Acórdão nº 87/20.0T9VRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão87/20.0T9VRM.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 87/20...., do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ..., por sentença proferida e depositada no dia 07.04.2022 (referências ...65 e ...56, respetivamente), foi decidido:

“6.1.- condenar o arguido AA pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.ºs 1, do Código Penal, ex vi artigo 155.º, n.º 1, al. a), do C.P., na pena de seis meses de prisão para cada um deles.
6.2.- Condenar o arguido AA na pena única de um ano e um mês de prisão pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
6.3.- Suspender a pena de um ano e um mês de prisão pelo mesmo período de tempo com a obrigação do arguido:
6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
6.4. – Condenar o arguido AA pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, nº1, do C.P., na pena de cem dias de multa, à taxa diária de cinco euros para cada um deles.
6.5.- Condenar o arguido AA na pena única de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, pela prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º1, do C.P.
6.6.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de quatrocentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.7.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de setecentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.8.- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante DD contra o demandado AA e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia de setecentos euros, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
6.9.- Custas crime pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs, e custas dos respetivos pedidos de indemnização civil a cargo das respetivas demandantes e demandado, na proporção do decaimento.”

I.2 Inconformado parcialmente com tal decisão condenatória, veio o arguido AA interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...66):

1 - Foi o Arguido condenado a uma pena de multa, quanto aos crimes de injúria praticados e uma pena de prisão, suspensa na sua execução, pelos crimes de ameaça agravada.
2 - Todavia, o Tribunal a quo considerou oportuno e necessário condicionar a suspensão da pena a determinadas proibições/imposições, que o Arguido teria que cumprir, a saber,
a. 6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
b. 6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
c. 6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
3 - O Tribunal a quo na douta proferida, violou o disposto nos artigos 374º (requisitos da sentença, por falta de fundamentação desta), 379º/1/a) do Código de Processo Penal, ao não ter apresentado qualquer justificação ou raciocínio explicativo para a aplicação das referidas imposições/proibições.
4 - Consideramos que a conjugação dos artigos 374º e 379º/1/a) do CPP, obrigam o julgador a fundamentar e explicar, através de um raciocínio lógico e perceptível, passível de sindicância, as razões que o levaram à aplicação de uma pena de prisão, que considera dever suspender na sua execução, mediante o cumprimento de determinadas proibições.
5 - A escolha destas proibições, que se afiguram como verdadeiros requisitos de suspensão da pena, devem ser explicados, sendo possível ao leitor perceber a razão pela qual o Tribunal optou por aquelas e não outras ou ainda, percepcionar que as mesmas não são arbitrárias, mas antes justas, adequadas e equitativas.
6 - Ora, o Tribunal a quo após fazer a ponderação pela aplicação da pena de prisão e de suspender a sua execução, não explica, nem pouco, nem muito, as razões que considera imperiosas para a aplicação daquelas imposições (continuar a habitar e visitar o local onde o Arguido presentemente reside).
7 - Parece-nos que o Tribunal considerou tal fundamentação/raciocínio explicativo como desnecessário ou não obrigatório.
8 - O Tribunal a quo violou o disposto nos referidos normativos, interpretando-os de uma forma que não nos parece de acordo com a letra da lei, o que, salvo melhor entendimento, resulta numa nulidade insanável da sentença produzida pelo Tribunal a quo, na medida em que a falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão é total.
9 - O Tribunal a quo deveria ter fundamentado a escolha das referidas imposições/regras de conduta, para que as razões dessa escolha e não outra fosse perceptível e sindicável.
10 - Não o fazendo, deu causa a nulidade insanável da sentença produzida, na medida em que a falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão é total.
A acrescer e caso se assim não entenda, o que apenas se conjectura a título de cautela de patrocínio,
11 - O Tribunal interpretou o artigo 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal, no sentido de que as proibições em causa eram adequadas e proporcionais ao caso concreto, perante a factualidade dada como provada.
12 - No nosso entendimento, decidiu mal.
13 - Da conjugação dos factos dados como provados e não provados, resulta claro que estamos perante apenas um caso isolado, em que o Arguido, nos dias 21 e 22 de Junho de 2020, injuriou e ameaçou as Ofendidas.
14 - Resultando como não provado que esse comportamento se tenha repetido, posteriormente, no tempo.
15 - Assim, tais imposições parecem-nos desadequadas e desproporcionais,
16 - Parecendo-nos mais punitivas e retributivas do que na procura de reintegrar o agente na sociedade ou ainda de proteger os bens jurídicos em causa (paz, bom nome e integridade das Ofendidas), visto não ter sido provada a sua reiteração nem continuidade dos comportamentos.
17 - Para se obviar a uma perigosidade nem sequer demonstrada ou para se reintegrar o agente, proíbe-se este de habitar na sua morada habitual, sem que este tenha mais para onde ir, nem sequer tendo condições económicas para poder arrendar ou comprar um qualquer espaço onde possa viver, mais se proíbe o Arguido de visitar o seu filho, onde este habita ou a sua namorada, o que nos parece desajustado e desproporcional, violando-se, além do mais, o disposto nos artigos 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal.
18 - Devendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser alterada, sendo removidas as condições da suspensão da execução da pena de prisão.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão:
- Deverá ser reconhecida a nulidade insanável da sentença produzida pelo Tribunal a quo, em virtude de se verificar uma total falta de fundamentação quanto à aplicação das condições de suspensão da pena de prisão (regras de conduta impostas nos pontos 6.3.1., 6.3.2., 6.3.3. da douta sentença).
Sem prescindir e caso se assim não entenda, o que apenas a título de cautela de patrocínio se conjectura,
- Deverá ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser alterada, sendo removidas as condições de suspensão da pena de prisão (imposição de regras de conduta), a saber,
6.3.1.- não frequentar o bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”.
6.3.2. - não frequentar qualquer local ou estabelecimento comercial situado no bairro social existente na Avenida ..., ..., denominado como “...”..
6.3.3.- não habitar, mesmo que precariamente, em qualquer apartamento existente no bairro social existente na Avenida ..., ....
Porquanto as mesmas se revelam desajustadas e desproporcionais, violando-se, além do mais, o disposto nos artigos 52º/2/b) e c), 40º e 71º do Código Penal.
Vossas Excelências farão JUSTIÇA.

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Púbico, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que sustentou a manutenção da sentença recorrida (referência ...99).

Igualmente responderam ao recurso as Assistentes EE e CC, defendendo a manutenção da decisão recorrida (referência ...96).
Formularam as seguintes conclusões:

“1. A sentença não violou os artigos 374º e 379º n.º 1 alínea a) do Código Processo Penal, pois que se encontra claramente justificada e fundamentada a subordinação da suspensão da pena de prisão ao recorrente mediante o cumprimento da obrigação do arguido/recorrente.
2. Efetivamente, resulta clara e abundantemente da Douta Sentença quer dos factos dados como provados, quer na motivação do tribunal bem como na escolha da natureza e medida da pena os motivos e fundamentos criteriosamente avaliados com base num raciocínio lógico e coerente que justificam a aplicação das mencionadas obrigações impostas ao recorrente como condição da suspensão da pena aplicada em...

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