Acórdão nº 94/21.5IDSTB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 25-05-2023

Data de Julgamento25 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão94/21.5IDSTB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
I
RELATÓRIO
1
Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, que corre termos no Juízo Criminal do Seixal – J 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com o n.º 94/21.5IDSTB, teve lugar a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
1) Condena-se a arguida “ A” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), nos termos do disposto do 7º, n.º 1 do mesmo diploma legal, com referência ao artigo 27º, n.º 1 e artigo 41º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro), e artigo 90º-B, n.º 3 do Código Penal na pena de 230 (duzentos e trinta ) dias de multa, à taxa diária de € 5,00( cinco) euros no montante global de € 1150,00 (mil cento e cinquenta ) euros;
2) Condena-se o arguido B pela prática em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), com referência ao artigo 27º, n.º 1 e artigo 41º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro), na pena de 230 (duzentos e trinta ) dias de multa, à taxa diária de € 5,00( cinco) euros no montante global de € 1150,00 (mil cento e cinquenta ) euros.


2
Não se conformando com a decisão, o arguido B interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º nº 1 do Regime Geral das Infrações Tributária, com referência ao artigo 27º n.º 1 e artigo 41º nº 1 al) b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, no montante global de 1.150 euros.
B) O Recurso versa sobre matéria de direito.
C) O artigo 105º nº 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias estipula que “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.”
D) O artigo 105º nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias prevê duas condições objectivas de punibilidade:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação,
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
E) Na acusação, deduzida pelo Ministério Público apenas consta no artigo 9º o seguinte“ Apoderando-se, assim, da referida quantia de €15.866,05€ (vinte e seis mil quatrocentos e oitenta euros e trinta e três cêntimos) pertencente ao Estado”
F) No artigo 10º da acusação consta o seguinte: “Da mesma forma, os arguidos também não procederam à entrega de tal montante, bem como os respectivos acréscimos legais, incluindo o valor da coima aplicável pela falta de entrega daquela prestação tributária, no prazo de 30 dias que lhes foi dado, através de notificação pessoal que receberam para esse efeito”
G) Esta factualidade assim descrita não satisfaz as exigências contidas nas alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 5º do RGIT, pois não consta da acusação os factos necessários para preenchimento das condições objectivas de punibilidade previstas no artigo 105º nº 4 alínea a) e b) do RGIT.
H) Em nenhuma parte da acusação consta que os arguidos foram notificados nos termos do disposto na alínea a) e b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT.
I) Salvo melhor opinião, a acusação não contendo os factos pertinentes às duas condições objectivas de punibilidade, o Tribunal “ a quo” deveria ter absolvido o arguido.
J) Deve o ora recorrente ser absolvido da pratica do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º nº 1 do Regime Geral das Infrações Tributária, com referência ao artigo 27º n.º 1 e artigo 41º nº 1 al) b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

3
O Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- O arguido B interpôs o presente recurso, alegando, em síntese, que, em nenhuma parte da acusação consta que o arguido foi notificado nos termos do disposto na alínea a) e b) do nº 4 do artigo 105º do R.G.I.T., e que, desta feita, não contendo a acusação os factos pertinentes às referidas duas condições objetivas de punibilidade, o Tribunal " a quo" deveria ter absolvido o arguido.
2- O n.º4 do artigo 105ºdo R.G.I.T., na redação introduzida pelo artº95ºda Lei nº 53º-A/2006 de 29.12, passou a estabelecer uma nova condição objetiva de punibilidade relativamente àqueles contribuintes que tenham cumprido tempestivamente a obrigação declarativa, designadamente na alínea b) do dito artigo.
3- Essa nova condição consiste na não regularização da situação tributária declarada mas não paga, no prazo de 30 dias, depois da notificação efetuada para o efeito.
4- Os contribuintes poderão evitar a punição criminal, mantendo-se a responsabilidade contraordenacional, se, nos trinta dias seguidos à notificação que lhes deve ser feita, pagarem a prestação tributária, os juros e a coima prevista no artigo 114.º do RGIT pela não entrega no prazo legal.
5- Com efeito, caso o contribuinte proceda ao pagamento das quantias em falta no decurso do prazo de 90 dias (prazo estipulado na al. a), nº 4 do art.º 105ºdo RGIT), não incorre na prática do crime de abuso de confiança fiscal, mas sim numa mera contraordenação
4- A falta da notificação referente à al. b) do nº 4 do art.º 105º do R.G.I.T. consubstancia a não verificação de um pressuposto jurídico-material da punibilidade.
5- Para se aquilatar das consequências de tal asserção, este elemento objetivo da punibilidade, deve constar da acusação, da pronúncia (se for o caso) e naturalmente da sentença.
6- No caso dos autos, foi dado como provado na douta sentença a quo no ponto 10 que:, apenas nos segmentos referentes à questão colocada em crise:"(...)10. Da mesma forma, os arguidos também não procederam à entrega de tal montante, bem como os respectivos acréscimos legais, incluindo o valor da coima aplicável pela falta de entrega daquela prestação tributária, no prazo de 30 dias que lhes foi dado, através de notificação pessoal que receberam Dam esse efeito":
7- Em tal facto encontra-se, expressamente, mencionado que os arguidos foram notificados para, em 30 dias, procederem à entrega das prestações tributárias, coimas e respetivos não tendo, ainda assim, procedido à imposta entrega, apenas não constando o dispositivo normativo que estipula tal notificação, ou seja, a menção "nos termos do disposto na al. b), do nº 4, do art.º 105ºdo R.G.I.T.., pelo que não vislumbramos em que medida é que se poderá considerar que não se encontram verificadas as referidas condições objetivas de punibilidade.
8- Note-se que, nos casos em que o contribuinte procedeu à entrega das declarações periódicas, para que a A.T. proceda à notificação estipulada na al. b) do nº4 do art.º 105ºdo RGIT - que, caso seja incumprido pelo contribuinte, leva à prática de um crime pelo mesmo - é, previa e forçosamente cumprida a notificação estipulada na al. a), nº4 do referido artigo, sendo que caso o contribuinte não proceda à entrega das prestações tributárias em divida, apenas incorrerá em ilícito contraordenacional.
9- Assim, facilmente se depreende, não só pela exigida tramitação sequencial destas duas notificações, mas também pela diferença no que tange às consequências pelo não cumprimento por parte do contribuinte - em que apenas pelo não cumprimento do disposto na alínea b), do nº 4 se verifica a prática do crime de abuso de confiança fiscal - que é essencial que conste no despacho de acusação, ou de pronúncia, sob pena de violação do disposto no art.º 283º, nº 3, al. b), art.º 308º, nº 2 e 311º, nºs 1 e 3, al. b) e d) todos do C.P.P. (levando, em primeira linha à rejeição do recebimento da acusação/pronúncia) ou, posteriormente, na sentença (à absolvição) a menção do facto relativo à notificação do arguido para proceder à entrega da divida tributária em 30 dias.
9 - Mas tal, como supra demonstrado não foi o caso dos presentes autos.
10- A decisão recorrida deve ser mantida pois não padece dos vícios apontados pelo recorrente ou quaisquer outros.
DEVE ASSIM NEGAR-SE PROCEDÊNCIA AO RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, MANTER A DECISÃO RECORRIDA, UMA VEZ QUE SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA.

4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.

5
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


II
FUNDAMENTAÇÃO

1
Objeto do recurso:
A factualidade dada como provada na decisão recorrida preenche o teor das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 5º do RGIT (condições objetivas de punibilidade)?

As alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 5º do RGIT são de aplicação cumulativa?

2
Decisão recorrida (excerto relevante):
1. A arguida “A”, com o NIPC ..., dedicava-se desde 05-07-2010 à actividade de Serviços e comunicações, Construção de redes de transporte e distribuição de electricidade e redes de telecomunicações, a que corresponde o CAE principal 61900-R3.
2. O
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