Acórdão nº 886/18.2IDPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-25

Ano2023
Número Acordão886/18.2IDPRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. N.º 886/18.2IDPRT-A.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 - Relatório

Nos autos nº 886/18.2IDPRT-A.P1, que correram os seus termos na Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 4, foi proferida sentença, transitada em 13 de setembro de 2021, onde foi decidido o seguinte:
- Condenar o arguido AA pela prática, de um crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelos artigos 103º, n.º 1, alínea a) e c) e 104º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 15/2001, de 5-6 – RGIT -, na pena de 12 meses de prisão que ao abrigo do disposto no art. 43º do Código Penal se substituem por 360 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo o total de €1.800,00.
- Condenar a sociedade arguida A..., Lda na pena de multa de 600 dias de multa, à taxa diária de €8,00, num total de €4.800,00, pela imputada prática de um crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelos artigos 103º, nº 1, alínea a) e c) e 104º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b) da Lei n.º 15/2001, de 5-6, por força do disposto no art. 7º, n.º 1, do RGIT.
- Declara-se, nos termos do disposto no artº 110º do Código Penal, a perda (a liquidar solidariamente), a favor do Estado, das quantias de €54.421,11 relativamente a IVA deduzido e €48.025,00 de acréscimo de lucro tributável corrigido, correspondente às vantagens do facto ilícito típico cometido.
Na impossibilidade de obtenção dos montantes declarados perdidos a favor do Estado, veio o Digno Magistrado do Ministério Público requerer aos autos que, ao abrigo do art.º 110º/4 do Código Penal, a substituição da declaração da perda da vantagem, pela obrigação dos arguidos pagarem solidariamente este mesmo valor.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“A sentença proferida nos autos transitou em julgado.
Agora, veio o Digno Magistrado do Ministério Público, requerer: “Termos em que, ao abrigo do art.º 110º/4 do Código Penal, se promove a substituição da declaração da perda da vantagem, pela obrigação dos arguidos pagarem solidariamente este mesmo valor.”
Cumpre apreciar e Decidir:
Para aferir da sua admissibilidade temos de chamar à colação os seguintes preceitos legais do Código Penal:
Artigo 110.º
Perda de produtos e vantagens
1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”
*
“Artigo 111.º
Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios;
b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou
c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida.
3 - Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.”
A perda das vantagens está prevista no Título III que dispõe sobre as consequências jurídicas do facto.
A natureza de tais disposições não é pacífica quer na doutrina quer na jurisprudência. Com efeito, para Figueiredo Dias a mesma não deve ser considerada uma pena acessória “(…) mas uma providência sancionatória análoga à medida de segurança. Análoga, pelo menos, no sentido em que é sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito;”
Com efeito, ao contrário de Damião da Cunha, Figueiredo Dias não considera este instituto como pena acessória pois esta implica a culpa – dolo – do agente.
Sendo considerado um instituto criado para a prevenção geral do crime, no seguimento da ideia que “o crime não compensa”, para a aplicação de tal instituto basta que tenha existido uma facto típico-ilícito e não
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