Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 966/21.7YLPRT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-08)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



I–Relatório:



A [Hortênsia .....], B [Maria .....] e C [Nuno .....] intentaram, em 22.7.2021, junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), procedimento especial de despejo contra D [Daniela .....], com vista ao despejo do 4° andar da Rua ... ..., nº ..., em L_____, com fundamento na cessação do contrato por oposição à renovação pelo senhorio.

A Ré deduziu oposição, invocando, em síntese, que o contrato de arrendamento inicial foi celebrado em 1940 com sua avó, na qualidade de inquilina, e que, face ao respetivo óbito, se transmitiu a sua mãe. Diz que em 2002, tendo sua mãe falecido, foi celebrado o contrato dos autos, pelo prazo de 5 anos, com início em 1.11.2002, renovável por períodos de um ano, salvo denúncia pelo senhorio por notificação judicial avulsa e com a antecedência de um ano. A partir de 31.10.2006, por força da entrada em vigor do NRAU, as renovações passaram a ocorrer por períodos de dois anos, sendo a última prevista para 31.11.2022. Refere que não foi devidamente notificada pelo senhorio da oposição à renovação, razão pela qual esta não operou e o contrato se renovou em 1.11.2020 até 31.10.2022. Conclui pela improcedência do procedimento e, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, requer o diferimento da desocupação do locado pelo período legal de 5 meses, invocando razões sociais imperiosas, uma vez que vive sozinha, tem 60 anos de idade, aufere o RSI e não tem outra habitação.

Remetidos os autos à distribuição junto do Tribunal competente, em 12.11.2021 fixou-se o valor da causa em € 3.600,00 e proferiu-se despacho saneador que conferiu a validade formal da instância. Entendendo-se, por sua vez, que o estado dos autos já o permitia, sem necessidade de mais provas, proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos:“(…)

Julga-se procedente este procedimento especial de despejo e determina-se a desocupação do locado.
julga-se improcedente o incidente e indefere-se o requerido diferimento da desocupação do locado.
Custas do procedimento especial de despejo pela requerida.
Custas do incidente pela requerida, requerente do incidente, que se fixam no mínimo de 0,5 UC, cf. artigo 527.º, do Código do Processo Civil, artigo 7.º, n.° 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa (Outros incidentes).”

Desta decisão interpôs recurso a Ré, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:

1.–O presente recurso versa sobre a decisão de primeira instância que determinou a cessação do contrato de arrendamento e proferiu decisão judicial para desocupação e entrega do locado.
2.–O enfoque da questão está na validade da presumida oposição à renovação do contrato de arrendamento.

O caso pode sumariar-se assim:

3.–Os Recorridos enviaram carta datada de 3/06/2019, com aviso de receção, para a Recorrente alegando que:
3.1.-O contrato havia sido celebrado por 5 anos;
3.2.-Desde 1 de outubro de 2007 se tem vindo a renovar por períodos anuais;
3.3.-De acordo com o artigo 1097º, nº 1, al. a) do CC o prazo para oposição à renovação é de 240 dias;
3.4.-A 1 de outubro de 2020 o contrato se considera por terminado e que deverá ser entregue, naquela data, livre de pessoas e bens.
4.–Com o devido respeito, crê-se que os Recorridos não têm razão.
5.–Em primeiro lugar, deveria ter ocorrido, aquando da morte da primitiva arrendatária, uma transmissão por morte da posição de arrendatária para a Recorrente.
6.–Os Recorridos, aproveitando-se da situação, impuseram a celebração de um novo contrato de arrendamento à Recorrente.
7.–Com a celebração deste novo contrato de arrendamento, verificou-se outro erro, curiosamente, no prazo pelo qual o contrato seria celebrado.
8.–Os Recorridos entenderam que, tendo o contrato como prazo de celebração 5 anos, com início a 1/11/2002, o seu término cairia no dia 1/10/2007.
9.–Tal não é verdade, na medida em que os 5 anos terminariam a 31/10/2007 e não a 1/10/2007.
10.–Os Recorridos quiseram opor-se à renovação do contrato em 2019.
11.–Para tal, a 3/06/2019 enviaram carta registada com aviso de receção para a Recorrente, comunicando a sua intenção, e dando como terminado o contrato a 1/10/2020.
12.–Ora, segundo a cláusula 4 do contrato de arrendamento, a oposição à renovação apenas poderia ser comunicada através de notificação judicial avulsa, pelo que não bastou o envio de carta registada com aviso de receção.
13.–Mais, as tentativas de notificação foram todas frustradas, pelo que, de facto, os Recorridos tomaram conhecimento de que a Recorrente não foi devidamente notificada da oposição à renovação do contrato.
14.–Além disso, o prazo de antecedência previsto para a comunicação da intenção de oposição à renovação era de 1 ano, conforme cláusula 4 do contrato.
15.–Como tal a oposição à renovação não operou, pelo que se encontra em vigor a renovação do contrato de arrendamento que, ao contrário do que alegam os Recorridos passou a ser de 2 em 2 anos desde 31/10/2007 (prazo pelo qual foi o contrato em apreço celebrado), e que termina a 31/10/2023.
16.–A todo o exposto se acrescenta a situação emergencial em que a Recorrente vive: sozinha, com uma idade avançada, problemas de saúde e auferindo baixíssimos rendimentos, in casu, o RSI, pelo que seria de esperar, pelo menos, o diferimento da desocupação do locado.
17.–Por último, mas não menos importante, atente-se à situação pandémica que o país atravessa nos dias que correm.
18.–Fruto das adversidades provocadas pela pandemia, está prevista a suspensão dos atos de execução de entrega judicial de casa de morada de família e do local arrendado quando o arrendatário possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação ou por razão social imperiosa.
19.–Neste sentido, deverá o douto Tribunal decretar a suspensão da entrega judicial da casa de morada de família, uma vez que a Recorrente não possui outro local para viver e se encontra numa clara situação de fragilidade, desde logo pelos rendimentos que aufere (ou pela falta deles), mas também pela sua idade já avançada e pelos problemas de saúde que possui.
20.–No mesmo sentido dispõem os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27/04/2021 e de 20/09/2021 que entenderam que, tratando-se de casa de morada de família, é de se aplicar o artigo 6.°-E da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, e a sua entrega está suspensa enquanto decorrer a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
21.–Com genuína crença se conclui que o objeto do recurso merece a apreciação prevista no artigo 15º-Q do NRAU e nos artigos 627.°, n.° 2 e 629.°, n.° 1 e n.° 3, alínea a) do Código de Processo Civil.”
Pede a revogação da sentença recorrida e, sendo mantido o despejo, a sua sustação em virtude da pandemia ou o seu diferimento atenta a situação de emergência social da Ré.

Em contra-alegações, concluem os apelados pela manutenção do decidido.

O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***

II–Fundamentos de Facto:

A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:

1)-A fls. 2 encontra-se “contrato de arrendamento de duração limitada renda livre”, de 25.11.2002, relativo ao 4.° andar da Rua ... ..., n.º ..., ...-L_____.
2)-O contrato de arrendamento é de duração limitada e no regime de renda livre, nos termos do artigo 98, n.ºs 1 e 2, do RAU. O arrendamento é feito pelo prazo efetivo de 5 anos, que se inicia em 1.1.2002 e termina em 1.10.2007. No fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos anuais enquanto não for denunciado por qualquer das partes.
3)-A fls. 16 encontra-se certidão negativa de 17.5.2019 no âmbito de notificação judicial avulsa requerida pelos requerentes contra a requerida.
4)-A fls. 21-22 encontra-se certidão negativa de 5.7.2019 no âmbito de notificação judicial avulsa requerida pelos requerentes contra a requerida.
5)-A fls. 27-28 encontra-se cópia de carta assinada pela representante dos requerentes, dirigida à requerida, remetida para a morada do locado, através de carta registada com aviso de receção, contendo a o endereço completo da parte que a subscreve, cf. fls. 29-30.
6)-A carta comunica à requerida a oposição à renovação do contrato de arrendamento e que "na data de 1 de Outubro de 2020 o contrato de arrendamento por tempo determinado dá-se por terminado e deverá a arrendatária entregar o locado livre de pessoas e bens.", cf. fls. 27-28.
7)-A requerida assinou o registo de receção de fls. 29, em 8.8.2019, relativo à carta de fls. 27-28.
*
III–Fundamentos de Direito:

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com as conclusões da recorrente acima transcritas, em causa está apreciar:
- da renovação do contrato de arrendamento e da invalidade da oposição deduzida pelos senhorios à sua renovação;
- do diferimento da desocupação e da suspensão da entrega do locado.
A)–Da renovação do contrato de arrendamento e da invalidade da oposição deduzida pelos senhorios à sua renovação:
A apelante começa por invocar que o arrendamento relativo ao andar em apreço deveria ter-se para si transmitido por óbito da anterior arrendatária, sua mãe, e que os AA. lhe impuseram então a celebração de um novo contrato de arrendamento. Tal matéria, como assinalam os apelados, é totalmente irrelevante para a apreciação da causa, tanto mais que não é verdadeiramente contrariada a validade desse contrato de arrendamento outorgado em 2002.
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