Acórdão nº 8811/17.1T9SNT-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2022

Data de Julgamento22 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão8811/17.1T9SNT-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


No âmbito do Inquérito com o nº 8811/17.1T9SNT que corre termos no Juiz 7 do Tribunal Central de Instrução Criminal, vem o Ministério Público interpor recurso do despacho que declarou nula a apreensão da correspondência efectuada nos autos, pedindo que se revogue a decisão recorrida.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1. Nos presentes autos investigam-se factos que, em abstracto, são susceptíveis de integrar a prática de um crime de insolvência dolosa agravada, prevista e punida pelo artigo 227º, nº 1, alínea b), nº 3 e artigo 229º-A;
2. Com efeito, o inquérito teve origem na queixa apresentada por PF (em diante designado por PF ) nos termos da qual e, em resumo, decorre que a sociedade CM – Serviços Administrativos, Lda., constituída em 02.06.2011 não obstante apresentar uma situação estável, em termos financeiros, de forma a não ter de o ressarcir pelo despedimento ilícito de 2016, pelo qual veio a ser condenada pelo Tribunal de Sintra na Instância Central, 1.a Secção de Trabalho, Juiz 1, no processo nº 8897/16.6T8SNT, no pagamento de uma indeminização de €54.519,92, cessou a sua actividade em termos fiscais;
3. Assim, não obstante, continuar a laborar, através das suas sócias gerentes AR e RS, nos mesmos moldes de antes, a sociedade deixou de faturar aos seus principais clientes e, consequentemente, deixou de conseguir, contabilisticamente, cumprir as suas obrigações contratuais e legais junto de terceiros;
4. Aliás, AR e RS constituíram em 21.04.2017 a Sociedade por quotas, LM, Lda., com sede (atual) na Rua ..... C....., concelho e distrito de L_____, passando esta a facturar aos mesmos clientes, os mesmos serviços através dessa nova sociedade, integrando no seu património bens anteriormente propriedade da Sociedade CM – Serviços Administrativos, Lda;
5.A Sociedade P.- Gabinete de Contabilidade e Serviços, Lda., sita na Rua ..... A_____, é quem executa a contabilidade da Sociedade LM , Lda.;
6.A 29.06.2017 PF interpôs requerimento de execução de decisão judicial condenatória com o número 26227790;
7. No entanto, RS e AR através da transferência dos clientes e do património da CM – Serviços Administrativos Lda. para a LM Lda., conseguiram a diminuição fictícia do ativo da primeira, deixando esta de faturar e criando uma situação contabilística inexata.
8.Tanto assim é que dos elementos contabilísticos disponíveis, consta que não existe ativo, enquanto o passivo é de € 2.245,34 euros (ano 2015) e de € 9.899,34 euros (ano 2016);
9.Assim, a 29.06.2017 a Sociedade intentou ação especial de insolvência, tendo sido declarada a 10.07.2017;
10.Com a diminuição do património da CM – Serviços Administrativos Lda., e a consequente declaração de insolvência, as denunciadas AR e RS impediram PF de ver ressarcido o crédito que tinha sobre a mencionada sociedade;
11.Com efeito, as denunciadas mantiveram a prestação de serviços junto das entidades SAMS e Hospital da Cruz Vermelha, entre outros, tendo apenas trocado o nome da sociedade contratada para a LM Lda. de forma a evitar o pagamento dos valores em dívida ao credor PF ;
12.Foram efectuadas diligências de investigação no sentido de apurar a conduta das denunciadas, constituindo meio de prova essencial a realização de buscas quer na sede das pessoas colectivas envolvidas, quer no gabinete de contabilidade de forma a confirmar ou infirmar a queixa apresentada;
13.Assim, e por se indiciar que as suspeitas indicadas pudessem ocultar nas respectivas sedes documentação essencial à descoberta da verdade, determinou-se a realização das buscas e das pesquisas informáticas descritas supra;
14.No dia 07.10.2021 (fls. 429 a 432) foram levadas a cabo as diligências de busca, no decurso das quais foram copiados documentos em suporte digital, que se encontravam nas instalações dos locais buscados;
15.Conforme expressamente determinado nos mandados de busca foi autorizado o acesso ao sistema informático encontrado e foram gravados, e juntos aos autos, ficheiros existentes em caixas de correio eletrónico, que foram extraídos, de forma automática e sem visualização do seu conteúdo, para suportes digitais acondicionados em sacos de prova: Saco de prova série A098845 constante da contracapa do Vol 2, dos autos;
16.Conforme resulta do auto de busca e apreensão a fls. 431, consignou este OPC:
"2.- No que concerne à componente informática, foi realizada triagem com recurso a ferramentas forenses devidamente certificadas e em uso nesta polícia, no servidor existente no local buscado e nos postos de trabalho de JS e MS, tendo resultado a cópia e extracção de diversos ficheiros do tipo «documentos» e «correio electrónico».
3.- Quanto aos ficheiros do tipo «correio electrónico», foram extraídos e certificados na sua forma original, sem qualquer visualização do seu conteúdo para dispositivo externo de armazenamento de dados (PEN), e devidamente acondicionado e selado em saco de prova em uso nesta Polícia, com a ref. SÉRIE
A098845'.
4.- Os restantes ficheiros do tipo documentos foram extraídos e certificados na sua forma original, para dispositivo externo de armazenamento de dados (PEN), e devidamente acondicionado em saco de prova em uso nesta Polícia, com a ref 'SÉRIE A098840"».
17.Nessa sequência, fazendo consignar esse mesmo facto foram os autos remetidos a este DIAP, em 02.11.2021, com a seguinte informação: "No entanto, torna-se necessário remeter os presentes autos ao Ministério Público juntamente com os suportes digitais, produzidos pelas equipas forenses para preservação dos ficheiros de correio electrónico, acondicionados e selados em saco de prova em uso desta Polícia, para serem presentes ao Meritíssimo JIC e deles tomar conhecimento em primeira mão, concretamente:
Suporte digital - Pen drive - acondicionado no saco de prova Série A com o número 098845, conforme Auto de Busca e Apreensão de fls. 429 a 432 dos presentes autos».
18.E mais adiante, a fls. 443, mais uma vez o Inspector-Chefe em Coordenação da PJ consignou na sua remessa a este DIAP: «Por referência ao teor da informação que antecede e para os fins ali consignados, ponderando o disposto nos artigos 179º, nº 3 e 268º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, conjugados com o disposto no artigo 17º da Lei 109/2009 de 15 de setembro, para efeitos de tomada de conhecimento pelo JIC, em primeiro lugar, dos ficheiros de correio electrónico apreendido;
- Remeta-se o inquérito, acompanhado do suporte digital aludido, à consideração da Digna Magistrada titular, na 1ª secção do DIAP Regional de Lisboa, para apreciação e decisão».
19.Por importar garantir que a primeira visualização do seu conteúdo e eliminação de ficheiros de conteúdo pessoal, ou sem ligação aos autos, fosse feita pela Exma. Senhora Juiz de Instrução, determinou-se a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal com a seguinte promoção:
«Assim, o Ministério Público promove que, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178º, 179º, nº 3 e 268º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal e 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, conjugados com o disposto no artigo 17º da Lei 109/09 de 15.09, o Mmo. Juiz de Instrução tome deles conhecimento em primeiro lugar e determine a eliminação das mensagens não conexas com o objecto dos autos ou respeitantes à reserva da vida privada. Atento o volume das mensagens gravadas, promovemos que, após eliminação das mensagens não conexas com o objeto dos autos ou da reserva da vida privada, nos seja conferida a possibilidade de acesso aos ficheiros, a fim de selecionarmos e imprimirmos os que considerarmos relevantes para a prova. Após, selecção dos ficheiros mais relevantes, será requerida a V. Exa. a respectiva junção aos autos, nos termos do disposto no art. 179º, nº 3, do CPP».
20.Por despacho de 05.11.2021 a Mma. Juiz de Instrução Criminal considerou nula a apreensão de correspondência efectuada nos autos, não podendo por conseguinte, o Tribunal tomar conhecimento da mesma, conforme transcrição supra referida;
21.Ora, salvo o devido respeito, a Mma. Juiz de Instrução confundiu a apreensão dos suportes informáticos com a apreensão da correspondência.
22.Como decorre do despacho proferido pelo MP e ao qual a PJ deu cumprimento integral, não foi apreendida qualquer correspondência, mas sim efectuou-se uma gravação «cega» do conteúdo e encaminhou-se o suporte ao TIC para visualização pelo Juiz de Instrução Criminal.
23.Com efeito, foi determinada a gravação de ficheiros de correspondência electrónica, sem visualização pelo OPC ou pelo Ministério Público, e a apresentação do suporte à Mma. Juiz para que tomasse conhecimento do seu conteúdo e, caso se mostrassem relevantes, ordenasse por si própria a respectiva apreensão e junção aos autos;
24.Pelo que, a nosso ver não tem razão a Mma. Juiz ao considerar nula a diligência ordenada pelo MP;
Vejamos.
25.Para melhor compreensão do regime aplicável às pesquisas informáticas cumpre fazer uma breve descrição das regras em vigor e do entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm entendido sobre as mesmas;
26.Esta matéria encontra-se regulada nos artigos 16º e 17º, da LCC e no art. 179º, do CPP;
27.Cumpre agora determinar quais os procedimentos a tomar quando, durante a pesquisa, quando forem identificadas mensagens de correio electrónico;
28.A este propósito a jurisprudência de forma maioritária tem entendido que o MP tem legitimidade para ordenar a realização de pesquisas informáticas aos sistemas dos buscados, e encontrando correio electrónico, deverá sem visualização, encaminhá-lo ao Juiz de Instrução Criminal para tomar conhecimento em primeira mão e determinar a sua apreensão, caso seja relevante para a prova;
29.Assim, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06.02.2018, proferido no
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