Acórdão nº 95/17.8PBMAI-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-06-2023

Data de Julgamento14 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão95/17.8PBMAI-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 95/17.8PBMAI-A.P1
Conferência de 14-06-2023.

Relator: Raul Cordeiro.
Adjuntas: Carla Oliveira e Paula Cristina Jorge Pires.


Sumário:
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I

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de Processo Comum Singular n.º 95/17.8PBMAI, do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 2, em que é arguido AA, foi proferido despacho, em 27-01-2023, pelo qual, na sequência de pedido de informação do TEP, se considerou haver lugar à realização de cúmulo jurídico superveniente de penas e ser aquele o processo competente para o efeito, com oportuna designação de data para a respectiva audiência (ref.ª 444141753).
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Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, tendo apresentado a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.°
Esteve mal o Tribunal a quo ao considerar que a pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos está em concurso superveniente de crimes com a pena a que o arguido foi condenado no Processo n.° 414/16.6PBMAI.
2.°
Ao invés, consideramos que a pena do Processo n.° 414/16.6PBMAI, que é resultado de factos praticados em 7 de Junho de 2016, está, em abstracto, em concurso com a pena a que o arguido foi condenado no Processo n.° 248/15.3PBMAI, cuja condenação transitou em 5 de Dezembro de 2016 (independentemente da natureza distinta das duas penas em questão e da mesma ter sido ou não declarada extinta).
3.º
A pena que o arguido foi condenado nos presentes autos é resultado de uma condenação por factos praticados em 10 de Fevereiro de 2017, ou seja, já num “segundo ciclo de crimes”.
4.°
O Tribunal a quo ao “ficcionar” um “apagão” no C.R.C. do arguido do trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 248/15.3PBMAI, apenas em virtude da natureza diversa da pena ou pelo facto de a mesma se encontrar extinta, conduz a uma situação de “cúmulo por arrastamento”, o que não é pretendido pelo legislador.

Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser proferido douto acórdão que revogue o despacho sindicado, por deficiente interpretação e aplicação dos artigos 77.° e 78.°, n.º 1, ambos do Código Penal, e substitua por outro que reconheça que a pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos não se encontra em concurso superveniente de crimes com a pena a que o arguido foi condenado no Processo n.º 414/16.6PBMAI, mas, ao invés, numa situação de cumprimento sucessivo de penas assim se fazendo inteira JUSTIÇA.” (ref.ª 34880539).
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Admitido regularmente o recurso por despacho e tendo para tal sido notificado o arguido AA, o mesmo não apresentou resposta (ref.ª 445892802).
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Remetidos os autos a este Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, sustentando, em síntese, que, em virtude da diferente natureza das penas, não poderia haver lugar à realização de cúmulo jurídico entre as aplicadas nos Processos n.ºs 248/15.3PBMAI e 414/16.6PBMAI, estando, por isso, em concurso a pena aplicada neste último e nos presentes autos, pelo que deverá ser mantido o despacho recorrido e julgado improcedente o recurso (ref.ª 16854666).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com decisão em conferência.
II
As conclusões formuladas, resultado da motivação apresentada, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Não se descortinando questões de conhecimento oficioso, passa a apreciar-se os argumentos apresentados, para o que importa ter presente o despacho recorrido, o qual é do seguinte teor:
“Em face do ofício remetido pelo TEP, considera o Ilustre Procurador da República não ser este juízo competente para realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido.
S.m.o, afigura-se-nos que padece em erro ao considerar tal realidade.
Senão vejamos.
Nos termos conjugados do disposto nos artigos 77.°, n.° 1, e 78.°, n.° 1, ambos do Código Penal, se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, será condenado numa pena única.
Seguindo o ensinamento do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/05/2014 (Processo n.º 158/07.8JAAVR-C.0 1, relatado por Vasques Osório, disponível em www.dgsi.pt): “1. Há lugar a cúmulo jurídico de penas e à aplicação de uma pena unitária no caso de conhecimento superveniente do concurso, quando o agente praticou dois ou mais crimes antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e a situação só vem a ser conhecida depois do trânsito em julgado da primeira condenação. 2. O momento a atender para efeitos da verificação da existência de concurso de crimes que imponha a aplicação, nos termos das normas citadas, de uma pena única, é portanto, o do trânsito em julgado da primeira condenação. E assim: - Se todos os crimes foram praticados antes do trânsito da condenação por qualquer deles, encontram-se todos numa relação de concurso a ser objecto do mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única; - Se alguns dos crimes foram cometidos antes do trânsito da condenação por qualquer deles, e outros foram cometidos depois desse trânsito, há que distinguir: a) os primeiros juntamente com o crime objecto da primeira condenação transitada integrarão o mesmo cúmulo jurídico, a sancionar com uma pena única; b) os segundos portanto, os cometidos a partir da primeira condenação transitada, integrarão outro cúmulo [ou outros cúmulos] a sancionar com outra pena única, verificados que sejam os mesmos pressupostos, ou manter-se-ão autónomos, no caso contrário; c) nas situações referidas em a) e b), as penas únicas mantêm-se autónomas e são cumpridas sucessivamente”.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 9/2016, de 9 de Junho de 2016, fixou jurisprudência no mesmo sentido determinando que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.

Quer isto dizer que o 1.° marco relevante é o que corresponde ao primeiro trânsito em julgado, isto é, o ocorrido em 21.12.2017, no âmbito do processo n.º 414/16.4PBMAI, uma vez que a pena de multa aplicada no âmbito do P. n.º 248/15.3PBMAI foi já declarada extinta pelo cumprimento e, inexistindo qualquer outra pena de multa a cumular, o processo em apreço tem que ser desconsiderado para efeitos do primeiro trânsito em julgado, sob pena de estarmos a praticar actos inúteis.
Assim, e uma vez que os factos em causa nos presentes autos foram praticados em 10.02.2017, todos os que tiverem sido praticados antes daquele trânsito em julgado estão numa relação de concurso a ser objecto do mesmo cúmulo.
Ademais, e tendo igualmente sido declarada extinta a pena de prisão suspensa na sua execução no âmbito do Processo n.º 1582/17.3T9VLG, também a mesma, ainda que estivesse em concurso jurídico aplicado com a pena destes autos, não será igualmente tida em consideração, atenta a abundante jurisprudência que nos escusamos de reproduzir acerca da circunstância de as penas suspensas na sua execução já declaradas extintas não poderem ser incluídas nas decisões de cúmulo jurídico.
Como assim, constata-se que a pena aplicada no âmbito do Processo n.º 414/16.4PBMAI está numa situação de concurso superveniente com a pena aplicada nos presentes autos, que se impõe cumular.
Do Tribunal competente
Dispõe o artigo 471.° do Código de Processo Penal que o tribunal territorialmente competente para apreciação do concurso corresponderá ao tribunal da última condenação, sendo que a formação singular ou colectiva dependerá dos casos, aplicando-se ainda a alínea b) do n.º 2 do art. 14.° do mesmo diploma legal.
O n.º 1 estipula a competência material para o conhecimento superveniente do concurso que cabe ao tribunal colectivo ou singular consoante os critérios estabelecidos no art. 14.° do Código de Processo Penal, sendo o tribunal colectivo competente quando a soma das penas aplicadas aos crimes em concurso seja superior a cinco anos.
Atendendo às penas parcelares aplicadas em cada um dos processos em referência e ao disposto no n.° 1, do
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