Acórdão nº 862/17.2Y7PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-14

Ano2022
Número Acordão862/17.2Y7PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 862/17.2Y7PRT.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Nos presentes autos de acidente de trabalho em que é sinistrada AA, residente Rua ..., ..., com patrocínio por mandatária judicial, e entidade responsável Companhia de Seguros W..., S.A., com domicílio na Av. ..., Porto, realizada perícia médica singular e infrutífera tentativa de conciliação, esta a 12 de Fevereiro de 2020, foi proferida, a 10 de Março de 2020, sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, e reconhecendo-se que a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho do qual lhe resultou uma incapacidade permanente parcial de 4% desde 04 de junho de 2019, condena-se a entidade responsável a pagar-lhe:
1 – o capital de remição da pensão anual de € 276,38, devida desde 05 de junho de 2019, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde tal data e até efetivo e integral pagamento;
2 – a quantia de € 20,00, a título de deslocações obrigatórias a tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 12 de fevereiro de 2020 e até efetivo e integral pagamento;
3 – a quantia de € 7.388,94, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento;
4 – a quantia de 1.581,33, a título de despesas com tratamentos, medicamentos e deslocações para efetuar fisioterapia e ao Centro de Saúde.
Oportunamente, calcule-se o capital de remição, nos termos do disposto no artigo 149º do Código de Processo do Trabalho.Encargos com os exames realizados a suportar pela entidade responsável – artigo 17º/8 do Regulamento das Custas Processuais.”
A seguradora apresentou requerimento, a 31 de Março de 2020, com o seguinte teor:
“Companhia de Seguros W..., S.A. entidade responsável nos autos de acção especial de acidente de trabalho à margem referenciados, notificada da sentença proferida nos autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada AA vem expor e requerer o seguinte:
1. A decisão reclamada condena a W... no pagamento do capital de remição de uma pensão calculada com base numa IPP de 4%, bem como no pagamento de indemnizações por incapacidades temporárias, no pagamento de despesas, tratamentos e medicamentos e no pagamento de despesas de transporte.
2. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, esta decisão constitui uma decisão surpresa, já que a sua prolação é feita cometendo uma nulidade processual – a omissão de acto legalmente devido (art.195º do C.P.Civil).
3. Na verdade, basta atentar no auto de tentativa de conciliação para se compreender que os presentes autos de acidente de trabalho deveriam ter prosseguido, após a já referida diligência, com a apresentação da petição inicial a que aludem os arts.117º, 1, b) e 119º do C.P.Trabalho.
4. Em tentativa de conciliação, as partes pronunciaram-se quanto ao acordo proposto pelo Ministério Público, assente no exame singular realizado à pessoa da sinistrada.
5. A proposta de acordo contemplava o pagamento do capital de remição de uma IPP de 4% e, bem assim, o pagamento de diferenças de indemnização por incapacidades temporárias, despesas de transporte, medicamentos e tratamentos.
6. A seguradora, aqui Reclamante, não só não concordou com o resultado do exame médico singular, aceitando apenas as consequências constantes do seu boletim de avaliação e incapacidade junto aos autos a fls.., como discordou do pagamento das despesas reclamadas pela sinistrada.
7. Quer isto dizer que as partes não só discordaram do grau de IPP atribuído pelo perito médico do INML como também de todas as outras rubricas reclamadas pela sinistrada.
8. Assim, não havia qualquer razão para que o processo seguisse para a junta médica prevista no art.138º, nº 1 e 117º, 1, b) do C.P.Trabalho.
9. Prova disso é a parte final do auto de tentativa de conciliação, cujo despacho remete o processo, justamente, para os arts.117º, 1, a) e art.119º, ambos do C.P.Trabalho.
10. Ora, o que a sentença recorrida consubstancia é, precisamente, a preterição do despacho do MP e, consequentemente, da discussão que as partes, nomeadamente a Recorrente, pretendiam ter na acção, discutindo não só a avaliação médico-legal como também as despesas reclamadas pela sinistrada em tentativa de conciliação e o seu nexo de causalidade com o acidente de trabalho.
11. Como é bom de ver, a preterição desta formalidade tem influência no exame e decisão da causa já que a seguradora, em face do despacho constante do final do auto de tentativa de conciliação, aguardou a propositura da acção para requerer a junta médica – art.138º, nº 1 do C.P.Trabalho – e para se pronunciar mais concretamente quanto às despesas reclamadas pela sinistrada, o que se viu impedida de fazer em função da prolação da sentença.
12. Assim, a sentença recorrida viola o art.195º do C.P.Civil, bem como os arts.117, 1, a) e 119º do C.P.Trabalho, configurando a preterição da apresentação de petição inicial uma nulidade processual atenta a influência directa no exame e decisão da causa, nulidade que expressamente se argui.
13. Devendo, portanto, a sentença ora proferida ser revogada e ser notificada a sinistrada para apresentar a petição inicial, conforme alude o art.119º, nº 1 do C.P.Trabalho e de acordo com o que, de resto, o Ministério Público havia determinado em sede de tentativa de conciliação.
Termos em que, concedendo provimento à presente reclamação, deve a sentença recorrida ser revogada e a sinistrada ser notificada para apresentar a petição inicial do art.119º do C.P.Trabalho.”
A sinistrada respondeu, por requerimento de 7 de Maio de 2020, nos seguintes termos:
“AA, sinistrada nos autos acima referidos, notificada para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela entidade responsável Companhia de Seguros W..., S.A., vem pronunciar-se da forma seguinte:
1. Nos presentes autos foi proferida sentença.
2. A entidade responsável Companhia de Seguros W..., S.A. veio dela reclamar, por meio de requerimento dirigido ao tribunal que a proferiu, peticionando a sua revogação.
3. Contudo, o meio usado (reclamação da sentença) não se adequa à finalidade pretendida (revogação da sentença), porquanto é inerente à natureza/essência do processo que, proferida a sentença, fique imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613º, nº 1, CPC), embora continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu.
4. Além de que, tratando-se, como inequivocamente se trata, de um processo urgente, e não tendo sido apresentado qualquer recurso, a douta sentença há muito transitou em julgado.
5. É pacífico que, após a prolação da sentença, esta só pode ser revogada por um tribunal superior, em sede de recurso e não pelo tribunal que a proferiu.
6. A entidade responsável vem invocar uma nulidade processual – a omissão de ato legalmente devido (art 195º do CPC), por requerimento apresentado após o prazo de 10 dias legalmente previsto, pelo que, além do mais, é extemporâneo. Sem prescindir,
7. E atendendo a que foi proferida sentença alegadamente “contaminada” por nulidade processual, o meio de reação à sentença teria que ser por via de recurso.
8. Assim se explica, entre outros, no douto Ac. do TRL no Proc 4794/18.9T8OER.L1-7, de 11-07-2019, tirado por unanimidade, sendo relatora Micaela Sousa, disponível em www.dgsi.pt que, na parte que nos interessa, versa sobre as nulidades processuais, sentença e respetivos meios de reação, onde se lê: (…)
9. Não querendo ser exaustiva, mas porque se entende que a matéria em discussão nos nossos autos é tratada a fundo neste aresto, toma-se a liberdade de transcrever mais um pouco do mesmo, pela sua clareza, onde se lê mais à frente: (...)
10. Segue ainda o mesmo aresto: (…)
11. Assim se conclui, transpondo para a questão em discussão nestes autos, e salvo melhor e mais douta opinião, é entendimento da sinistrada que não tendo sido interposto recurso, a douta sentença transitou em julgado.
12. Além do mais, a douta sentença não merece qualquer reparo, pelo que se requer seja indeferido o requerido pela entidade responsável Companhia de Seguros W..., S.A., devendo os autos prosseguir ulteriores termos, nomeadamente o cálculo do capital de remição e a designação de dia e hora para a sua entrega à sinistrada.”
Com data de 23 de Novembro de 2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Por requerimento sob a Ref. Citius 35280870, a entidade responsável “Companhia de Seguros W..., S.A.” veio reclamar da sentença proferida nos autos ao abrigo do disposto no artigo 138º do Código de Processo do Trabalho, arguido a sua nulidade processual por omissão de ato legalmente devido (artigo 195º do Código de Processo Civil). [no despacho refere-se o art. 915º, mas devido a manifesto lapso de escrita]
Em substância sustenta que em sede conciliatória as partes não só discordaram do grau de IPP atribuído pelo perito médico do INML, como também de todas as outras rubricas reclamadas pela sinistrada. Como tal o processo não deveria ter prosseguido para a junta médica prevista nos artigos 138º/1 e 117º/1, al. b) do Código de Processo do Trabalho, antes deveria ter aguardado a propositura da ação por parte da sinistrada.
Conclui que a sentença viola o artigo 195º do Código de Processo Civil, bem como os artigos 117º/1, al. a) e 119º do Código de Processo do Trabalho, configurando a preterição da apresentação de petição inicial uma nulidade processual atenta a influência direta no exame e decisão da causa, o que expressamente argui, requerendo que essa mesma sentença seja revogada e a sinistrada notificada para apresentar a petição inicial do citado
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