Acórdão nº 946/20.0T8CSC.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão946/20.0T8CSC.L1-8
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO
1.1. J intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra TELEVISÃO…., S.A.”, …., SGPS, S.A., A e C, pedindo a sua condenação a «pagar ao Autor, a quantia de 150.000,00€ a titulo de danos morais e ainda o valor que a título de danos patrimoniais se vier a apurar até à liquidação da sentença, que deverá ser, publicitada, em lugar de destaque, na estação televisiva … em horário nobre e nos exatos termos da reportagem por esta exibida a 12.02.2020, e novamente exibida na …., no dia 14 de Março pelas 22.30 horas e novamente no dia 15 de Março pelas 8.30 minutos».
Pretendia efectivar a responsabilidade civil extracontratual das RR. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram com a transmissão, nas estações televisivas … e …, ambas detidas pela ….SGPS, S.A.,, de uma reportagem/debate, intitulada de “Burlas por Gestor do Banco”, da autoria da jornalista C e com a coordenação da jornalista A, lesiva dos seus direitos de personalidade.
1.2. As 1.ª, 3.ª e 4.ª RR. contestaram conjuntamente, impugnando parte da factualidade alegada pelo A. e defendendo, em suma, a inexistência de qualquer facto ilícito praticado ou dano que mereça a tutela invocada e o ressarcimento peticionado, atendendo à realidade do que foi retratado na reportagem referida, à sua relevância jornalística, ao interesse público na sua divulgação, ao cumprimento das regras jornalísticas e ao comportamento público do A., tendo as RR. agido no âmbito do exercício da liberdade de expressão, prevista no art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa, sem exceder os limites que têm vindo a ser definidos para o exercício de tal liberdade.
1.3. A 2.ª R. também contestou, arguindo a excepção dilatória da sua ilegitimidade passiva (por o seu objecto social se circunscrever à gestão de participações sociais noutras sociedades, sem que tenha qualquer intervenção ou ingerência nos conteúdos jornalísticos) e impugnando toda a matéria de facto alegada, por desconhecimento, defendendo que, no caso dos autos, se está perante o concreto e legítimo exercício dos direitos à liberdade de imprensa e de expressão, em que se incluem os direitos e o dever de informar e o direito a ser informado.
1.4. O A. pronunciou-se, por escrito, sobre a alegada excepção dilatória, propugnando pela sua improcedência, por, em suma, a 1.ª R. exercer e controlar a actividade de comunicação social, nomeadamente da ….
1.5. Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da 1.ª R., tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações.
1.6. O A. apresentou, entretanto, articulado superveniente, através do qual alegou factos supervenientes relativos a alterações na sua situação profissional, imputáveis à reportagem em causa, com consequentes diminuição de rendimentos e aumento de despesas, bem como ao arquivamento de um processo crime contra si instaurado, demonstrativo da sua inocência, articulado esse que foi admitido, tendo as 1.ª, 3.ª e 4.ª RR. respondido, impugnando parcialmente os factos alegados e concluindo como na contestação.
1.7. Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
«julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente acção, e consequentemente:
V.1-Condeno as Rés “.... TELEVISÃO, S.A”, ….SGPS, SA, A, e C solidariamente a pagar ao A. J a quantia de €100.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
V.2.Condeno as 1.ª e 2.ª RR. após trânsito, a publicar a presente sentença, em lugar de destaque, na estação televisiva ..., em horário nobre nos termos do Artigo 34.º da Lei de Imprensa.
V.3.Absolvo as RR. do demais peticionado.
*
Custas cargo do Autor e das Rés na proporção do decaimento, nos termos do art.º 527º, n.º 1 e 2, do C.P.C.».
1.8. Inconformadas apelaram, conjuntamente, as quatro RR., pedindo que tal sentença seja revogada e substituída por decisão que declare a improcedência da acção, formulando para tanto as seguintes conclusões:
«A) As Recorrentes não podem de forma alguma conformar-se com a douta sentença sob recurso e entendem que a mesma julgou incorretamente a matéria de facto, fazendo uma errada interpretação da lei e da ponderação do conflito de direitos existente entre os direitos alegados pelo autor e o dos Rés jornalistas aqui Recorrentes, que resultou numa condenação injusta, na atribuição ao autor de quantia indemnizatória ilegal, absurda e desproporcional e numa decisão de publicação da sentença ilegal e fundada em legislação inaplicável ao caso.
B) A douta sentença faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 8.º, 16.º, 18.º, 26.º, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, do art.º19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do art.º 19.º do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e do art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
C) Revela uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 335.º, 483.º, 484.º , 487.º, 494.º e 496.º do Código Civil, e faz também uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 34.º, n.º 1 e 4, da Lei n.º 2/99, de 13/01(Lei de Imprensa), e bem assim do disposto nos art.ºs 1.º, 71.º, n.º 4 e 91.º, da Lei 27/2007 de 30/07 (Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido)
D) Não pode deixar de se dizer que os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo andou muito mal na apreciação da matéria de facto, tendo aderido acriticamente a uma versão vertida na petição inicial, cuja transcrição é evidente, longa e excessiva, que não tem suporte probatório e desafia os mais elementares raciocínios de lógica e da razão.
E) A fundamentação e motivação da matéria de facto, apesar de extensa e meramente descritiva, é incapaz de efetuar qualquer valoração efetiva e critica dos depoimentos e da prova, sendo absolutamente insuficiente para se perceber que depoimentos e documentos foram valorados e porquê.
F) De acordo com os meios de prova disponíveis, mas também fruto da acrítica cópia da Petição Inicial, é possível concluir que, pelo menos, os factos identificados sobre os n.ºs 64, 67, 73, 80, 81, 83, 84 da douta decisão devem ser corrigidos, quando não eliminados, já que não se encontram minimamente suportados pelo conjunto da prova junta ao processo, não decorrem de qualquer confissão ou contém ínsitas conclusões que não decorrem e/ou contrariam a prova produzida nos autos.
G) E notório pela transcrição da reportagem no facto provado 50, que a jornalista afirmou expressamente que: “(…) foi notícia o caso da acompanhante de Luxo que acusava um bancário de …. a tinha enganado… a relação terminara em 2016… com o bancário a exigir o apartamento de volta…a acompanhante chegou a processar J por burla…J contestou … depois da notícia as partes chegaram a acordo… com processo arquivado em Abril de 2018(…)”.
H) O facto provado 64 ser retirado da matéria de fato dada como provada, pois não corresponde à prova constante dos autos e é contraditório com facto provado 50, ou, pelo menos ser corrigido e passar a ser afirmativo, com a seguinte redação: foi mencionado na reportagem a extinção do processo crime, onde era queixosa a referida “acompanhante de Luxo” de nome E.
I) Da prova constante dos autos e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não podem resultar provados os factos n.º 67 e 73, uma vez que a prova produzida em audiência é manifestamente contrária sobre tais factos, não permitindo a sua fixação, que para mais são conclusivos e contraditórios com outros factos provados.
J) não só os dois identificados factos provados repetem essencialmente a mesma factualidade, o que necessariamente sempre imporia a sua correção, como as declarações da Ré C são suficientes para desmistificar a ideia de que o autor não foi contactado e que não teve oportunidade de expor a sua versão
K) Porque é essencialmente isso que a Mma. Juíza a quo pretende erradamente extrair destes dois repetidos factos provados
L) As declarações da Ré C, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital da sessão de julgamento de 11/10/2022, com a referência 20221011103118, dos 2 minutos e 55 segundos, até aos 8 minutos e 20 segundo, impõem decisão diversa sobre esses factos
M) As declarações prestadas de forma credível, espontânea e serena, conclui-se que a jornalista tentou ouvir a versão do autor, entendeu que a melhor forma de o fazer era dirigir à assessoria de imprensa do banco um pedido para o seu contacto, que foi especificamente rejeitado, ficando a jornalista com a sensação de que não existia a vontade de esclarecer a questão.
N) Não existindo qualquer motivo ou prova que contrarie a sua versão dos factos e sendo para mais evidente – cfr. factos provado 37 e 37 – que enviou ao Banco um pedido de esclarecimentos que incluía especificamente o pedido de contato do Autor, que também especificamente rejeitou prestar esclarecimentos, assim sendo clara que pretendeu ouvir a sua versão e lhe concedeu oportunidade para isso.
O) Devem por isso ser completamente eliminados da matéria de facto provada os aludidos factos n.º 67 e 73, até por, para mais, comportam em si mesmos a visão jurídica que a Mma. Juíza tinha reservado para os presentes autos e que também já é patente das sucessivas e orientadas interrupções do depoimento da jornalista e que se podem verificar na audição do trecho supra salientado.
P) Da mesma forma, os factos 80 e 81, em que o Mma. Juiz a quo fixa que a jornalista poderia ter informado a mandatária do autor e que esta alegou que tinha prova documental da sua inocência, não têm sustentação na prova e, para mais são em grande medida conclusivos.
Q) as
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