Acórdão nº 9849/14.6T8LSB-E.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 20-09-2022

Data de Julgamento20 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão9849/14.6T8LSB-E.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório


MR e IP, foram declarados insolventes por sentença de 20/11/2014, na qual foi nomeado como administrador de insolvência, o Sr. Dr. JCC.

Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.

Foram apreendidos e liquidados bens.

Foram reclamados créditos. Foi proferido em 19/06/2021 despacho saneador no apenso de reclamação de créditos, tendo sido julgados verificados créditos não impugnados no montante global de € 673.533,53 e sido decidido obstarem à graduação créditos reclamados e impugnados no valor global de € 118.665,26 (incluindo um crédito parcialmente reconhecido e não impugnado que não foi incluído nos créditos julgados verificados). Não foi proferida sentença final.

Após relegada a respetiva apreciação para o momento em que findasse a liquidação do ativo, foi, por despacho de 10/02/2022, liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos devedores.

Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença de 07/03/2022, transitada em julgado.

Por decisão de 01/06/2022, o tribunal fixou a remuneração variável devida ao Sr. Administrador da Insolvência nos seguintes termos:
Tendo em conta que toda a atividade relevante do Sr. Administrador da Insolvência para efeitos de determinação da remuneração variável decorreu antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, em vigor desde 11 de Abril de 2022, as mesmas não são aplicáveis no que concerne à fixação da remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência (art.12ºCC), a qual compete ao juiz. O que se declara. Acresce notar, não existe por parte do Sr. Administrador da Insolvência nenhuma expectativa digna de tutela na fixação da remuneração variável por critério diverso do que decorria da lei em vigor aquando do exercício das suas funções com relevância para a determinação da mesma (liquidação).
***

Isto posto, importa fixar a remuneração variável do Administrador da Insolvência, nos termos do disposto no art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (sem as alterações decorrente da Lei n.º9/2022) e Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
Foi apurado o valor total de receitas de €433.708,21.
A este valor são deduzidas as dívidas da massa insolvente, que no caso concreto ascendem ao montante total de €4.172,00, correspondente às custas prováveis do processo de insolvência e às despesas da massa insolvente e do Administrador da Insolvência (com exclusão da remuneração fixa, face ao teor do art.º 23º, n.º 4, da Lei n.º 22/2013 e da remuneração variável, que apenas neste momento processual se fixa).
O resultado da liquidação é de €429.536,21.
A remuneração é apurada por aplicação da taxa marginal de 3,39% (escalão até € 250.000,00) e da taxa base 2,00% (correspondente ao excedente), conforme a Tabela do Anexo I à Portaria n.º 51/2005, uma vez que o resultado da liquidação é superior a €250.000,00 mas inferior a €500.000,00 (cfr. nota explicativa à mencionada Tabela).
A remuneração é, assim, de €12.065,72.
Passando ao cálculo da majoração prevista no n.º 5, do citado artigo 23º, verificamos que a percentagem de satisfação dos créditos é de 63,77% (créditos verificados no valor total de €673.533,53/resultado da liquidação). Assim, a majoração a aplicar é de 1,40, o que equivale ao montante de €4.826,29.
Assim, fixa-se a remuneração variável do Administrador da Insolvência em €16.892,01, montante a suportar pela massa insolvente.
*
Notifique, sendo o Sr. Administrador da Insolvência para se fazer pagar da quantia ora fixada e para juntar aos autos (apenso de prestação de contas) recibos/faturas das quantias auferidas, incluindo da provisão e da remuneração fixa, caso ainda não o tenha feito.
Para tal fixa-se o prazo de 5 dias.”

Inconformado apelou o Sr. Administrador da Insolvência pedindo a revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que aplique as novas regras de cálculo constantes do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial e determine o pagamento da remuneração ao Apelante nos termos por si requeridos, e formulando as seguintes conclusões:
A)–No dia 11 de Janeiro de 2022 foi publicada na 1.ª Série do Diário da República a Lei n.º 9/2022, a qual, entre outras e nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 1.º, introduziu alterações ao Estatuto do Administrador Judicial.
B)–Para o que releva o presente recurso, aquela Lei introduziu alterações à redacção do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, onde se prevê alteração à forma de cálculo da remuneração variável dos Administradores Judiciais, quando os mesmos tenham sido nomeados pelo Juiz, como foi o caso nos presentes autos.
C)–Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, sob a epígrafe de “Regime transitório”, previu-se que aquela Lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, não tendo sido ressalvada nenhuma excepção que esteja relacionada com a situação do presente recurso.
D)–As alterações ao artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial entraram em vigor em 11.04.2022.
E)–Em 09.05.2022, ou seja, quase depois de 1 mês após a entrada em vigor da referida Lei, o AI apresentou nos autos um requerimento requerendo o pagamento da sua remuneração variável, indicando a forma de cálculo da mesma com base nas novas regras previstas no artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, introduzidas pela Lei n.º 9/2022.
F)–O Apelante não poderia ter apresentado tal requerimento em data muito anterior àquela, dado que estava a aguardar que o Tribunal emitisse a conta de custas, o que só sucedeu em 06.09.2022.
G)–Ao considerar que, uma vez que a “actividade relevante do Sr. Administrador de Insolvência para efeitos da determinação da remuneração variável decorreu antes das alterações introduzidas pela Lei n.º9/2022, em vigor desde 11 de Abril de 2022, as mesmas não são aplicáveis no que concerne à fixação da remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência.” o Tribunal a quo ignorou o disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, que dispõe que aquela Lei, e as alterações aí previstas, são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, sendo que, daquele normativo não resulta qualquer quadro de excepção para a situação em apreço.
H)–Como resulta do requerimento apresentado pelo Apelante em 09.05.2022, o qual espelha as regras de cálculo da remuneração variável previstas no artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial em vigor a essa data, a remuneração do AI seria de €41.871,23 e não de €16.892,01, conforme fixado pelo Tribunal a quo.
I)–A justificação dada pelo Tribunal a quo de que, “não existe por parte do Sr. Administrador da Insolvência nenhuma expectativa digna de tutela na fixação da remuneração variável por critério diverso do que decorria da lei em vigor aquando do exercício das suas funções com relevância para a determinação da mesma (liquidação)”, é completamente desprovida de sentido, pois à data da apresentação do requerimento do Apelante já estavam em vigor as novas regras de cálculo da remuneração variável.
J)–Acresce que, o recurso ora em apreço não tem como propósito serem “tuteladas as expectativas” do Apelante quanto à sua remuneração, mas sim, única e exclusivamente que o Tribunal a quo cumpra a lei e dê provimento ao requerimento apresentado pelo AI em 09.05.2022, no qual o mesmo peticiona o pagamento da sua remuneração variável de acordo com os cálculos efectuados em conformidade com o novo quadro legal.
K)–A interpretação que o Tribunal a quo faz ao artigo 12.º do Código Civil para justificar a sua decisão é errónea pois, apesar de o desenvolvimento dos actos de liquidação do activo efectuados pelo Apelante terem tido lugar, maioritariamente, no domínio da “lei antiga”, tal não significa que não se possa aplicar ao caso dos autos a “lei nova”.
L)–Nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil, dispõe-se que a lei só dispõe para o futuro, o que significa que a lei nova se aplica a quaisquer factos para o futuro e não apenas a factos futuros.
M)–Certo é que, na data da apresentação do requerimento do Apelante – 09.05.2022 – já estavam em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022 ao artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial e, sendo essa Lei de aplicação imediata aos processos pendentes após a sua entrada em vigor, tal significa que a mesma tem logo aplicação para o futuro, ou seja, “após a sua entrada em vigor”, como bem determina o artigo 12.º do CC.
N)–Assim, o que há que considerar não é o momento em que ocorrerem a maior parte dos actos de liquidação, mas se, no momento em que o Apelante efectua o pedido da remuneração variável já de acordo com as novas regras, se encontra preenchido o pressuposto do qual a lei nova faz depender a constituição desse direito.
O)–A decisão do Tribunal a quopadece de erro de julgamento, tendo aquele Tribunal interpretando erroneamente o disposto no artigo 12.º do Código Civil e aplicado uma disposição legal que já não estava em vigor à data da prolação do despacho, fazendo ainda tábua rasa do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, devendo, por isso, ser esse despacho substituído por outro que aplique as novas regras de cálculo constantes do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial e determine o pagamento da remuneração ao Apelante nos termos por si requeridos.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de 14/07/2022 (ref.ª 417581302).

Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar.
*

2.–Objeto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código
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