Acórdão nº 915/17.7T9OER.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-18

Data de Julgamento18 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão915/17.7T9OER.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I– Relatório


1.No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 915/17.7T9OER, procedeu-se ao julgamento da arguida MS, melhor identificada nos autos, acusada da prática, como autora material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«Nos termos expostos decide-se julgar improcedente, por infundada, a acusação e, em consequência, decide-se absolver MS do seu teor.
(…)»

2.O Ministério Público recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1.–O presente recurso é interposto da douta sentença proferida nos autos que decidiu absolver a arguida MS da acusação contra ela formulada pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal “porque infundada diante a falta de prova.”

2.–O Tribunal a quo deu como NÃO PROVADOS os seguintes factos da acusação e que, no nosso entendimento, foram incorrectamente julgados:
1-“A arguida dirigiu-se ao Banco BPI, SA, balcão de O....., e preencheu e assinou a declaração mencionada supra em B), C) e D).
2-Tendo-se verificado o incumprimento definitivo dos pagamentos acordados por parte da sociedade RPU, Ld.ª, no dia 30-03-2017, foi por isso que FD preencheu o cheque em causa.
3-Ao preencher, assinar e entregar a declaração mencionada em 3. no balcão do Banco BPI, a arguida agiu com o propósito, concretizado, de obstar ao pagamento do identificado cheque e de, através da mesma, comunicar ao banco o furto do cheque, sabendo a arguida que estava a elaborar declarações e escrito não verdadeiros e, dessa forma, levou a que fosse aposto no cheque “CHQ REVOG FURTO” e fê-lo com pleno conhecimento de que tal facto, declarações e escrito não correspondiam à verdade.
4-A arguida agiu com a intenção de obter para si e para a sociedade RPU, Ld.a o benefício pecuniário correspondente à quantia titulada no cheque, a que sabia não ter direito, e também traduzido na apresentação do mesmo e a sua devolução com o motivo nele exarado, tudo à custa do património de FD, o que conseguiu.
5-A arguida atuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei”.

3.Fundamentou a sua decisão considerando que não se mostra provada que a assinatura constante do documento de fls. 42 que consiste na declaração preenchida e entregue, no dia 31 de maio de 2016, no Banco BPI, SA, balcão de O....., através da qual se deu ordem ao referido banco solicitando “não procedam ao pagamento do cheque abaixo identificado em virtude de se tratar de cheque pré datado em poder do fornecedor que nos informou ter sido assaltado” e indicou o cheque n.° 4......2, da conta sacada 4......6-000-001 é da autoria da arguida porque não consta a sua identificação e não foi sujeita a perícia
4.Não assiste razão ao douto Tribunal a quo e quanto aos factos dados como não provados, temos por inequívoco que a prova produzida em audiência conjugada com a prova documental constante dos autos, impunha que os mesmos se dessem como provados e, consequentemente, fosse proferida decisão diversa da recorrida.
5.A assinatura constante da declaração de fls. 42 surge noutros documentos analisados em audiência de discussão e julgamento como sendo pertencente à arguida MS, nomeadamente: no local destinado à assinatura do cheque e no verso do mesmo junto a fls. 9 consta a seguinte indicação: “BOM PARA AVAL” e a assinatura da arguida: no acordo de cessão de créditos de fls. 11 a 15, no qual surge identificada a fls. 15 como “A terceira Outorgante” e na ficha de assinaturas junta a fls. 60 e 61, consta a indicação de que a arguida MS é a representante/titular dos órgãos de gestão da sociedade “RPU, Lda.” e nos dois espaços destinados a “Assinaturas conforme BI que, de acordo com o Pacto Social, obrigam a Pessoa Colectiva” consta a assinatura da arguida.
6.–Acresce que, no documento de fls. 150 o Banco prestou a seguinte informação: “(...) informamos que à data de assinatura da Oposição ao Pagamento do Cheque n.° 4......2, de 31/05/2016, assinada por MS, NIF 2.......8, foi confirmada a assinatura presencialmente e conferida por semelhança aos registos em Balcão'/negrito e sublinhado nosso)
7.–Por outro lado, a assinatura constante da declaração de oposição ao pagamento do cheque de fls. 42 é a mesma que consta dos autos de constituição como arguida, TIR e interrogatório de MS de fls. 61 a 65 e 110.
8.–Pelo que, resultando dos autos que o cheque estava assinado e avalizado pela arguida; foi por esta entregue ao ofendido; que o fez como garantia de pagamento de um acordo de cessão de créditos onde a sociedade da qual era sócia-gerente era devedora e que o banco confirmou que a assinatura pertencia à mesma a fls. 150, consideramos, sem margem para dúvida, que era a arguida quem tinha interesse em declarar o facto vertido a fls. 42 por forma a libertar-se da garantia de uma obrigação sua.
9.–Assim, e mesmo perante a inexistência de um relatório pericial, e de acordo com as regras da lógica e da experiência comum não podemos deixar de considerar que sabendo a arguida que tinha essa obrigação, que não iria cumprir, e que o cheque serviu como garantia do crédito, mas seria meio de pagamento caso o contrato não fosse cumprido era quem tinha o interesse no não acionamento da garantia através do Banco.
10.–Ora, parece-nos inequívoco, em face dos elementos probatórios apontados, terem sido incorrectamente julgados os dois factos acima enunciados, devendo a passar a constar como provados os factos 1 e 3 da matéria dada como não provada.
11.–Acresce que, o incumprimento definitivo dos pagamentos acordados por parte da sociedade “RPU, Lda” resulta da prova documental analisada em audiência de julgamento, nomeadamente, das cartas de interpelação de fls. 17 a 22 e do preenchimento do cheque de fls. 9.
12.–Por outro lado, o facto de o crédito não resultar do processo de insolvência não significa que o mesmo não exista, até porque, resulta da sentença de declaração de insolvência de fls. 85 que foi a própria arguida quem intentou a acção declarativa com processo especial requerendo a declaração da sua insolvência a título pessoal não da empresa da qual era sócia-gerente.
13.–Pelo que, e sendo um crédito do qual não é devedora principal, mas sim avalista, não tinha interesse em indicá-lo no processo de insolvência.
14.–Perante a prova produzida, é manifesto que a arguida agiu com a intenção de obter para si e para a sociedade RPU, Ld.ª o benefício pecuniário correspondente à quantia titulada no cheque, a que sabia não ter direito, e também traduzido na apresentação do mesmo e a sua devolução com o motivo nele exarado, tudo à custa do património de FD .
15.–Deste modo, e mais uma vez, socorrendo-nos das regras da lógica e da experiência comum parece-nos inequívoco, em face dos elementos probatórios apontados, terem sido incorrectamente julgados os dois factos acima enunciados, devendo a passar a constar como provados os factos 2 e 4 da matéria dada como não provada.
16.–E se de facto, os pontos de facto 1, 2, 3 e 4 forem dados como provados - como se pretende - será sua decorrência lógica dar como provado que a arguida, ao actuar da forma acima descrita - que se pretende seja dada como provada - agiu voluntária, livre e consciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei” (facto n.° 5).
17.–A decisão sobre a matéria de facto constante da douta sentença recorrida deve ser alterada de forma a serem dados como provados os cinco factos acima enunciados, valorando os aludidos elementos documentais, de acordo com as regras da lógica e da experiência, conclui-se, sem margem para dúvidas, que a arguida praticou os factos e actuou como descrito nos pontos 1 a 5 acima enunciados.
18.–Deste modo, consideramos que perante a factualidade que deveria ter sido dada como assente, verificados que estão todos os restantes elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do ilícito, integra o crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.°, n.° 1, alínea d) do Código Penal, a conduta do sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica ao banco sacado que o cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse fundamento.
19.–Assim, ao absolver a arguida da acusação contra ela deduzida, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 14.°, 26.° e 256.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal.
20.–Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que, apreciando e valorando a globalidade dos meios de prova postos a disposição do tribunal, nomeadamente, a prova documental não apreciada pelo tribunal, dê como provados também os factos identificados sob os n.°s 1 a 5, que foram dados como não provados, e, em consequência, condene a arguida, como autora de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal.

3.–Não foi apresentada resposta.

4.Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), subscreveu o entendimento do Ministério Público na 1.ª instância.

5.–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II–Fundamentação

1.–Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação
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