Acórdão nº 871/23.2JAPRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-09-2023

Data de Julgamento13 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão871/23.2JAPRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 871/23.2JAPRT-B.P1
Recurso Penal
(Paula Cristina Jorge Pires; Maria dos Prazeres Silva)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - Relatório

Por acórdão datado de 24 de maio de 2023, proferido por este Tribunal da Relação do Porto nos autos de inquérito acima referenciados, pendentes no Juízo de Instrução Criminal do Porto, na sequência de recurso interposto pela arguida AA do despacho de aplicação de medidas de coação proferido pelo JIC no primeiro interrogatório judicial a que foi submetida, foi determinado que a arguida aguardasse os ulteriores termos do processo sujeita a prisão preventiva, por se ter concluído haver fortes indícios da prática pela mesma de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, e estarem verificados os perigos de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
A medida foi revista e mantida, nos termos do artigo 213º do CPP, por despachos judiciais de 10 de maio e, posteriormente, de 18 de julho de 2023 (referência 450610502).
Não se conformando com esta última decisão, dela veio a referida arguida interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«I — A recorrente não se conforma com o despacho que determinou a manutenção da medida de coação mais gravosa, por entender que não se encontram reunidos os pressupostos para a sua aplicação.
II — Ora, este reexame não é uma mera formalidade que impõe a lei, devem ser efetivamente ponderados, avaliados e fundamentados os pressupostos da prisão preventiva e, assim, que que se pondere da necessidade da manutenção da referida medida de coação, pelo menos pensamos que era essa a intenção do legislador penal.
III — A ponderação, avaliação e fundamentação é tão mais necessária se a conclusão do julgador for no sentido da manutenção da medida de coação (ainda por cima mais gravosa)
IV — No douto despacho a fls, de que agora se recorre, refere que é mantida à recorrente a medida de coação de prisão preventiva “Por se manterem na integra os pressupostos que determinaram a aplicação à arguida AA da medida de coação de Prisão Preventiva, na sequência, aliás, do referido no recente acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, determino que a arguida continue a tal medida coativa, cumulada com termo de identidade e residência, nos termos dos artigos 202.º e 196.º, ambos do Código de Processo Penal”,
V — Sem quaisquer diligências que sustentem tal afirmação, o Tribunal a quo, singelamente, apenas refere que “Por se manterem na íntegra os pressupostos que determinaram a aplicação à arguida AA da medida de coação de Prisão Preventiva (…)“,
VI — Não se compreende em que factos é que o Tríbunal a quo se baseia para considerar que nenhuma circunstância se alterou para quer permitisse poder alterar a medida de coação.
VII — Nem considerou o Tribunal de Instrução promover auscultação do MP e/ou da recorrente como decorre do n.° 3 do artigo 213.° do CPP.
VIII — A decisão de manter a prisão preventiva sem ter ouvido a recorrente sobre todos os factos que, em concreto, lhe são imputados, o douto despacho violou o disposto no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, desrespeitando o princípio do contraditório.
IX - Conforme bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto (processo: 9910887, n.° convencional: JTRP199909299910887, de 29/09/99, in www.dgsi.pt/) “Constitui nulidade a não audição do recorrente antes da manutenção da medida de coação da prisão preventiva em função do reexame trimestral imposto pelo artigo 213.° do Código de Processo Penal sobre a subsistência dos respetivos pressupostos.”
X — No mesmo sentido do presente requerimento decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa por douto acórdão de 04/09/98 (processo: 0056445, n.° convencional: JTRL199809040056445, in www.dgsi.pt/): “Comete-se nulidade insanável (artigo ll9, b,) c) CPP) sempre que o Juiz ao reexaminar os pressupostos da prisão preventiva com vista à sua manutenção, substituição ou revogação, não ouça o Ministério Público e o recorrente (e/ou defensor), se o reexame for oficioso; não ouça o recorrente, se o ato for requerido pelo Ministério Público; e não ouça o Ministério Público, se o ato tiver sido requerido pelo recorrente, a não ser que fundamente, ou seja manifesta, a desnecessidade de tal audição”.
XI — Data venia, a tomada de novas declarações á recorrente afigurava-se não só necessária como, até, indispensável.
XII — Ao ter sido proferido o douto despacho a Fls. sem se ter confrontado a recorrente com toda a matéria de facto que fundamenta a convicção da existência de fortes indícios da prática dos crimes, cometeu-se uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alíneas b) e c) do Código de Processo Penal com a cominação prevista no artigo 122.° do mesmo diploma.
Além do mais,
XIII — A recorrente entende que não se encontram reunidos os pressupostos para a sua aplicação, visto que a prisão preventiva tem carácter residual ou subsidiário, medidas que apenas devem ser impostas ao recorrente com observância dos pressupostos nos artigos 204.º e 202.º, al. a) do CPP.
XIV — O artigo 28.º n.º 2 da Lei Fundamental estabelece que “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
XV -Decorre, entre outros, dos artigos 191.º a 193.º do CPP, que no âmbito das medidas de coação previstas na lei, que deverão ser adequadas e proporcionais à qualidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, só sendo de optar pela prisão preventiva quando se revelarem inadequadas ou insuficientes outras medidas, mormente aquela também privativa da liberdade (menos gravosa) da obrigação de permanência na habitação (artigo 201.º do CPP).
XVI — O despacho recorrido, para fundamentar a medida de coação, remetendo para os pressupostos que determinaram a aplicação da medida de coação Prisão Preventiva, além do alarme social, entendeu existir perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova.
XVII — O alarme social, no nosso ordenamento jurídico-penal, não serve de fundamento para a aplicação de qualquer medida de coação.
XVIII — Quanto à existência do perigo de continuação da atividade criminosa, resulta do despacho recorrido que a recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais ou processos pendentes em que seja visada em crimes contra as pessoas, pelo que não é crível que a recorrente voltasse a praticar os factos/crime de que vem acusada.
XIX - Decretar a medida de coação com o fundamento do perigo de perturbação para o decurso do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova, como entendeu existir a Mma. Juiz de Instrução, e agora também assumido na manutenção de tal medida, é violadora do Estado de Direito, pois seria prender para investigar.
XX — Atentos os factos imputados â recorrente, não se vislumbram mais diligências de prova para a investigação do crime homicídio de que vem acusada.
XXI — A aplicação de qualquer outra medida é suficiente para obstar ao entendimento sufragado no douto despacho, como seria a outra medida de coação privativa da liberdade – obrigação de permanência na habitação.
XXII — Estabelece o n.º 1 do artigo 193.º. do CPP «As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.”
XXIII — A aplicação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação estão, assim, pela negativa, condicionadas a inadequação e a insuficiência de qualquer outra medida cautelar, tendo como resultado o princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição de excesso, contudo, optando-se entre uma e outra deve ser promovida a menos gravosa.
XXIV - As medidas de coação privativas da liberdade estão sujeitas, como se referiu, ao princípio da necessidade só podendo aplicar-se como medida de ultima ratio das medidas de coação quando todas as outras se mostrarem incapazes de satisfazer as exigências cautelares, nos termos do artigo 193.º do CPP.
XXV — Ainda que se fosse de aplicar uma medida de coação privativa da liberdade, o que não se concede, sempre podia e devia, em primeiro lugar, o JIC ter optado pela privativa da liberdade menos gravosa, a obrigação de permanência na habitação, nos termos do artigo 201.º do CPP e, pelo menos, agora, ter corrigido essa situação, medida de coação que, salvo o devido respeito por opinião diferente, cumpre integralmente os princípios que norteiam a aplicação das medidas coativas no sentido de promover a justiça.
XXVI — Assim, a decisão de que ora se recorre violou, entre outros, os artigos 193.º, 202.º, 204.º, 213.º, todos do CPP e 32.º da CRP.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho do tribunal recorrido, restituindo à liberdade a recorrente, acompanhada de medida de coação não privativa da liberdade; em alternativa, a entender-se pela aplicação de medida de coação privativa da liberdade, deve ser aplicada a medida menos gravosa, a obrigação de permanência na habitação; assim se
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