Acórdão nº 878/18.1T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27-10-2022

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão878/18.1T8OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 878/18.1T8OLH.E1

*


Sociedade da (…), S.A., instaurou procedimento cautelar comum contra (…), (…) e (…), pedindo que seja decretada a suspensão da qualidade de accionista destes últimos. Como fundamento, a requerente alegou factos, alegadamente praticados pelos requeridos, que, no seu entendimento, constituem fundamento de exclusão – a qual constitui a finalidade da acção principal – dos mesmos da sociedade por via da aplicação analógica do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais ou, se assim se não entender, da aplicação subsidiária do artigo 1003.º, alínea a), do Código Civil.

Foi dado o contraditório aos requeridos, os quais, no seu exercício, sustentaram, nomeadamente, que não é legalmente admissível a exclusão de accionistas de uma sociedade anónima e, ainda que assim se não entendesse, não praticaram qualquer facto que justificasse tal exclusão. Daí, segundo os requeridos, a inexistência de fundamento para o decretamento da providência cautelar solicitada.

Após algumas vicissitudes processuais sem relevância para a decisão do presente recurso, o tribunal a quo indeferiu “liminarmente” a providência cautelar requerida.

A requerente interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos a 17.06.2022 que, nos termos e para efeitos do estabelecido nos artigos 362.º e 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indeferiu liminarmente o procedimento cautelar requerido.

2. Da douta sentença proferida consta o seguinte: «Assim sendo, mostrando-se o pedido manifestamente improcedente determina o artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que tal vício conduz ao indeferimento liminar do requerimento inicial. Em face do exposto, de harmonia com o disposto nos artigos 362.º e 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente o procedimento cautelar requerido».

3. Ora, a recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida, designadamente com o indeferimento liminar do procedimento cautelar, na medida em que nesta fase processual já se encontra ultrapassada a fase de prolação do despacho liminar.

4. Na verdade, a requerente peticionou que a providência cautelar fosse decretada sem a audiência prévia dos requeridos/recorridos.

5. Acontece que, não obstante, a 02.07.2018, foi proferido despacho liminar através do qual o tribunal recorrido determinou a citação daqueles.

6. A presente sentença foi, assim, proferida já após a efectiva e regular citação dos requeridos e da apresentação, pelos mesmos, de oposição.

7. Ora, o despacho de indeferimento liminar apenas e só pode ser proferido aquando da análise liminar do processo pelo juiz titular do mesmo, após a entrada em juízo do requerido de início de processo, nos termos preceituados no artigo 590.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do mesmo diploma.

8. Pelo que, o tribunal recorrido ao indeferir liminarmente o procedimento cautelar no momento em que indeferiu, isto é, após a regular e efectiva citação dos requeridos e a apresentação de oposição por estes, violou, de forma manifesta e grosseira, as normas processuais vigentes.

9. Assim, salvo o devido respeito, o tribunal a quo deveria sim ter procedido à marcação da audiência final para produção da prova requerida e posterior prolação da decisão, nos termos e para efeitos conjugados do estabelecido nos artigos 152.º, 367.º e 368.º do Código de Processo Civil.

10. Isto posto, encontra-se a sentença recorrida inelutavelmente inquinada, devendo a mesma ser integralmente revogada e, consequentemente, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, determinando-se o prosseguimento do procedimento cautelar, com a necessária marcação e realização da audiência final.

Sem prejuízo do supra exposto e por mera cautela do patrocínio:

11. Sempre se diga que na sentença proferida o tribunal a quo levou a cabo uma errónea interpretação (e consequente aplicação) do direito aplicável ao caso em apreço.

12. O tribunal recorrido entendeu ser inaplicável, por analogia, ao caso em apreço, o artigo 242.º do CSC, relativo ao regime de exclusão de sócios, tanto em razão da não previsão de tal figura relativamente às sociedades anónimas como em razão de não se encontrar preceituado no artigo 384.º, n.º 6, do CSC, a proibição do accionista votar nas deliberações a respeito de uma eventual exclusão sua.

13. Acontece que, não assiste qualquer razão ao tribunal a quo.

14. Isto porque, desde logo, faz assentar a sua decisão, em traços gerais, numa corrente doutrinária manifestamente minoritária, atendendo ao defendido quer no plano nacional quer nos sistemas que, a maioria das vezes, nos servem de referência.

15. Na verdade, o tribunal recorrido transcreve uma tese de mestrado, datada de 2017, para alicerçar a sua decisão.

16. Sendo que, em momento algum, lhe poderá ser dado o relevo e legitimidade como meio de suporte doutrinário e legal que o tribunal a quo procura lhe conferir.

17. Em primeiro lugar porque a própria conclusão vertida na suprarreferida dissertação de mestrado diverge da posição que o douto tribunal recorrido tenta – erradamente – fazer vingar, na medida em que da mesma resulta – e bem – que sempre será de admitir o direito de exclusão de um sócio às sociedades anónimas quando estas revelam um cunho marcadamente personalista – como é o caso da recorrente!

18. Em segundo lugar porque a este propósito, isto é, com entendimento contrário ao sentido decisório da sentença recorrida – suportada na tese de mestrado suprarreferida –, concluiu já o Senhor Professor Doutor Coutinho de Abreu no parecer jurídico junto pela recorrente aos autos fls. com a ref.ª n.º 29607114 e o qual, novamente e por facilidade, adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos sob doc. n.º 1, o seguinte:

«1.ª - Sempre que estejamos perante uma sociedade anónima "fechada" e de cunho marcadamente personalista, na qual assume maior protagonismo a pessoa do sócio e onde facilmente se concebe o potencial relevo excludente de factos relativos à sua situação ou comportamento, torna-se perfeitamente justificada a aplicação, por analogia, do artigo 242.º do CSC.

2.ª - Somando as características estruturais (as acções são nominativas, e a sua transmissão encontra-se estatutariamente sujeita a direito de preferência dos outros sócios ou ao consentimento da própria sociedade) à teia de relações familiares e envolvimento na vida societária, fica cabalmente demonstrado que a Sociedade da (…), S.A. é uma daquelas sociedades anónimas que, em concreto, evidenciam os traços necessários e suficientes à sua caracterização como sociedade "fechada" e de cunho marcadamente personalista, justificando-se assim a aplicação analógica do artigo 242.º do CSC aos conflitos que venham a eclodir em virtude do comportamento dos seus accionistas.».

19. Sendo que Coutinho de Abreu sustentou, ainda, tal entendimento, nos seguintes termos:

«E não custa admitir a aplicação, por analogia, e com as necessárias adaptações, do artigo 242.º (directamente aplicável às sociedades por quotas) – exclusão judicial de accionista que, “com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.»

20. Pelo que, quando concluiu que «nas sociedades anónimas não pode ser deliberado em assembleia ou decidido em acção judicial, a exclusão de accionista da sociedade, muito menos quando os estatutos da sociedade não preveem tal exclusão e, sendo assim, por maioria de razão inexiste fundamento para o procedimento cautelar em que se pede a suspensão da qualidade de accionista, antecipatória da acção judicial para exclusão de accionista.», a sentença recorrida contraria não só a corrente doutrinária maioritária como a posição maioritária jurisprudencial adoptada entre nós.

21. Nesta senda, em momento algum poderão colher os argumentos que sustentam a decisão, tais como a impraticabilidade da aplicação de exclusão quando as acções são ao portador como a fácil e livre transmissão (e reaquisição) das participações sociais pelos sócios.

22. Em primeiro lugar porque encontra-se eliminada do nosso ordenamento jurídico a figura das acções ao portador, em razão das alterações legislativas introduzidas em 2017, padecendo, assim, tal fundamento de toda e qualquer aplicabilidade útil.

23. Em segundo lugar porque, relativamente às acções nominativas – como as em apreço –, é perfeitamente possível tanto controlar e conhecer qualquer tentativa de reingresso na sociedade do sócio expulso como estipular, no pacto social, quer limitações quanto à transmissão de acções quer um direito de preferência dos outros accionistas e as condições do respectivo exercício, no caso de alienação de acções, nos termos artigo 328.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CSC.

24. Também não deverá ser conferida qualquer legitimidade ao argumento alegado pelo tribunal a quo da incompatibilidade do tipo societário da sociedade anónima (no seu todo) com a aplicação analógica do artigo 242.º do CSC.

25. A respeito cumpre atentar ao defendido pelo Exmo. Senhor Professor Doutor José Ferreira Gomes no parecer jurídico que adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos sob doc. n.º 2, donde se lê o seguinte:

«I. O argumento da objectivação da participação social confunde planos que são distintos entre si. A perspectiva de que os direitos e deveres dos accionistas estão “incorporados” nas acções, enquanto valores imobiliários, traduz uma técnica legislativa destinada a facilitar a transmissão e a legitimação dos seus titulares para o exercício dessas posições jurídicas.

Este plano de participação como objecto de posições jurídicas e de negócios jurídicos não...

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