Acórdão nº 99/21.6GCVFR-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-23

Data de Julgamento23 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão99/21.6GCVFR-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo 99/21.6GCVFR-B.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – J2


Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
I.1. AA veio interpor recurso da decisão proferida em 17.06.2022 pela Mma. Juíza de instrução criminal que lhe indeferiu o incidente de reconhecimento de idoneidade por extemporâneo.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem parcialmente)
“(…)
D) Ora, a questão que se coloca ao Sereno Arbítrio de V. Exas. é se o despacho judicial de concordância com a suspensão provisória do processo, ainda que proferido em sede de decisão instrutória, é ou não recorrível? Ou seja, estamos ou não perante ato decisório?
E) Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que estamos perante um ato decisório, logo suscetível de recurso;
F) A questão deve ser colocada nos seguintes moldes: o artigo 399.° do CPP dispõe que "É permitido recorrer dos acórdãos, sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei";
G) E, por sua vez, o artigo 97.° do CPP, nos n.°s 1 e 2, define os conceitos de acórdão, sentença e despacho, considerando-os como formas de atos decisórios;
H) Logo, resulta da conjugação destes dois artigos que só é admissível recurso de atos decisórios, pelo que tudo se resume a saber se a "concordância do juiz" é um ato decisório, um despacho, e, como tal, suscetível de recurso;
I) E, não interessa se o ato de concordância ou discordância do juiz é um ato decisório final, o que interessa saber é se é um ato decisório, pois da conjugação do artigo 399.° do CPP com o artigo 97.° do CPP resulta que é admissível o recurso de atos decisórios interlocutórios. E materialmente o ato de concordância ou discordância do juiz é um ato decisório. Por se tratar de um ato decisório, é um ato recorrível nos termos dos artigos 399.° e 400.° a contrario sensu do CPP.;
(…)
K) Na verdade, a concordância do juiz de instrução não é apenas um pressuposto material da suspensão provisória do processo;
L) Pois que, a posição do juiz não é equiparável à do arguido, nem à do assistente, nem à do Ministério Público. pois que, o juiz, não assume a posição de participante no acordo, mas a de garante da verificação dos pressupostos e da legalidade do conteúdo do acordo;
M) A intervenção do juiz de instrução na suspensão provisória do processo é uma intervenção fiscalizadora dos pressupostos da suspensão e da legalidade e adequação da medida a aplicar;
N) Por outro lado, a decisão judicial de concordância proferida pôs termo ao processo, pelo que, nos termos do art.° 97, n.° 1, al. b) do CPP, constitui ato decisório, a sentença ou o despacho que ponha termo ao processo, e, por isso, susceptível de recurso, ao ser inevitavelmente abrangido pelo artigo 399.° do CPP, pois, só seria irrecorrível se tal irrecorribilidade estivesse prevista na lei;
O) Recorribilidade que, salvo sempre o devido respeito, não se confunde com a legitimidade ou interesse em agir para recorrer;
P) Pois que, ainda que o Arguido não tivesse interesse em agir, como refere o douto despacho recorrido, a Assistente, não obstante, ter dado o seu consentimento à suspensão provisória do processo, poderia, não concordando com as injunções aplicadas, as quais não "negociou" individualmente, interpor o respetivo recurso;
Q) Decisão de concordância do juiz com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo que, salvo sempre o devido respeito, também, não se confunde ou funde, com a decisão instrutória, antes sendo desta autonomizável e dissociável;
R) Isto porque, a decisão de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo resulta de uma imposição legal - o preenchimento de todos os requisitos previstos na lei, cuja intervenção é fiscalizadora dos pressupostos da suspensão e da legalidade e adequação das medidas a aplicar, e, cuja declaração de verificação deve ser fundamentada e deve poder ser reapreciada em sede de recurso;
S) Ao passo que, a instrução como muito bem refere o Tribunal "a quo" "visa, segundo o que nos diz o art. 286°/1 do Código de Processo Penal, "a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento"; E, a decisão instrutória de pronúncia, constitui uma unidade jurídica composta da descrição factual e da qualificação dos factos descritos;
T) Assim, tratando-se de decisões perfeitamente autónomas e independentes, podendo ser proferidas uma sem a outra, não se configurando a questão subjacente ao indeferimento do requerimento de reconhecimento de idoneidade, como refere o Tribunal "a quo", à (ir)recorribilidade da decisão instrutória de pronuncia com suspensão provisória do processo, mas sim da recorribilidade do despacho judicial de concordância com a suspensão provisória do processo;
U) O qual foi proferido em 08.03.2022, e, transitou, assim, em julgado, no dia 08.04.2022, data a partir da qual disponha o Arguido do prazo de 30 dias para peticionar o reconhecimento da idoneidade, nos termos do artigo 108°, n.°5 da Lei n.° 5/2006, ou seja, até 17.05.2022 (férias judicias entre 10 e 18 de Abril), e, tendo dado entrada da petição do presente incidente em 16.05.2022, foi a mesmo instaurada atempadamente;
V) Concluindo, a decisão recorrida viola, claramente, o disposto nos artigos 97°, n.° 1, al. b) e 399° ambos do C.P.P., e bem assim o artigo 205.°, n.° 1 da Constituição, inconstitucionalidade que se invoca.”
Pugna pela admissibilidade do incidente de reconhecimento de idoneidade por tempestivo.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O MºPº na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência, concluindo:
“1. Nos termos do disposto pelo art. 108.º, n.º 5 da Lei n.º 5/2006, de 23/02, estando em causa a decisão da suspensão provisória do processo, decisão essa irrecorrível (A.U.J. n.º 16/2019 e, em todo o caso, sem que o arguido concordante tivesse interesse em agir), o prazo de 30 dias para peticionar o reconhecimento judicial da idoneidade começa a contar a partir da data dessa decisão.
2. No caso dos autos, essa decisão foi proferida no dia 08/03/2022, o recorrente tomou conhecimento ainda nesse dia da notificação ao Director Nacional da PSP para cumprimento do disposto pelo art. 108.º, als. c) e e) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, mas só veio a peticionar esse reconhecimento a 16/05/2022, mais de 30 dias depois da decisão. Pelo que este requerimento, como decidido, é extemporâneo.”
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I.4. Parecer do Ministério Público
No sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta do arguido/recorrente
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não endo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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1.6.Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
No caso dos autos, não há quaisquer vícios ou questões de conhecimento oficioso que importa conhecer por nenhuma dessas situações ocorrerem no caso sub judice.
A questão suscitada pelo recorrente é a de saber se é tempestivo o seu requerimento de reconhecimento de idoneidade.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Veio o arguido AA, ao abrigo do disposto no art. 14° da Lei 5/2006, de 23/02 (doravante Lei das Armas), na sequência da notificação da decisão da Comandante do Comando Distrital da PSP ... comunicando a possibilidade de cassação da sua licença de uso e porte de arma nos termos das als. c) e e) do n.° 1 do art. 108° daquela lei, instaurar incidente de reconhecimento de idoneidade, peticionando lhe seja reconhecida idoneidade para ser titular da licença de uso e porte de armas.
Pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da extemporaneidade de tal requerimento porquanto quando da instauração do incidente encontrava-se esgotado o prazo de 30 dias contados da data da suspensão provisória do processo decretada, como previsto no art. 108°/5 da Lei das Armas.
Conferido contraditório ao arguido, pelo mesmo foi defendido que o referido prazo deve contar-se da data a partir da qual não pode já ser interposto recurso da decisão de suspensão provisória do processo, só aí havendo o trânsito em julgado a que alude o art. 108°/5 da Lei das Armas, pelo que estava ainda em prazo quando interpôs o presente incidente; invoca em abono da sua tese o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ 16/2009, de 18/11.
Dado conhecimento ao Ministério Público desta posição, foi mantido o anterior parecer, manifestando desta feita total discordância quanto à interpretação dada ao citado acórdão de uniformização de jurisprudência.
Cumpre decidir.
A questão que se coloca, antes de mais, é a de aferir da tempestividade do incidente de reconhecimento de idoneidade, pressuposto formal do conhecimento do mérito de tal pretensão.
Para tanto, como decorre da argumentação em presença, do Ministério Públicoe do arguido, a divergência verifica-se quanto ao momento em que deve considerar-se transitada em julgado a decisão de aplicação da suspensão
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