Assento n.º 1/80, de 29 de Janeiro de 1980

Assento n.º 1/80 Processo n.º 68004. - Autos de recurso para tribunal pleno, em são recorrentes Maria Odete Martins Diogo e recorridos Jorge Passos da Silva Moreira e Joaquim António Ferreira Passos - Companhia de Seguros Douro.

Acordam, em sessão plenária, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Maria Odete Martins Diogo, já melhor identificada nos autos, recorreu, para tribunal pleno, do acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Novembro de 1978, proferido, conforme fotocópias de fls. 4 a 12, na revista n.º 67081, com fundamento em que, no domínio da mesma legislação, deu esse aresto solução oposta à que foi adoptada, relativamente à mesma questão fundamental de direito, pelo acórdão também deste Supremo Tribunal, de 25 de Janeiro de 1978, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 273, a pp. 260 e seguintes.

A secção, pelo seu acórdão de fls. 23 e 24, reconheceu a existência da oposição invocada e mandou, por isso, prosseguir o recurso, que foi depois oportuna e doutamente alegado pela recorrente e em profundidade analisado pelo ilustre representante do Ministério Público no seu não menos douto parecer de fls. 31 a 46.

Não está, porém, o tribunal pleno vinculado àquela preliminar decisão da secção, conforme o n.º 3.º do artigo 766.º do Código de Processo Civil, razão por que, corridos como foram já os vistos legais, se deverá agora reexaminá-la para em definitivo se decidir da verificação ou não dos requisitos ou pressupostos que condicionam o prosseguimento do recurso (artigo 763.º do mesmo diploma).

2 - E sem embargo das dúvidas que lhe foram postas pelo digno magistrado do Ministério Público no tocante ao da oposição entre os referidos julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, pensa-se que tal requisito se verifica.

Com efeito, no caso do acórdão recorrido, de 30 de Novembro de 1978, face ao embate de um automóvel ligeiro de passageiros com uma árvore que marginava a estrada, de que resultaram graves lesões para um dos ocupantes nele gratuitamente transportado (a recorrente), não se responsabilizaram os demandados por se entender que o caso recaía sob a alçada do n.º 2 do artigo 504.º do Código Civil, combinado com o n.º 1 do seu artigo 487.º, em virtude de se não haver apurado a culpa do condutor e se ter por inaplicável em matéria de acidentes de trânsito o preceito do n.º 2 do artigo 493.º do mesmo Código, enquanto no caso do acórdão invocado em oposição, de 25 de Janeiro de 1978, face a uma colisão entre um auto-ligeiro de carga e um ciclomotor, de que resultou, por efeito das lesões sofridas, a morte do tripulante deste, se responsabilizaram os demandados de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 506.º do mencionado diploma, em virtude de nenhum dos condutores ter demonstrado (o ciclomotorista falecido, através dos seus representantes nos autos) que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir o acidente, conforme o preceito do n.º 2 do citado artigo 493.º E sendo estas as decisões em confronto, por bem claro se tem que em ambas se encarou e que nelas explícita e diversamente se decidiu a mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se não tendo sido provada a culpa do ou dos condutores dos veículos intervenientes no acidente, esta se presume nos termos do n.º 2 do artigo 493.º, ou se antes terá lugar o regime de responsabilidade pelo risco fora dos casos em que, tratando-se de transporte gratuito, seja de ter em conta o estabelecido no n.º 2 do artigo 504.º, ambos do Código Civil.

É certo que, como objecta o douto magistrado do Magistério Público, e desde logo se assinalou no acórdão da secção, se não identificam perfeitamente, em toda a sua extensão, as duas já apontadas situações fácticas.

Porém, em qualquer delas - colisão com a intervenção de um só veículo e colisão entre dois veículos - é o mesmo ou idêntico o suporte factual com o qual se há-de ter como correcta ou desacertada a interpretação e aplicação da norma em causa.

Com efeito, são iguais ou idênticos os factos nucleares ou necessários à resolução do problema, e é isso o que importa por serem os não coincidentes puramente acessórios e por isso despiciendos.

Pois em ambas as situações se teve como verificada a existência de danos causados a outrem no exercício da condução automóvel sem que fosse possível o apuramento da culpa do respectivo condutor ou condutores, o que nos parece bastante para que numa e noutra pudesse surgir, como surgiu, com soluções opostas, a mencionada questão.

Este Supremo já, aliás, se pronunciou no sentido de que o artigo 763.º do Código de Processo Civil não exige, para legitimar o recurso para o tribunal pleno, que os casos sejam iguais, mas apenas que nas respectivas decisões se resolva de forma oposta a mesma questão de direito, isto é, que as bases jurídicas das decisões sejam fundamentalmente as mesmas, como no caso acontece (ver, entre outros, o Acórdão de 15 de Julho de 1960, in Boletim, n.º 99, a p. 576).

Na realidade, e a ter em conta a referida base factual comum, decidiu-se no acórdão recorrido que 'no caso de acidente de viação o transportador apenas responde, nos termos gerais, pelos danos que culposamente causar a quem transporte gratuitamente (artigo 504.º, n.º 2, do Código Civil), recaindo, assim, em princípio, sobre o lesado - que não pode prevalecer-se da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 493.º do mesmo Código - o ónus de provar a culpa do autor da lesão, conforme o artigo 487.º, n.º 1, daquele Código', enquanto no acórdão dito em oposição, ao contrário, se entendeu 'ser a presunção do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil aplicável à responsabilidade civil resultante de danos causados por veículos em circulação', o que deu motivo a que os demandados no processo em recurso fossem absolvidos e o que por certo não aconteceria se nele se tivesse seguido a orientação que anteriormente se sustentou no outro.

Em resumo, e face à questão que o citado n.º 2 do artigo 493.º suscita, de ser ou não aplicável a presunção de culpa que aí se...

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