Acórdão nº 903/23.4T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-28

Ano2023
Número Acordão903/23.4T8BCL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1 A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, condenou a EMP01..., S. A. pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados do artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio (REGIME DA UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS) e artigo 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei 50/2006, de 29 de Agosto (LEI QUADRO DAS CONTRA-ORDENAÇÕES AMBIENTAIS), com a coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).

I.2 Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, tendo o tribunal recorrido, por sentença proferida no dia 03 de Julho de 2023, no âmbito dos autos n.º 903/23...., que correm termos no Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., julgado parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decidiu (transcrição na parte que releva):

“condenar a arguida EMP01..., S. A. pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos conjugados do disposto no artigo 81.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio e artigos 22.º, n.º 4, alínea b), 23.ºA e 23.º-B, da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, na coima especialmente atenuada de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).”

I.3. Mais uma vez a arguida inconformada interpôs o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem:
I.Condenando o Tribunal a quo a EMP01... pela prática da contraordenação prevista na alínea c), do n.º 3, do artigo 81.º, do RURH na coima especialmente atenuada de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), entende a Arguida, com o devido respeito, que o mesmo decidiu erradamente, ao julgar improcedente a exceção de nulidade da decisão administrativa e, bem assim, ao entender como não verificados os pressupostos de aplicação de uma admoestação.
I. Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal a quo violou as normas previstas no n.º 1, do artigo 46.º e artigo 49.º, ambos da Lei n.º 50/2006 (LQCA), bem como o princípio consagrado no n.º 10, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo 51.º, do RGCO e o princípio da mínima intervenção do direito penal (cfr. n.º 2, do artigo 18.º, da CRP).
II. Quanto à exceção invocada, o Tribunal a quo confirma o incumprimento pela IGAMAOT do estatuído no referido artigo 46.º, entendendo, contudo, que tal ilegalidade não contamina o processo e a decisão administrativa, porquanto, ainda que efetivamente violado o artigo 46.º, deverá considerar-se, para efeitos do artigo 49.º, que à Arguida foram disponibilizados todos os elementos necessários para o exercício de uma defesa plena e esclarecida, o que considera ter acontecido pelo facto de a Arguida se ter defendido, não apenas formalmente, mas também materialmente, demonstrando assim que compreendeu a imputação que lhe era feita e todo o circunstancialismo do processo, e não violando assim o direito de defesa da Arguida, concluindo assim pela improcedência da exceção de nulidade da decisão administrativa.
III. Contudo, entende a Recorrente que deve ser exigido e observado o estrito cumprimento do disposto nos artigos 46.º e 49.º, da LQCA, sob pena de violação do direito fundamental da Arguida à sua defesa (cfr. n.º 10, do artigo 32.º, da CRP), uma vez que um eventual incumprimento, como se verifica no caso, não assegura todas as garantias de defesa da Arguida, ferindo de nulidade a decisão em questão.
IV. Razão pela qual deve a Sentença em crise ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente.
V. Sem prescindir, caso assim não se entenda, e decidindo-se pela condenação da Arguida pela prática da contraordenação ambiental, deverá a sanção a aplicar ser a admoestação.
VI. Na Decisão de que se recorre, entende o Douto Tribunal a quo não se encontrarem reunidos os pressupostos cumulativos previstos no artigo 51.º do RGCO de: reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, porquanto não se encontra verificado o requisito da reduzida gravidade da infração, pelo simples facto de a contraordenação ser legalmente classificada como muito grave.
VII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o referido artigo 51.º, do RGCO.
VIII. Ao invés, para aferição do requisito da reduzida gravidade da infração, deverá o julgador atender às específicas circunstâncias do caso concreto.
IX. No caso, a conduta é imputada à Arguida a título negligente; esta não obteve qualquer benefício económico com a conduta e; não se produziu qualquer dano ambiental.
X. Pelo que as finalidades de prevenção se encontram plenamente garantidas e a ratio da norma (precisamente, evitar a ocorrência do dano) salvaguardada, estando verificados os requisitos previstos no artigo 51.º, do RGCO para aplicação da sanção de admoestação.
XI. Nessa sequência, ao afastar a aplicação dessa sanção, o douto Tribunal a quo violou o princípio da mínima intervenção do direito penal, que determina que seja ponderada a necessidade e a eficácia da sanção.
XII. Pelo facto de a admoestação satisfazer as finalidades preventivas pretendidas pela norma, salvaguardados que estão os bens jurídicos que esta visa proteger, não será de aplicar sanção mais gravosa à Recorrente, como é o caso da coima.
XIII. Isto porque, já quanto à eficácia da sanção, considerando as dificuldades económicas que têm impedido a EMP01... de desativar a ETAR provisória de ... e passar para a ETAR definitiva de ...,
XIV. A aplicação de uma coima de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) não tem consequências positivas, pelo contrário, pode ser determinante ao inviabilizar a transição da Recorrente para a ETAR definitiva, contribuindo negativamente na atual situação da Arguida.
XV. Devendo, assim, a condenação ao pagamento da coima ser revogada e substituída por outra que sancione a Arguida com uma admoestação.”

I.4. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
“1. A decisão judicial recorrida é insusceptível de qualquer juízo de censura, encontrando-se fundamentada de forma irrepreensível, tendo sido feita pelo Meritíssimo Juiz a Quo uma correcta apreciação dos factos e adequada aplicação do direito, não tendo sido violadas quaisquer normas jurídicas, designadamente as constantes dos artigos 46.º, 49.º, 51.º do RGCO e arts. 32.º, n.º 10 e 18.º da CRP.
2. Os factos dados como provados – cuja verificação e qualificação não se questiona na peça de recurso - consubstanciam a prática pela arguida de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelo art. 81.º, n.º 3, al. c) do DL 226-A/2007 de 31 de maio e arts. 22.º, n.º 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B da Lei 50/2006 de 29 de agosto.
3. Não assiste razão à recorrente quando aduz que o Tribunal não deveria ter considerado inverificada a invocada nulidade da decisão administrativa, já que resulta da leitura do auto de notícia por contraordenação que este cumpre os critérios consignados nos arts. 41.º, 48.º e 58.º do RGCO, não sendo perceptível qualquer nulidade, na medida em que consta de forma explícita a descrição pormenorizada dos factos que consubstanciam a contra-ordenação, o seu enquadramento genérico no espaço e no tempo, a indicação de testemunhas e a menção à infração que foi cometida.
4. De resto, o auto de notícia por contraordenação não tem de observar os formalismos garantísticos que norteiam a prolação de uma acusação, previstos no disposto no art. 283.º, n.º 3 do C.P.P., já que, apesar de haver similitudes expressamente previstas, não existe total paralelismo entre as regras do processo penal e as regras do processo de contraordenação.
5. Ademais, conforme explicita, de forma clara, a sentença sindicada, a decisão administrativa não enferma de nulidade por força de alegadas omissões existentes no auto de contraordenação e não foi preterida nenhuma garantia de defesa à arguida já que lhe foram disponibilizados todos os elementos, documentais e periciais, que permitiram o exercício cabal da sua tese de defesa (cfr. art. 32.º, n.º 10 da CRP).
6. No que tange à alegada violação das normas contidas no art. 51.º, n.º 1 do RGCO e no art. 18.º, n.º 2 da CRP, somos de parecer que a douta decisão do Tribunal a quo aplicou correctamente o direito ao afastar a possibilidade de aplicar uma admoestação.
7. Com efeito, prevendo o art. 51.º, n.º 1 do RGCO que a admoestação pressupõe a verificação cumulativa de dois requisitos - a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente – está legalmente vedada ao julgador a escolha desta sanção quando em causa está a prática de uma contraordenação muito grave.
8. Uma leitura diversa deste normativo legal implicaria, de forma inaceitável, a violação do princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções.
9. As circunstâncias concretas que favorecem a arguida, designadamente, o grau de ilicitude, da culpa, a inexistência de consequência/dano ambiental, a conduta anterior e posterior aos factos, contrariamente ao alegado, foram consideradas na sentença para efeito da determinação da medida da coima, tendo a coima, subsequentemente, sido objecto de atenuação especial.
10. Nesta conformidade, não merecendo censura ou reparo a sentença colocada em crise, pugna-se pela sua manutenção nos seus precisos e exactos termos. “

I.5. Nesta instância, a Exmª. Procurador-Geral Adjunta, emitiu parecer com fundamentação alicerçada em doutrina e jurisprudência que citou, no sentido da improcedência do recurso interposto pela arguida.

I.6.No âmbito do disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, a recorrente não apresentou resposta...

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