frequência, bem como ao acompanhamento e monitorização e à certificação das aprendizagens.

Com vista a criar condições que permitam o sucesso escolar do aluno, garantindo o cumprimento dos referenciais curriculares em vigor, institui-se o protocolo de colaboração como instrumento privilegiado para estabelecer a organização do percurso educativo do aluno, os procedimentos de acompanhamento e monitorização do seu processo educativo, bem como as responsabilidades do encarregado de educação e da escola de matrícula.

Por último, garante-se aos alunos que se encontram matriculados nas escolas da rede pública do Ministério da Educação, nos regimes de ensino regulados pelo presente decreto-lei, nos termos gerais, o acesso à ação social escolar, às atividades de enriquecimento curricular e à disponibilização gratuita dos manuais escolares.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, a Associação Nacional de Pais em Ensino Doméstico, a CONFAP - Confederação Nacional das Associações de Pais, as Associações Sindicais dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, o Conselho das Escolas e o Conselho Nacional de Educação.

Assim:

No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 22/2021, de 3 de maio, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua redação atual, e nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

1 - O presente decreto-lei procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens.

2 - O presente decreto-lei aprova o regime jurídico aplicável ao ensino individual e ao ensino doméstico, definindo as regras e os procedimentos relativos à matrícula e frequência, bem como de acompanhamento e monitorização e de certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho

O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 8.º

[...]

1 - O ensino a distância consubstancia-se numa modalidade especial de educação escolar dos ensinos básico e secundário.

2 - As ofertas educativas e formativas previstas no artigo anterior e a modalidade especial de educação escolar de ensino a distância são objeto de regulamentação por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da educação e, sempre que aplicável, da formação profissional.»

Artigo 3.º

Âmbito de aplicação

O disposto no presente decreto-lei aplica-se:

a) Aos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória que pretendem frequentar o ensino básico geral e os cursos científico-humanísticos nos regimes de ensino individual e de ensino doméstico;

b) Aos agrupamentos de escolas e às escolas não agrupadas da rede pública, bem como aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

Artigo 4.º

Definições

Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Ensino doméstico» aquele que é lecionado no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite;

b) «Ensino individual» aquele que é ministrado por um professor habilitado a um único aluno fora de um estabelecimento de ensino;

c) «Escola de matrícula» aquela em que o aluno se encontra matriculado;

d) «Portefólio do aluno» o registo do percurso curricular e pedagógico-didático do aluno, organizado com a documentação e a informação das evidências do trabalho e das aprendizagens por ele realizadas, apresentadas em suportes variados, tendo por referência o estabelecido no protocolo de colaboração;

e) «Professor-tutor» o docente designado como responsável pelo acompanhamento do aluno por parte da escola de matrícula;

f) «Protocolo de colaboração» o acordo estabelecido, mediante negociação prévia, entre o encarregado de educação e a direção da escola onde o aluno se encontra matriculado, no qual se consagram as responsabilidades das partes, designadamente no que diz respeito à organização do percurso educativo do aluno e à operacionalização do currículo no quadro do referencial educativo estabelecido no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória;

g) «Responsável educativo»:

i) No ensino doméstico, o familiar do aluno ou a pessoa que com ele habita e que junto do aluno desenvolve o currículo;

ii) No ensino individual, o professor indicado pelo encarregado de educação, de entre os que, junto do aluno, desenvolvem o currículo.

Artigo 5.º

Processo individual do aluno

1 - O percurso curricular do aluno é documentado de forma sistemática no processo individual a que se refere o artigo 11.º do Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro.

2 - O processo individual é atualizado ao longo da escolaridade obrigatória, de modo a proporcionar uma visão global do percurso educativo do aluno, facilitando o seu acompanhamento e permitindo, sempre que necessário, uma intervenção adequada.

3 - A atualização do processo individual é da responsabilidade da escola de matrícula, em colaboração com o encarregado de educação do aluno.

4 - O processo individual acompanha o aluno sempre que este mude de escola de matrícula, sendo a escola de...

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