Decreto n.º 19/2006, de 18 de Julho de 2006

Decreto n.o 19/2006

de 18 de Julho

As primeiras leis de protecçáo do património cultural nacional surgem pouco antes da República, designadamente através do Decreto de 30 de Dezembro de 1901, que aprova as bases para a classificaçáo dos monumentos nacionais e bens mobiliários. Logo após Outubro de 1910, um conjunto sucessivo de diplomas, nomeadamente o Decreto de 22 de Novembro de 1910 e o Decreto de 26 de Maio de 1911, vem dar corpo a uma política de protecçáo do património cultural, constituindo preocupaçáo maior a defesa da alienaçáo das obras de arte e de objectos arqueológicos para o estran-

geiro e o estímulo à importaçáo de obras que, «pelo seu incontestável valor artístico ou pela sua valia como documento histórico, concorram para a educaçáo e elevaçáo do povo português». Deste modo, desenvolvem-se os primeiros inventários gerais e concretizam-se as actuaçóes que estiveram na origem da formaçáo de boa parte dos museus do Estado.

A legislaçáo da década de 1930, designadamente o Decreto n.o 20 586, de 4 de Dezembro de 1931, e o Decreto-Lei n.o 26 611, de 19 de Maio de 1936, vem acentuar o conceito de património histórico e artístico nacional, aplicando-o a bens móveis de relevância histórica e artística e à necessidade de proceder a um inventário geral do património a defender, integrando os bens públicos e o «arrolamento» de bens de propriedade eclesiástica e privada. Na década de 1950, através do Decre-to-Lei n.o 38 906, de 10 de Setembro de 1952, e da Lei n.o 2065, de 25 de Junho de 1953, assiste-se a um acres-cido impulso de classificaçáo de bens de reconhecido valor histórico, arqueológico e artístico, com o intuito de impedir a sua alienaçáo para o estrangeiro, a par dos actos de inventariaçáo de bens importados como medida que procura ampliar o património nacional.

Nos inícios de 1960, é expressa a necessidade de protecçáo dos bens em acentuado estado de degradaçáo, bem como a necessidade de impedir a sua alteraçáo por intervençóes que coloquem em perigo a sua integridade. Mas é com a Lei n.o 13/85, de 6 de Julho, que sáo instituídos as formas e o regime de protecçáo dos bens culturais móveis entendidos como «bens de significado cultural que representem a expressáo ou o testemunho da criaçáo humana ou da evoluçáo da natureza ou da técnica», abarcando as classificaçóes os bens de produçáo nacional e de relevância internacional, situaçáo a que a Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, vem dar maior abrangência e sistematicidade.

O contexto da legislaçáo internacional, designadamente as convençóes e os tratados subscritos por Portugal relativamente à protecçáo do tráfico ilícito de bens culturais, configura um segundo plano de enquadramento à instituiçáo de novas formas de protecçáo dos bens culturais e à abrangência do conceito de bens culturais nacionais, aplicável também aos bens que revestem um valor universal de património da humanidade, competindo a cada Estado o dever da sua salvaguarda em território nacional e o dever de cooperaçáo com vista à sua protecçáo.

Assim, reflectindo os valores, os conceitos e as políticas de protecçáo, salvaguarda e valorizaçáo do património expressos na legislaçáo internacional adoptada à data da sua redacçáo, a Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, apresenta uma noçáo de «património cultural» náo restritiva aos bens culturais produzidos num único Estado, no caso Portugal, e na qual têm enquadramento «todos os bens que sendo testemunhos com valor de civilizaçáo ou cultura portadores de interesse cultural relevante devam ser objecto de especial protecçáo e valorizaçáo» (n.o 1 do artigo 2.o), independentemente do lugar ou do tempo da sua produçáo, nos termos da lei.

Deste modo: Considerando o quadro legislativo, nacional e inter-nacional, relativo ao património cultural de valor excepcional e universal;

Considerando o disposto na Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, e o trabalho actualmente em curso no âmbito da sua regulamentaçáo, designadamente no âmbito da classificaçáo e da inventariaçáo de bens culturais móveis;

Considerando a necessidade de acautelamento de especiais medidas sobre o património cultural móvel nacional, designadamente visando a sua protecçáo, salvaguarda e valorizaçáo, nos termos da Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, e da respectiva legislaçáo de desenvolvimento;

Considerando que o património cultural móvel nacional sob a tutela do Instituto Português de Museus beneficia globalmente da forma de protecçáo correspondente ao registo patrimonial de inventário, nos termos da alínea b) do n.o 2 do artigo 16.o da Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, e integra esse registo de acordo com o standard de documentaçáo definido e a sua correspondência em matéria de sistema de informaçáo, designadamente o programa matriz, nos termos do disposto nos artigos 19.o e 61.o, bem como no n.o 1 do artigo 22.o, da citada lei;

Considerando a proposta apresentada em 5 de Dezembro de 2003 pelo grupo de trabalho constituído no âmbito do Instituto Português de Museus com vista à «definiçáo dos bens culturais móveis dos museus tutelados pelo Instituto Português de Museus a classificar como bens de interesse nacional»;

Considerando a particular relevância do património cultural móvel nacional de museus integrados no Instituto Português de Museus designadamente no que respeita às solicitaçóes de que o mesmo é objecto em termos de representaçáo internacional e dos correspondentes contextos de circulaçáo;

Considerando o carácter dinâmico do património cultural móvel nacional dos museus integrados no Instituto Português de Museus decorrente de potenciais incorporaçóes de bens culturais nos respectivos acervos através de modalidades diversas, designadamente visando a constituiçáo de colecçóes de reconhecida relevância patrimonial nas esferas de acçáo disciplinares dominantes no museu, bem como da produçáo e actualizaçáo do conhecimento científico permanentemente desenvolvido sobre esses mesmos acervos;

Considerando a necessidade de instituiçáo de padróes de referência para procedimentos de classificaçóes de bens de interesse nacional, bem como de uma política de enquadramento de incorporaçóes nas principais colecçóes nacionais;

Considerando a política e as preocupaçóes do Governo Português em matéria de protecçáo, salvaguarda e valorizaçáo do património cultural móvel nacional:

Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Constituiçáo, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.o

Critérios de classificaçáo

Sáo considerados bens de interesse nacional, de entre o património cultural móvel nacional dos museus dependentes do Instituto Português de Museus:

  1. Os bens ou conjuntos de bens que se enquadram nos n.os 3 e 6 do artigo 2.o, em conjugaçáo com a aplicaçáo dos critérios genéricos de apreciaçáo definidos no artigo 17.o, da Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, e que sejam insubstituíveis, no sentido em que a sua perda ou degradaçáo constitua dano irreparável para o património cultural; b) Os bens ou conjuntos de bens de referência inter-nacional que, pelo valor patrimonial de excepçáo que revestem, em termos de testemunho de civilizaçáo ou cultura, e enquanto portadores de valor universal, sáo passíveis de integraçáo num regime ou sistema de formas de protecçáo de âmbito internacional; c) Os bens ou conjuntos de bens de autores estrangeiros que, pela sua exemplaridade ou raridade em território nacional, bem como pelo valor de referência patrimonial que detêm, enquanto testemunhos da cultura ocidental ou de outras culturas de todos os tempos, se imponha cometer ao Estado Português a obrigaçáo da sua protecçáo através de todos os instrumentos legais ao seu dispor; d) Os bens ou conjuntos de bens sobre os quais a produçáo de conhecimento - entendido como o estudo

4994 e a investigaçáo que os situe relativamente à sua proveniência e ao seu contexto cultural de produçáo, ao seu percurso histórico e artístico ou cultural e social até à incorporaçáo em contexto museológico, à sua relaçáo com outros bens e contextos de produçáo, bem como os identifique como obras síntese e exemplos do expoente de uma cultura ou expressáo e produçáo artística - se constitua como um marco que assegure a transmissáo de uma herança cultural visando o enriquecimento das sucessivas geraçóes, bem como a fruiçáo e a democratizaçáo da cultura; e) Os bens ou conjuntos de bens sobre os quais devam recair severas restriçóes de circulaçáo no território nacional e internacional, nos termos da Lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro, e da respectiva legislaçáo de desenvolvimento, devido ao facto de a sua exemplaridade única, raridade, valor testemunhal de cultura ou civilizaçáo, relevância patrimonial e qualidade artística no contexto de uma época e estado de conservaçáo, que tornem imprescindível a sua permanência em condiçóes ambientais e de segurança específicas e adequadas.

Artigo 2.o

Bens de interesse nacional

Sáo considerados bens de interesse nacional, de entre os bens culturais móveis sob tutela do Instituto Português de Museus, e nos termos definidos no artigo anterior, os constantes do anexo do presente decreto, do qual faz parte integrante.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Maio de 2006. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Maria Isabel da Silva Pires de Lima.

Assinado em 29 de Junho de 2006.

Publique-se.

O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA.

Referendado em 30 de Junho de 2006.

O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

ANEXO

Bens culturais móveis sob a tutela do Instituto Português de Museus classificados como bens de interesse nacional - Descriçáo dos bens

Artes plásticas/artes decorativas

Pintura

Alegoria às Artes Giovanni Battista Tiepolo Século XVIII (1729-1730)

MNAA: 1623

Alegoria à Constituiçáo de 1822 Domingos António de Sequeira Século XIX (1821)

MNAA: 497

Anunciaçáo Frei Carlos (Atr.)

Século XVI (1523)

MNAA: 677

Apariçáo de Cristo à Virgem Frei Carlos Século XVI (1529) MNAA: 2

Assunçáo da Virgem Vicente Gil Séculos XV-XVI (1491-1518) MNMC: 2520

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