Acórdão nº 98/13.1TXEVR-I.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-06-2023

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão98/13.1TXEVR-I.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora






Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção do Tribunal da Relação de Évora:


I.
No P.º 98/13.1TXEVR-I, do Tribunal de Execução das Penas de Évora, foi proferida decisão, em 16/3/2023, que indeferiu o cancelamento provisório do registo criminal, para o fim de requerer a obtenção da nacionalidade portuguesa, requerido pelo arguido AA.
Dessa decisão veio o requerente/arguido interpor recurso, pedindo a revogação de tal decisão e a sua substituição por outra que defira o requerimento de cancelamento provisório do seu registo criminal para efeitos de obtenção de nacionalidade portuguesa, formulando as seguintes conclusões:
A) Nos termos do artigo 12º em conjugação com o consagrado nos nº 5 e 6 do artigo 10º da Lei 37/2015, é admissível, verificando-se os pressupostos constantes no artigo 12º, o cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal requerido por pessoas singulares para além das finalidades ali previstas, também, como consagra a lei, para “…qualquer outra finalidade…”.
B) A Lei 37/2015, não prevê qualquer circunstância liminarmente impeditiva, do requerimento de cancelamento provisório de decisões que devam constar do registo criminal.
C) Nem a Lei da Nacionalidade consagra qualquer impedimento, não veda, nem restringe ou limita o pedido de cancelamento provisório do registo criminal.
D) Sendo a aquisição da nacionalidade portuguesa uma finalidade legalmente admissível, não tem suporte legal restringir a possibilidade de aceder ao processo de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, que é um fim legalmente permitido para efeitos do consagrado no artigo 229 nº 1 do CEPMPL.
Portanto,
E) Neste processo – Cancelamento Provisório do Registo Criminal -, cabia ao Tribunal a quo verificar se estão reunidos os requisitos prevenidos no artigo 12º da Lei 37/2015 de 5 de maio, no sentido de poder determinar o requerido cancelamento provisório.
F) E esses requisitos consagrados no aludido artigo 12º da Lei 37/2015 são os seguintes:
Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
O interessado se tiver comportado de forma a que seja razoável supor encontrar-se readaptado;
O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal, ou provado a impossibilidade do seu cumprimento;
G) O despacho recorrido suportou-se numa interpretação restritiva e muito sui generis daquele artigo 12º.
H) O cancelamento provisório do registo criminal não é, ao contrário do que o Tribunal a quo pretende fazer crer, um procedimento vise ou possibilite “…ocultar factos concretos, juridicamente relevantes…”!!!
I) Este processo de cancelamento provisório do registo criminal tem em vista reabilitar um cidadão que foi condenado pela prática de um crime.
J) E dentro do quadro do nosso Estado de Direito, este procedimento, satisfeitos os requisitos prevenidos no referido artigo 12º, tem em vista devolver ao cidadão a dignidade pessoal e dá-lhe a possibilidade de plena reintegração pessoal e social.
K) Outra coisa é, saber se o recorrente reúne, ou não, os requisitos para que lhe seja atribuída a nacionalidade portuguesa.
L) Essa, é matéria que caberá à autoridade administrativa apreciar e não ao Tribunal a quo.
M) A Constituição no seu artigo 30º nº 4, proíbe que qualquer pena envolva a perda de direitos civis, profissionais ou políticos
N) A reabilitação judicial do recorrente mediante o cancelamento provisório do registo criminal é, para além de um direito, uma aspiração legitima do requerente.
O) A decisão recorrida violou os artigos 9º do Código Civil, artigo 30 nº 4 da Constituição, artigo 229 nº 1 do CEPMPL, e artigo 12º da Lei 37/2015.”

O Ministério Público respondeu a tal recurso, propugnando seja negado provimento ao mesmo, concluindo nessa resposta:
1 - AA requereu o cancelamento provisório das decisões condenatórias averbadas no seu CRC, com vista, para além do mais, à obtenção da nacionalidade portuguesa.
2 – O cancelamento provisório do registo criminal só pode ser obtido nos casos previstos no artigo 10 º n ºs 5 e 6 da Lei n º 37/2015, sempre tendo em vista o exercício de actividades profissionais e não tendo em vista a aquisição de direitos.
3 – A possibilidade de cancelamento provisório prevista no artigo 12 º da mesma Lei, não é possível no caso em que a finalidade pretendida é a de iniciar um processo de obtenção de nacionalidade, uma vez que o fim pretendido não se prende com o exercício de qualquer actividade de carácter profissional ou obtenção de emprego, mas antes com a tentativa de aquisição do direito à nacionalidade portuguesa.
4 – Consequentemente, bem andou a M.ma Juíza “a quo” ao indeferir liminarmente o solicitado cancelamento provisório do registo criminal, sendo que no despacho recorrido foi feita uma correcta interpretação e aplicação da lei.”

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, sendo apresentada resposta pelo recorrente em que reitera a motivação de recurso apresentada bem como as respectivas conclusões.

I.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se existe fundamento legal para o indeferimento pelo Juiz de Execução das Penas do pedido de cancelamento provisório do registo criminal efectuado pelo arguido com a finalidade de requerer a obtenção da nacionalidade portuguesa.

Elementos relevantes para a decisão
A 10.03.2023 AA requereu o cancelamento provisório do registo criminal das condenações que sofreu no Processo comum n.º 1246/11.1GBLLE do Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé no qual foi condenado pela prática de um crime de trafico de estupefacientes p.p. pelo art. 21 n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, e um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 32 n.º 1 e 2 do DL 2/98 de 03/01 na pena de sete anos de prisão, e que foi declarada extinta por cumprimento em 06/10/2020;
Tal pedido tinha a tríplice finalidade de candidatura a emprego, requerer a sua autorização de residência e requerer a atribuição da nacionalidade portuguesa.

A decisão recorrida, liminarmente proferida, tem o seguinte teor, na parte que releva para o recurso interposto:
Quanto ao cancelamento provisório do registo criminal para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa, sem necessidade de outras diligências cumpre também desde já referir que, conforme resulta do disposto no art.º 12 da Lei n.º 37/2015 de 5/5 (Lei da identificação criminal), sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009 de 17/9 [lei que regula o acesso a funções que envolvam o contacto regular com menores], estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10 da mesma legislação, o Tribunal de Execução das Penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões constantes dos Certificados do Registo Criminal requeridos desde que, cumulativamente, já tenham sido extintas as penas
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