Acórdão nº 902/22.3T8FND.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-13

Ano2023
Número Acordão902/22.3T8FND.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)

Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias

Processo n.º 902/22.3T8FND.C1

Acordam na 1.º Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

AA, residente na Urbanização ..., ..., ..., ... ..., na qualidade de cabeça de casal e legatária do usufruto dos bens da herança aberta por óbito de BB, e, ainda na qualidade de representante dos seus netos menores, legatários da nua-propriedade dos bens da mesma herança, i) CC, NIF ..., menor, residente na Rua ..., ..., ... ..., ii) DD NIF ..., menor, residente em guarda partilhada, na (i) Rua ..., ... ... e iii) EE, EE, NIF..., residente em guarda partilhada, na (i) Rua ..., ... ..., propôs, nos termos dos artigos 1068.º e 1069.º do Código de Processo Civil (CPC), acção especial de liquidação de participação social, contra a Sociedade de Agricultura de Grupo do A..., Lda, com sede na Quinta ..., ..., pedindo se designasse perito para proceder à avaliação da quota que tem o valor nominal de 1000 euros e que pertenceu ao falecido sócio BB, em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 1021.º do Código Civil, aplicando-se as disposições relativas à prova pericial.

Para o efeito alegou em síntese:
· Os demandantes são herdeiros da herança aberta por falecimento de BB, que dispôs, por testamento, a favor da demandante AA, legado do usufruto de todos os seus bens e a favor dos demandantes CC, de DD e de EE da nua propriedade de todos os seus bens;
· Na data do seu falecimento, ocorrido em .../.../2020, BB era titular de uma quota no valor de 1000 euros no capital social da demandada;
· Nos termos dos estatutos da sociedade, a qualidade de sócio perde-se, além do mais, por falecimento;
· Nos termos desses mesmos estatutos, “No prazo máximo de 90 dias, a assembleia geral deliberará quanto à admissão dos novos titulares, podendo decidir, observado, nomeadamente, o disposto no § 2º do artigo 15.º, que todos eles, apenas alguns ou mesmo nenhum serão admitidos como sócios”;
· A sociedade deliberou não admitir como sócios dela os demandantes CC, DD e EE;
· Os gerentes da demandada comunicaram à demandante que os sócios da sociedade haviam deliberado não admitir como sócios, qualquer um dos herdeiros do falecido sócio BB e que, em face do assim deliberado e dando cumprimento ao contido no parágrafo terceiro da cláusula décima quinta dos estatutos da sociedade, estavam em curso os procedimentos tendentes à completude do processo da amortização da quota correspondente e visada e que, para o efeito da realização do pagamento do preço da contrapartida obrigada, solicitavam que que lhes fosse indicado o NIB duma conta bancária elegida, em ordem à efectuação do depósito da importância respeitante;
· A demandante respondeu a esta comunicação, através de advogados, solicitando informação para apurar o cálculo devido pela amortização da quota;
· A gerência da demandada informou que havia realizado uma avaliação do valor da amortização e que a mesma se cifrava em 100 000 euros;
· A demandante reiterou elementos para avaliar o valor da quota e propôs que se designasse, por acordo, um Revisor Oficial de Contas ou Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, que procedesse a uma completa e fundamentada avaliação da quota em questão para que se identificasse o exato valor a pagar pela não admissão dos sócios herdeiros de BB”;
· A gerência da sociedade respondeu à demandante e declarou discordar da designação de um revisor oficial de contas para atribuir valor à quota a amortizar, alegando que tal procedimento contrariava os estatutos da sociedade;
· A demandante insistiu pela fixação do valor da quota com base no estado da sociedade e identificando um valor diferente para a contrapartida da amortização da quota da herança de BB;
· A gerência da sociedade rejeitou o proposto na anterior comunicação;
· A demandante respondeu, salientando que não havia sido apresentada qualquer proposta ajustada ao valor patrimonial da sociedade demandada e interpelou a gerência da sociedade para, no prazo de 15 dias, formular uma proposta que tivesse em conta os valores de mercado dos activos, mas a sociedade nunca respondeu a esta última carta;
· A sociedade demandada nunca respondeu a esta última carta;
· O valor da quota deve ser fixado com base no estado da sociedade.

A demandada contestou a acção. Na sua defesa alegou em síntese:
· Que os estatutos (artigo 9.º) prevêem expressamente como calcular a contrapartida devida pela amortização da quota, pelo que não é aplicável a regra do n.º 1 do artigo 235.º do Código das Sociedades Comerciais, nem o n.º 2 do artigo 105.º do mesmo diploma nem o artigo 1021.º do Código Civil;
· Que, ainda que assim se não entendesse, o direito de instaurar a presente acção com vista à avaliação e fixação do valor da quota para efeitos de amortização, instaurada ao abrigo do artigo 1068.º do CPC, há muito que se encontrava precludido por caducidade.

Notificados para exercerem o contraditório em relação à matéria das excepções, os demandantes responderam com a alegação de que a excepção deduzida pela requerida era improcedente. Subsidiariamente pediram que fosse admitida a ampliação do pedido formulado pelos requerentes no sentido de incluir na avaliação, por perito designado pelo tribunal, o activo líquido da sociedade, de acordo com o último balanço, a que corresponda a quota dos requerentes.

Notificada para se pronunciar quanto à ampliação do pedido, a requerida alegou que não se tratava uma ampliação do pedido, mas sim de uma alteração da causa de pedir e do próprio do pedido, a que não dava acordo, e que o exercício do direito dos autores estaria sempre e em qualquer caso caduco.

Sentença

Findos os articulados, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu sentença, julgando improcedente o pedido de avaliação judicial da participação social que o falecido BB detinha na sociedade requerida.

O recurso:

Os autores não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a sentença recorrida.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. A sentença é nula porque não deu cumprimento ao disposto no artigo 607.º do CPC, omitindo a discriminação dos factos provados antes de apreciar a pretensão dos demandantes;
2. Indevidamente, na apreciação do regime de amortização da quota dos demandantes e na da excepção de caducidade, foram considerados factos sem que os mesmos tenham sido considerados assentes na fundamentação da sentença;
3. Uma sentença proferida nestes moldes é nula, atendendo à previsão contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
4. O que expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 615.º do CPC;
5. A sentença viola o disposto no artigo 236.º do Código Civil aquando da interpretação dos artigos 8.º, 9.º e 15.º dos estatutos da demandada;
6. O teor dos artigos 9.º e 15.º dos estatutos não é reciprocamente excludente;
7. A remissão contida no artigo 15.º dos estatutos para a disciplina legal da amortização de uma participação social (implicitamente para os artigos 235.º e 105.º do Código das Sociedades Comerciais) deve prevalecer sobre o conteúdo do artigo 9.º dos estatutos da sociedade;
8. Até porque o artigo 9.º ao identificar como contrapartida uma proporção representativa da quota no activo líquido, não define o que se deva entender por activo líquido;
9. Sendo impossível calculá-lo por mera operação aritmética, antes se justificando a análise dos elementos que o integram e a actualização dos valores, algo que apenas se poderia aferir através de uma avaliação conforme requerido pelos demandantes;
10. A própria demandada reconheceu a necessidade de desenvolver “procedimentos tendentes à completude do processo de amortização da quota” (Doc. 8 junto com o requerimento inicial);
11. Os estatutos ao pressuporem a liquidação da quota e a respectiva remissão para o regime de amortização reconhecem este entendimento;
12. No limite, na interpretação dos artigos 9.º e 15.º dos estatutos, existiria uma colisão de direitos, figura regulada no artigo 335.º do Código Civil, que apela a uma composição equitativa para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento;
13. Ou seja, o direito dos demais sócios a liquidarem a quota com base num cálculo estático extraído de um balanço (por eles aprovado após conhecimento da morte de um dos sócios) colidiria com o direito ao apuramento do valor real da quota, nomeadamente através de perito designado pelo Tribunal;
14. E traduzir-se-ia numa situação de abuso de direito, violadora do disposto no artigo 334.º do Código Civil;
15. Devendo, por imperativo do princípio da boa fé, privilegiar-se a metodologia que se aproxima mais do valor real da quota;
16. Ademais, a sentença recorrida quando aventa a impossibilidade de aplicar ao presente caso o disposto no artigo 1021.º do Código Civil, incorre na violação conjunta dos artigos 235.º e 105.º do CSC e n.º 3 do artigo 1068.º do CPC;
17. A sentença recorrida também viola os artigos 331.º, 332.º e 327.º do Código Civil, quando considera que caducou o prazo de instaurar a presente acção;
18. Pois ficou demonstrado que o exercício do direito foi sendo consecutivamente exercido através de declarações escritas trocadas entre as Partes, bem como pela interposição e contestação de acções judiciais que sempre impediram o decurso de tal prazo;
19. Não obstante, o que está em causa não é o exercício de um direito social baseado numa deliberação, mas tão somente a reclamação de um crédito devido pela amortização de uma quota que carece de liquidação;
20. Logo, não se identificam pressupostos para a aplicação analógica do prazo de 30 dias previsto no artigo 59.º do CSC;
21. Ao decidir pela referida aplicação analógica, sem razões justificativas, a sentença recorrida viola o n.º 2 do artigo 10.º do ...

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