Acórdão nº 967/19.5TELSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-10-12

Data de Julgamento12 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão967/19.5TELSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

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I–RELATÓRIO


1.–Por sentença de 27 de Janeiro de 2022, foi proferida a seguinte decisão:
Absolvo o arguido, LF____, da prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo artigo 176°, nº 1, alínea c) e 177°, nº 7, ambos do Código Penal, por cuja prática vinha o mesmo acusado.
2.–Inconformado, veio o MºPº interpor recurso, alegando, em súmula, ter havido errada apreciação probatória. Pede a modificação da matéria de facto dada como assente e não assente e, consequentemente, entende mostrarem-se preenchidos os requisitos de preenchimento do crime pelo qual o arguido vinha acusado.
Termina pedindo:
a)-Se dê como provados os factos narrados nos pontos A a D dos factos que o Tribunal a quo deu como não provados;
b)-Se condene o arguido LF____ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea c) e 177.º, n.º 7, do Código Penal, do Código de Processo Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, assim se realizando de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

3.–O recurso foi admitido.

4.–O arguido não respondeu à motivação.

5.–Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se em sentido idêntico ao do seu digno Colega da 1ª instância.

II–QUESTÕES A DECIDIR.

Da errada apreciação probatória, do errado enquadramento jurídico e da absolvição do arguido.

III–FUNDAMENTAÇÃO.
1.–A sentença alvo de recurso deu como assentes os seguintes factos:
1.–O arguido, LF____, no dia 30 de Outubro de 2018, pelas 22:29:07 (UTC), quando se encontrava na Rua ..... ..... nº..., ....-... - A____C____, acedeu ao seu perfil da rede social Facebook ‘www.facebook.com/...../LF_____-/1........1, ao qual se encontrava associado o endereço de correio eletrónico LF _____.....@gmail.com e o contacto telefónico 96........
2.–Nessas circunstâncias de tempo e de lugar o arguido efectuou o upload de um ficheiro em formato vídeo, que retrata uma cena de sexo, onde se visualizam também actos de masturbação e sexo oral, entre um individuo do sexo feminino e um individuo do sexo masculino, ambos de idade não concretamente apurada.
3.–Após, partilhou o referido ficheiro, através do seu perfil na rede social Facebook, com A____, utilizador do perfil, na mesma rede social, www.facebook.com/..... -....-.
4.–O arguido importou e partilhou, através da internet e utilizando a rede social Facebook, um ficheiro vídeo contendo um individuo do sexo masculino a praticar actos sexuais, designadamente actos sexuais de coito oral com um individuo do sexo feminino.
5.–O arguido tem antecedentes criminais registados, conforme CRC actualizado de fls. 121 a 129, dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo sido julgado e condenado pela prática de crimes de condução sem a legal habilitação e de crimes contra a genuinidade de géneros alimentícios.
6.–O teor do Relatório Social elaborado pela DGRSP, relativo ao arguido, de fls. 130 a 132, dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde resultam como conclusões:
”LF____, é oriundo de uma família de baixa condição social, numerosa e desestruturada, o progenitor é referenciado como alcoólico, o processo de socialização do arguido foi vivenciado com experiências frequentes de episódios de violência doméstica.
O percurso escolar do arguido caracteriza-se por acentuada volubilidade, não conseguiu lograr de mais que o 4º ano de escolaridade, reprovando sucessivamente até ao abandono escolar aos 15 anos.
Iniciou o percurso profissional, ainda jovem (com 16 anos de idade), apresentando hábitos de trabalho, nos sectores da atividade secundária.
Por sua vez, a trajetória de relações afetivas, demonstra-se, concomitantemente também muito instável, possivelmente, fruto do anteriormente exposto. Aos 19 anos foi pai pela primeira vez, tem três filhos de mães diferentes, não foi possível apurar, de forma fidedigna a envolvência do arguido na educação destas crianças e na promoção do seu sustento e bem-estar.
O arguido aparenta beneficiar presentemente, de um enquadramento sociofamiliar com alguma estabilidade, a união de facto remonta desde 2019, aguarda o casal o nascimento de mais uma criança, a relação é verbalizada, por ambos dotada de coesão e afetividade, referem ser apoiantes entre si.
No que diz respeito ao processo sub-judice o arguido apresenta uma postura de atribuição externa de causalidade às circunstâncias do presente processo. Não apresentou em entrevista, capacidade de discernimento e de autoavaliação das suas ações, sem que para isso lhe seja forçosamente imposto, denotando-se uma débil capacidade de avaliação comportamental, uma deficiente consciencialização do certo e do errado, que se nos afigura como um fator de risco e reincidência, não obstante globalmente, consideramos estarem reunidas condições para, em caso de condenação, o arguido, poder vir a beneficiar de uma medida de execução na comunidade.”.
7.–O arguido é solteiro; reside com a sua companheira que trabalha; tem 3 filhos que residem com as respectivas mães e a quem presta, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €150 para cada.
8.–O arguido é empregado de mesa e cozinha de profissão auferindo, em média e mensalmente, a quantia de cerca de €800.
9.–O arguido tem, como habilitações literárias, o 5º ano.

2.–Deu como não provada a seguinte factualidade:
A)–Que, no circunstancialismo descrito em 2., da matéria de facto provada, os actos sexuais que se visualizam fossem praticados entre uma rapariga, presumivelmente adolescente, e um menor, com idade compreendida entre os 7 e 13 anos de idade.
B)–Que, no circunstancialismo descrito em 4., da matéria de facto provada, o ficheiro vídeo aí referido contivesse uma criança do sexo masculino a praticar actos sexuais, designadamente actos sexuais de coito oral com uma mulher.
C)–Que o arguido, ao actuar conforme descrito na matéria de facto provada, ao importar e ao partilhar o ficheiro, aí referido, bem sabia que o ficheiro continha cenas de pornografia infantil, em que participava uma criança com idade compreendida entre 7 a 13 anos de idade.
D)–Que o arguido, no circunstancialismo descrito na matéria de facto provada, tenha actuado de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.

3.–E pronunciou-se nos seguintes termos, no que respeita à fundamentação da sua convicção:
A decisão sobre a matéria de facto formou-a, este tribunal, com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, sendo que a convicção do tribunal, relativamente aos factos que considerou provados e não provados, teve por base a prova documental relevante dos autos, que se mostrou, manifestamente, insuficiente, na inexistência de declarações por parte do arguido, não resultando corroborado, na íntegra, o teor da acusação pública.
Na verdade, o arguido em exercício de direito que lhe assiste, não prestou quaisquer declarações sobre os factos, apenas quanto á sua situação pessoal, pelo que nada, de relevante, esclareceu.
Assim, é certo, assumiu especial relevância a prova documental, mormente, o Relatório, de fls. 2 a 11; a informação, de fls. 20; o documento constante do suporte digital e respectivo auto de visionamento, de fls. 26 e o Relatório de análise de investigação, a fls. 51 a 61, dos autos, que permitiu dar como provados os factos supra, porquanto a referida prova documental os corrobora de forma bastante e credível.
Porém, não foi suficiente para que se pudesse concluir por elemento fundamental do tipo de ilícito criminal imputado ao arguido, elemento objectivo, a saber, a idade dos intervenientes no acto sexual patente no ficheiro importado e partilhado pelo arguido.
Efectivamente, não tendo o arguido prestado quaisquer declarações, sem que tenha sido produzido outro meio de prova presencial dos factos, sendo que os documentos constantes, dos autos, não são prova do referido facto pelo que, na inexistência de prova de facto relevante e essencial, quanto ao crime dos autos, não logrou provar-se, porquanto não resultam, dos autos, meios de prova bastantes e credíveis para que se possa dar como provado o facto objectivo relevante integrador do crime dos autos.
Atendendo, assim, à total ausência de prova produzida no sentido da prova do referido facto alegado pela acusação dos autos, mais não resta que o dar como não provado.
Para dar como provados os antecedentes criminais registados do arguido foi considerado o certificado do registo criminal, actualizado, de fls. 121 a 129, dos autos.
Foi, finalmente, considerado o Relatório Social elaborado pela DGRSP, relativo ao arguido, de fls. 130 a 132, dos autos.

4.–O recorrente apresenta as seguintes conclusões:
i.-A sentença proferida pelo Tribunal a quo considerou provado o seguinte facto: 2.-Nessas circunstâncias de tempo e de lugar o arguido efectuou o upload de um ficheiro em formato vídeo, que retrata uma cena de sexo, onde se visualizam também actos de masturbação e sexo oral, entre um individuo do sexo feminino e um individuo do sexo masculino, ambos de idade não concretamente apurada. ii.-E considerou não provados os seguintes factos:
A)–Que, no circunstancialismo descrito em 2., da matéria de facto provada, os actos sexuais que se visualizam fossem praticados entre uma rapariga, presumivelmente adolescente, e um menor, com idade compreendida entre os 7 e 13 anos de idade.
B)–Que, no circunstancialismo descrito em 4., da matéria de facto provada, o ficheiro vídeo aí referido contivesse uma criança do sexo masculino
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