Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho de 1982

Decreto-Lei n.º 231/82 de 17 de Junho 1. A profunda revisão da legislação reguladora do crédito agrícola mútuo vem, de há muito, a ser instantemente reclamada, seja pelas caixas de crédito agrícola mútuo, seja pelo próprio legislador, que, ao confrontar-se com a impossibilidade de integrar a actividade destas cooperativas em regime legal aplicável à generalidade das instituições de crédito, propõe que uma urgente revisão corrija os efeitos, tantas vezes verificados, da patente desactualização.

Assim, e por exemplo, já os artigos 34.º e 35.º do fundamental Decreto-Lei n.º 41403, de 27 de Novembro de 1957, Lei n.º 46/77, ou, mais recentemente, o artigo 3.º da Lei n.º 14/78, de 23 de Março, reafirmam a necessidade de revisão, a ordenam, marcam prazos para a sua efectivação, optando, entretanto e enquanto ela se não mostrar feita, pela manutenção das caixas agrícolas à margem das regras de funcionameto e dos objectivos da política económica e monetária que às demais instituições de crédito obrigam e convêm.

Estas intenções não tiveram até agora concretização, com a consequente continuação da vigência de um regime jurídico causador, porque desadaptado, de graves riscos e inconvenientes que devem de imediato ser atalhados.

Na verdade, se o quadro legal do crédito agrícola mútuo constante, fundamentalmente, da Lei n.º 215, de 30 de Junho de 1914, e diplomas complementares, já se não mostrava adequado a influenciar o progresso e o desenvolvimento da generalidade das caixas agrícolas, menos ainda constituía instrumento capaz de sustentar eficazmente a actividade do conjunto excepcional daquelas que, em homenagem, talvez intuitiva, à mais elementar lógica de desenvolvimento, preferiram forçar os limites de uma legislação anquilosante, a aceitar passivamente a estagnação a que ela asconduziria.

Por outro lado, a solução marginalizadora sistematicamente adaptada veio impedir o aproveitamento fecundo das enormes potencialidades e experiências das caixas agrícolas na prossecução de políticas de desenvolvimento, cuja componente creditícia lhes deveria ter sido largamente confiada como condição complementar do sucesso dessaspolíticas.

  1. Mas não só no que respeita à sua qualidade de instituições de crédito têm as caixas agrícolas sido marginalizadas: também o seu estatuto de cooperativas lhe foi sistematicamente recusado por essa mesma legislação, não obstante a entrada em vigor da Constituição da República e do Código Cooperativo.

    Na verdade, porque ao arrepio de princípios que o direito constituíra em lei, foi-se mostrando intolerável uma disciplina assente em rígidos e ultrapassados pressupostos tutelares, que extravasando em muito o aceitável plano da fiscalização da sua actividade de crédito, se projectava sobre a própria vida interna das cooperativas que a Constituição e as leis vedam à ingerência administrativa do Estado.

  2. A este estado de coisas e ainda à necessidade de regulamentar nesta matéria o Código Cooperativo, acorre o Governo com o presente diploma, de cujas soluções radicalmente renovadoras se espera uma melhoria rápida do quadro actual do crédito agrícolamútuo.

    Sem prejuízo dessa perspectiva renovadora, procurou-se, entretanto, manter entre a legislação anterior e a que ora se pública os laços possíveis de similitude formal, no aspecto sistemático e até de linguagem, de modo a reduzir ao mínimo as perturbações que, inevitavelmente, sempre causam as inovações, por mais ínfimas que sejam, em sistemas estratificados em rotinas de muitos anos.

    Essa mesma preocupação de se evitarem perturbações levou ainda à institucionalização de um regime provisório de acesso das caixas agrícolas ao sistema de financiamento da agricultura e pescas, entrado em vigor no dia 1 de Junho de 1981 e já em pleno funcionamento, o que permite testar o novo sistema de financiamento da actividade creditícia das caixas agrícolas pelo Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, que a partir de agora e no exercício das suas funções de coordenador do sistema de financiamento à agricultura e pescas substitui a Caixa Geral de Depósitos.

  3. Pormenorizando as soluções adoptadas, haverá que salientar, entre outras, as seguintes: a) Plena integração das caixas agrícolas no regime geral das instituições de crédito e das cooperativas, com a resultante consagração das mais rigorosas condições de autonomia de decisão, somente limitada pelo acatamento devido às normas necessárias à execução da política de crédito, definidas pelas entidades competentes, designadamente o Ministério das Finanças e do Plano e o Banco de Portugal, a este último ficando, naturalmente, deferida a função de fiscalização e acompanhamento da actividade creditícia das caixas agrícolas.

    Perde, assim, sentido a preocupação tendente ao tratamento minucioso da actividade e organização das caixas agrícolas, que deverão pautar-se pela legislação aplicável a cada caso. Matérias que na anterior legislação eram alvo de exaustivo tratamento caso, por exemplo, das regras de gestão e funcionamento interno das cooperativas ou da formalização e garantia das operações de crédito - passam agora a ser regidas por legislação própria das cooperativas ou das instituições de crédito, competindo ao Banco de Portugal, naturalmente, e às instâncias federativas do crédito agrícola mútuo o desenvolvimento das acções formativas necessárias ao geral conhecimento e domínio dessas regras pelos agentes e beneficiários; b) Substituição do actual regime de financiamento da actividade creditícia das caixas agrícolas pela Caixa Geral de Depósitos por outro integrado no sistema de financiamento à agricultura e pescas, a cargo do Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, sem que, anote-se, para este Instituto sejam transferidos os poderes de tutela que, nos termos da legislação anterior, eram completamente cometidos àquela instituição de crédito; esses poderes de tutela são, como é óbvio, extintos; c) Alargamento do conceito de operações de crédito agrícola às necessidades de desenvolvimento rural, de modo a abranger, não só as actividades imediatamente produtivas, mas também as que proporcionando o progresso das comunidades rurais, nos aspectos económico, social e humano, contribuem, afinal e poderosamente, para a melhoria das condições do exercício e resultado daquelas actividades.

    Desta solução resulta também o alargamento do leque de potenciais beneficiários das operações de crédito, o que vale dizer dos possíveis associados, a todas as pessoas singulares ou colectivas com actividades subsumíveis ao conceito acima descrito; d) Consagração e aperfeiçoamento das disposições contidas no Decreto-Lei n.º 69/81, de 7 de Abril, que agora se revoga, de forma a adequar à realidade a capacidade de endividamento das caixas agrícolas, sem prejuízo das necessárias garantias de solvabilidade e liquidez; e) Definição das caixas agrícolas de responsabilidade limitada como produto da transformação das caixas de responsabilidade ilimitada ou mista, em atenção a uma demonstrada solidez técnica e patrimonial, dedutível da sua situação líquida, e sua aproximação mais íntima do regime das instituições de crédito tradicionais; f) Aplicação às caixas agrícolas do plano de contas do sistema bancário, depois de devidamenteadaptado; g) Organização territorial do crédito agrícola mútuo, baseado no âmbito territorial (concelhio) das caixas agrícolas, susceptível, no entanto, de correcção através da fusão de caixas, delimitação da área das uniões regionais em função da das regiões agrárias e previsão de uma caixa central do crédito agrícola mútuo.

    Relativamente à Federação Nacional, e pela primeira vez em Portugal, importantes funções, normalmente desempenhadas por entidades públicas, são confiadas a uma federação, esperando-se que o seu correcto exercício venha a justificar o alargamento do respectivo âmbito.

    Quanto à caixa central, espera-se ter criado um adequado instrumento de gestão e coordenação de excessos de liquidez existentes no sistema de crédito agrícola mútuo, assim se provando a sua maior eficácia e autonomia.

  4. Prevendo-se a necessidade de ser dada resposta imediata e sistemática a dificuldades que possam entretanto surgir, fica criada uma comissão que, durante 2 anos, acompanhará a execução deste diploma, propondo ao Governo as medidas regulamentares que se mostrem oportunas, a ela devendo ser apresentados todos os problemas, críticas e sugestões.

    O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: Artigo 1.º É aprovado o Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola anexo ao presente diploma e do qual faz parte integrante.

    Art. 2.º - 1 - É criada um comissão que funcionará sob a presidência do Banco de Portugal e à qual competirá acompanhar regularmente, durante 2 anos, a aplicação deste diploma e propor ao Governo, pelo Ministério das Finanças e do Plano, os diplomas regulamentares e outros que se mostrem necessários.

    2 - A constituição da comissão a que se refere o número anterior será decidida por despacho do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano, sob proposta do Banco de Portugal.

    Art. 3.º - 1 - O disposto nos artigos 8.º e 9.º do anexo não prejudica as situações constituídas à data da publicação do presente diploma.

    2 - As acções pendentes nos tribunais de execuções fiscais para cobrança coerciva dos créditos das caixas de crédito agrícola mútuo à data da entrada em vigor do presente diploma seguirão nesses tribunais os seus termos até final.

    3 - O capital social mínimo previsto no n.º 2 do artigo 10.º do anexo deverá estar realizado até 1 ano a contar da data da publicação das instruções a que se refere o artigo 43.º do anexo.

    4 - O montante do fundo social das caixas de crédito agrícola verificado à data da adaptação dos estatutos de que trata o artigo 6.º deste decreto será transferido para capital social e reserva legal, nas...

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