Anúncio n.º 50/2001(2ªSérie), de 24 de Abril de 2001

Anúncio n.º 50/2001 (2.' série). - Torna-se pública, dando cumprimento ao despacho n.º 7138/2001 (2.' série), do Primeiro-Ministro, publicado no Diário da República, n.º 82, de 6 de Abril de 2001, a decisão do Provedor de Justiça de 19 de Março de 2001, que nos termos do n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001, de 9 de Março, fixa os critérios para cálculo das indemnizações aos lesados pelo óbito das vítimas da derrocada da ponte sobre o rio Douro em Entre-os-Rios e Castelo de Paiva.

12 de Abril de 2001. - O Secretário-Geral, Alexandre Figueiredo.

Critérios apresentados pelo Provedor de Justiça para indemnização dos danos causados pela derrocada da ponte de Entre-os-Rios.

I 1 - O n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001, de 9 de Março, estabelece o seguinte: 'Acolher a disponibilidade manifestada pelo Provedor de Justiça para colaborar no processo de reparação, solicitando-lhe a fixação dos critérios a utilizar no cálculo das indemnizações a pagar pelo Estado aos herdeiros das vítimas, de acordo com o princípio da equidade.' Venho apresentar ao Governo, fundamentando-os, os critérios solicitados.

2 - Da leitura que fiz da mencionada resolução, retiro que se pretende, fundamentalmente, o estabelecimento de regras aptas ao cálculo das indemnizações cuja responsabilidade o Estado chamou a si relativamente aos familiares das vítimas. Não se cura, portanto, de apurar, neste procedimento, possíveis pretensões indemnizatórias por danos invocáveis por outros que não as vítimas e os seus familiares.

3 - Também não se me afigurou que fosse pretendido tratar o Provedor de Justiça de certos possíveis danos muito específicos, como os de natureza patrimonial decorrentes da perda de veículos propriedade de vítimas, ou, até, de perda de bens pessoais que estas transportassem consigo na altura do acidente. Este tipo de danos exige prova individualizada, que seria impossível neste momento, tratando-se, aliás, de matéria onde existem de sobejo critérios legais que poderão ser directamente aplicados pela comissão instituída pelo n.º 5 da supramencionada resolução do Conselho de Ministros.

Do mesmo modo, não julguei necessário estimar outras despesas ressarcíveis, como sejam as de socorro das vítimas e as dos respectivos funerais, neste caso por se me afigurar que o Estado ou outras entidades públicas terão assegurado o respectivo custeio.

As demais despesas directamente relacionadas com o evento, e que sejam objecto de prova também não carecem de critérios especiais, razão pela qual omito aqui o seu tratamento.

4 - Uma outra linha de tracejamento da intervenção do Provedor de Justiça sobressai da leitura daquela resolução do Conselho de Ministros: a de que a fixação dos critérios de indemnização se fará de acordo com o princípio da equidade.

5 - Tive presente, assim, ser exigência ética ponderar na minha decisão as particulares e muito dolorosas circunstâncias em que ocorreu a tragédia ocorrida na noite de 4 de Março.

Estamos perante uma situação com contornos sem precedentes, por múltiplas razões: pelas condições horríveis em que teve lugar, pelo elevado número de vítimas causado, pelos problemas, também sociais, que os óbitos provocaram, pelo prolongado processo das operações de recuperação dos corpos das vítimas (infelizmente frustrado em grande parte, como se sabe até ao momento).

E tudo isto ocorreu - não posso deixar de o relevar - sob uma intensa e persistente focagem mediática a que ficaram submetidos também os familiares das vítimas desse modo agravando a sua angústia e sofrimento.

6 - A este conjunto de razões junta-se outra, à qual o Provedor de Justiça igualmente deve ser sensível: o sentimento geral do País e, particularmente, o dos familiares das vítimas - foi de verdadeira e muito viva indignação face ao que presume ter sido incúria do Estado na fiscalização da ponte de Entre-os-Rios.

Só o sereno e rigoroso apuramento das causas e dos responsáveis da tragédia nos dirá por que aconteceu esta. Certo é, porém, que o Estado, ao chamar a si a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações - ainda que sem invocar o preciso título jurídico dessa assumpção de responsabilidades e sem deixar de se posicionar como credor do direito de regresso face a eventuais terceiros responsáveis - há-de estar consciente de que se lhe impõe uma reparação ajustada. E tanto mais ajustada quanto se terá presente, como acertadamente já se escreveu, que 'o reforço da indemnização levará os autores dos danos a tentar preveni-los' (ver nota 1).

Por isso, a equidade exigirá, também sob esta perspectiva, uma ponderação que responda à confiança dos cidadãos na justiça (sempre falível) da fixação dos montantes do ressarcimento dos danos.

7 - Enfim, o Provedor de Justiça teve ainda presente que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2001 estabeleceu - e bem - um 'procedimento extrajudicial célere e alternativo' às vias judiciais, naturalmente mais morosas e custosas para os lesados. Esse procedimento deve, portanto, ser facilitador para estes e os seus resultados concretos potencialmente tão equilibrados que dispensem a petição de justiça através das instâncias próprias.

8 - A decisão do Provedor de Justiça visa, nos termos da conformação legislativa vigente em sede de danos indemnizáveis, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do Código Civil, doravante referenciado com a sigla 'CC'). Sendo essa operação impossível, designadamente pela natureza dos danos, há que calcular um sucedâneo pecuniário que, de algum modo, se aproxime da sua medida (artigo 566.º, n.º 1, do CC), devendo considerar-se não só 'o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão' (artigo 564.º, n.º 1, do CC).

A decisão do Provedor de Justiça tem de obedecer também ao comando do artigo 496.º, n.º 1, do CC, que manda indemnizar os 'danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito'.

9 - O cotejo destas disposições legais leva a concluir, assim, que a indemnização deverá comportar o ressarcimento de três espécies diversas de danos, a saber: a) Os danos não patrimoniais da vítima, compreendendo a morte e o sofrimento que a antecedeu; b) Os danos não patrimoniais dos familiares da vítima, aos quais se refere o artigo 496.º, n.º 2, do CC; c) Os danos patrimoniais sofridos por terceiros pela morte da vítima.

10 - Tendo presente o circunstancialismo especial a que acima aludi, procederei, pois, à fixação dos critérios aplicáveis a cada uma desta espécie de danos, para o efeito do que me socorri da experiência anterior do Provedor de Justiça, bem como dos ensinamentos recolhíveis da nossa jurisprudência.

II 11 - Começarei por recordar os três casos em que o Provedor de Justiça teve já ocasião de propor ao Governo o pagamento de indemnizações concretamente determinadas, de acordo com critérios perfilhados como justos.

Refiro-me aos casos seguintes: a) Da morte de cidadão em posto da GNR, com posterior decapitação e ocultação do cadáver; b) Da morte de cidadão emigrante em acidente durante colaboração graciosa com a representação consular portuguesa; c) Da morte de guarda florestal no exercício das suas funções.

12 - No primeiro caso, o Provedor de Justiça instou o Governo a indemnizar sem demora a viúva e o filho da vítima, recomendação que foi aceite, tendo o Conselho de Ministros solicitado ao Provedor a fixação do valor a pagar, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/96, de 29 de Maio.

Nos dois casos restantes, foi do próprio Governo que partiu a iniciativa de solicitar o auxílio do Provedor de Justiça na fixação do valor indemnizatório [Resoluções do Conselho de Ministros n.os 19/98 (2.' série), de 12 de Fevereiro, e 27/97 (2.' série), de 30 de Maio], tendo este sido posteriormente aceite em ambos.

13 - O critério utilizado na fixação desses montantes, seguido de modo uniforme nestes três casos, consistiu em: a) Atribuir uma quantia fixa, de 5 milhões de escudos, pelo dano morte, em obediência ao princípio da idêntica dignidade de toda e qualquer vida humana, irrelevantes que são as circunstâncias pessoais face ao valor em presença (ver nota2); b) Não considerar hipotéticos danos próprios não patrimoniais da vítima, por se não provar a consciência do evento; c) Especificar, de acordo com a lei, que a devolução da quantia alcançada na alínea a) operaria pela via sucessória; d) Atender, em matéria de averiguação de elementos de facto, para efeitos do cálculo da indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais, próprios das pessoas elencadas no artigo 496.º, n.º 2, do CC - aliás na sua primeira classe, por sobreviverem sempre cônjuge e filho(s) -, aos seguintes factores: Perda do rendimento auferido pela vítima; Idade da vítima; Idade dos descendentes aos quais fossem devidos alimentos; Existência de relacionamento social correspondente aos laços familiares com avítima; Alguma outra especialidade que manifestamente exigisse tratamento diferenciado; e) Fixar os danos não patrimoniais próprios do cônjuge e de cada filho em três milhões de escudos; f) Fixar os danos patrimoniais dos lesados, considerando que a obrigação de alimentos perduraria, no caso dos filhos, até à respectiva maioridade e, no caso dos cônjuges, até à idade de reforma/aposentação, segundo o país de residência da vítima; g) Estabelecer, para indemnização desses danos, o pagamento, por uma só vez, de um capital que, por si mesmo e pelos frutos produzidos, permitisse a fruição de rendimento semelhante ao...

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