Acórdão nº 91/11.9GAARL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-11-21
Ano | 2023 |
Número Acordão | 91/11.9GAARL.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
I - RELATÓRIO
1. Nos autos com o nº 91/11.9GAARL, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, foi proferido despacho, aos 19/10/2018, que revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos e 9 meses de prisão aplicada ao arguido AA e determinou o seu cumprimento.
2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):
I- O recorrente foi condenado nos presentes autos pela prática de um crime de furto qualificado na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada por regime de prova e regras de conduta. Sendo que, o Tribunal a quo decidiu considerar não cumprida a condição de suspensão de execução da pena de prisão que foi imposta ao arguido, e revogou a suspensão de execução da pena de prisão. Por discordar da decisão o recorrente, pelo presente, dela vem interpor recurso.
Da violação do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal:
II-O Tribunal decidiu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente sem, previamente, ter procedido à sua audição presencial, não dispondo, por esse motivo de elementos essenciais e bastantes para proferir uma decisão fundamentada.
III-O recorrente não foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tendo o Tribunal decidido pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão sem ouvir o recorrente, e em violação do disposto no artigo 56º nº1 do Código Penal.
IV- Conforme resulta do texto do artigo 495º nº2 do Código Penal a revogação da suspensão da pena de prisão não é automática, devendo ser precedida da audição presencial do arguido, sendo que a falta de audição do arguido consubstancia uma nulidade insanável (artigo 119º alínea c) do Código de Processo Penal) e tem como efeito a invalidade do acto, ou seja, no presente processo determina a invalidade da decisão em crise.
V- A observância do princípio do contraditório, plasmado no artigo 32º nº5 da Constituição da República Portuguesa consubstancia-se no “direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e de argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica(Acórdão da Relação de Coimbra de 05/22/2008 disponível in www.dgsi.pt).
VI- De acordo com Paulo Pinto de Albuquerque in comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição página 1240: O arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º alínea c) (...).Aliás, interpretação diversa prejudicaria os direitos de defesa e o princípio do contraditório, sendo por isso de preferir interpretação conforme à Constituição (acórdão o TER de 22.05.2005 in CJ XXX,1, 267 e acórdão do TRL de 1.3.2005, in CJ XXX, 2,123).
VII- No presente processo, e conforme o já sobredito, o recorrente não foi ouvido de forma presencial, nem foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão.
VIII- O Tribunal quando procede à apreciação e decisão da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tem o dever de reunir todos os elementos necessários para tomar uma decisão, uma vez que, a decisão de revogação irá conduzir ao cumprimento de uma pena de prisão que afectará a liberdade do arguido.
IX- A prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário, devendo por esse motivo o Tribunal averiguar se as finalidades se encontram ou não comprometidas. E, para concluir que as finalidades subjacentes à suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, deverão ser realizadas diligências que permitam demonstrar e comprovar tal circunstancialismo.
X-A decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão traduz-se na aplicação de uma outra pena ao arguido, e a essa determinação tem de ter por base os princípios gerais que presidem o processo penal, nomeadamente os nº 2 e 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
XI- Sendo que, o princípio do contraditório consubstancia-se no direito/dever do Juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos suscetíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica.
XII- Reportando-nos aos presentes autos, a não audição do recorrente pelo Tribunal a quo, afectou e afecta gravemente os direitos de defesa do arguido, uma vez que o impediu de apresentar a sua versão no que diz respeito ao cumprimento das condições impostas pela sentença.
XIII-Assim, atendendo a todo o exposto, e uma vez que previamente à decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão o Tribunal a quo não procedeu à audição presencial do recorrente, a decisão proferida é nula. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 06/0272019, disponível em c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb para cujo teor se remete.
Sem prescindir sempre se dirá o seguinte:
XIV- Dos presentes autos não resulta demonstrado um juízo de culpa de tal forma grave que conduzisse à revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, bem como não se encontra demonstrado, de acordo com o plasmado no artigo 56º do Código Penal, que o recorrente tenha violado de forma grosseira e repetida os deveres e regras de conduta a qua estava vinculado.
XV- É Jurisprudencialmente aceite que a revogação da suspensão da pena de prisão não opera de forma de automática, estando dependente da análise caso a caso no que diz respeito ao preenchimento dos pressupostos plasmados nas alíneas a) e b) do nº1 o artigo 56º do Código Penal. A este respeito, Figueiredo Dias entende que só deve decidir-se pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão se dali nascer “a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro afastado, da criminalidade” (Direito Penal Português “As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Ed. Noticias, Lisboa, 1993, p.356).
XVI- No que diz respeito à violação das regras de conduta referidas no artigo 56º do Código Penal, essa violação tem de se consubstanciar numa indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser desculpada. Sendo, para o efeito, essencial determinar a culpa do arguido, ou seja compreender se o mesmo não cumpriu e/ou falhou por vontade própria. Neste sentido, Maia Gonçalves: “(...) que só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar...
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