Acórdão nº 8547/21.9T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-10

Ano2023
Número Acordão8547/21.9T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 8547/21.9T8PRT.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõe este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré X... Companhia de Seguros, SA no pagamento da quantia de €12.002,00 euros, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.
Fundamentou a sua pretensão alegando, em síntese, ter celebrado com a ré um contrato de seguro que cobria os danos próprios da autora em caso de acidente com o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-DR-...
Que no dia 23/9/2017, BB conduzia o DR quando se despistou, tendo capotado. O DR foi considerado perda total. O acidente foi comunicado à ré em 24/9/2017, a qual, em 3/10/2017, comunicou que o valor da indemnização eventualmente a entregar à autora seria de 12.002,00 euros, descontado o salvado. Ulteriormente, a ré veio a declinar a sua responsabilidade por entender que o condutor do DR o fazia sob o efeito do álcool e com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida.
Acontece que aquele condutor, apesar de nunca a tal se ter recusado, não foi sujeito ao teste de alcoolemia pelo que não é possível afirmar que o mesmo conduzia sob o efeito do álcool.
Contestou pugnando pela improcedência da pretensão da autora, alegando em suma que era notório que aquele condutor conduzia sob o efeito do álcool, com taxa superior á legalmente permitida, pelo que se verifica a exclusão prevista no contrato de seguro celebrado, devendo por isso a ré ser absolvida do pedido.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho onde se indicou o objeto do processo, enunciaram os temas da prova e se admitiram os meios de prova arrolados pelas partes.
Foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
No final foi proferida sentença, com a seguinte parte decisória:
“Nestes termos, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo a ré X... Companhia de Seguros, SA do pedido formulado pela autora AA.
Custas a cargo da autora – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
Inconformada a Autora AA interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1- O Tribunal a quo errou na apreciação da prova.
2- Especialmente no tocante à matéria constante dos números 7 e 8 da matéria de facto dada como provada.
3- BB, condutor do veículo sinistrado, assumiu ter consumido bebidas alcoólicas no dia do acidente, encontrando-se, por isso, necessariamente sob efeito do álcool.
4- E isto porque, é sabido o álcool influencia a condução mesmo nas mais ínfimas quantidades, na medida em que afeta as capacidades do ser humano, nomeadamente para a condução.
5- No entanto, ao contrário de outros países que optaram pela tolerância 0 no que respeita às TAS dos condutores, Portugal permite a condução sob o efeito do álcool, desde que a TAS seja inferior a 0,5 gr/l álcool no sangue.
6- Assim, o que está em questão é saber qual a TAS com que BB conduzia o veículo sinistrado aquando do acidente,
7- E sobre este facto o Tribunal a quo não se pronunciou, mencionando apenas que a R. logrou fazer a prova de que o condutor do veículo sinistrado circulava com uma TAS superior ao permitido.
8- O Tribunal a quo não relevou aspetos essenciais nos depoimentos das testemunhas CC, BB e DD, que na sua globalidade demonstraram uma total ausência de prova relativa ao facto essencial cujo ónus incumbia à R.: que BB conduzia com uma TAS superior ao legalmente permitido.
9- Na verdade, os depoimentos das referidas testemunhas apontam no sentido contrário, já que todas confirmam a total ausência de sinais de embriaguez, ao contrário do que consta dos pontos 7 e 8 da matéria de facto dada como provada.
10- Dos factos dados como provados no processo crime n.º 114/17.8GTSTB, que correu os seus termos nos Juízo local Criminal de Almada– Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, não apontam para que o condutor BB conduzisse sob o efeito do álcool.
11- Sendo certo que, para que a R. pudesse afastar a sua responsabilidade na indemnização pelos danos decorrentes do acidente, o conceito de condução sob efeito do álcool teria de ser quantificado, o que em nenhum processo aconteceu.
12- Na verdade, BB foi condenado pelos crimes de falsas declarações e condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 291º do Código Penal, em virtude de ter efetuado uma manobra proibida por lei: ultrapassagem pela direita; e não pela condução de veículo sob o efeito do álcool.
13- No processo em apreço vem a A. peticionar o pagamento dos danos sofridos na sua viatura em consequência do acidente ocorrido em 23 de setembro de 2017.
14- O tribunal a quo deu como provado que o condutor do veículo sinistrado (matrícula ..-DR-..) de ora em diante veículo DR, o conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.
15- No entanto, inexiste prova nesse sentido, sendo certo que BB, condutor da viatura DR não conduzia com uma TAS superior ao legalmente permitida.
16- A A. logrou fazer toda a prova dos factos por si alegados e cujo ónus lhe competia.
17- O mesmo não se pode dizer da R.
18- Na verdade, o depoimento das testemunhas contraria o afirmado pela sentença recorrida que afirma que o condutor se encontrava visivelmente embriagado.
19- O tribunal a quo também não relevou as circunstâncias que explicam de forma cabal o comportamento do condutor da viatura DR e da passageira do mesmo, DD.
20- A A. não teve qualquer intervenção em todo este processo a não ser ir buscar o filho ao local do acidente.
21- Os efeitos do álcool variam de pessoa para pessoa, e inexiste prova, nomeadamente testemunhal que sustente a afirmação do tribunal a quo de que o condutor da viatura DR estaria num estado de euforia, quando não há relatos de que tal tenha sucedido (nem no presente processo, nem no processo criminal que também serviu de fundamentação à sentença).
22- A sentença recorrida refere que as testemunhas no processo crime afirmaram que BB se encontrava visivelmente embriagado, não fundamentando tal afirmação, o que desde logo torna difícil a defesa. Qual, ou quais, foi, ou foram, a(s) testemunha(s) que o mencionou, ou mencionaram, que BB estava visivelmente embriagado, em que se baseariam estas afirmações? É que as testemunhas do processo crime afirmaram que BB estava nervoso, o que, dado ter acabado de sofrer um acidente (com uma viatura que nem era sua), era normal.
23- A sentença recorrida tem como fundamentação o facto de que “resulta claramente a condução sob o efeito do álcool, com uma taxa claramente superior à permitida pela lei, conforme o revelam os factos dados como provados que permitem concluir por uma desinibição e euforia na condução típica da condução sob o efeito de uma qualquer substância que tolde os sentidos, a lucidez e diminua o grau de responsabilidade em oposição ao crescimento da sensação de invencibilidade e euforia.”
24- Analisemos, então o que é esta típica desinibição e euforia na condução sob o efeito do álcool.
25- No entanto, esta teoria entra claramente em contradição com os dados científicos que apontam para que a euforia que o tribunal a quo menciona resulte de um efeito imediato do álcool no organismo dos seres humanos. Apesar de ter um efeito estimulante inicial, induzindo um estado de euforia, desinibição, e perda, muitas vezes, da noção do perigo, na fase seguinte, os efeitos depressores do álcool, começam a tornar-se mais notórios, surgindo a falta de coordenação motora (ex. andar a cambalear), sonolência e lentidão do pensamento (ex. dificuldade em falar), diminuição da capacidade de reação, de atenção e de compreensão.
26- Ora, esta euforia não se verificaria se os factos fossem aqueles que foram dados como provados a sentença recorrida, desde logo porque, atenta a quantidade de álcool que a sentença insinua ter consumido e o tempo de absorção do álcool pelo organismo humano, faria com que o condutor tivesse já passado a fase da euforia e entrado numa fase depressiva.
27- Do site da ANSR consta: “Está demonstrado que é mais perigoso o condutor que ingeriu qualquer bebida alcoólica em quantidades pequenas ou moderadas do que o que está declaradamente embriagado. Este não tentará conduzir. O primeiro sim, está convencido que se encontra em ótimas condições, sobrestima as suas faculdades e inclina-se a correr riscos no preciso momento em que as suas capacidades já se encontram reduzidas devido aos efeitos do álcool contido na bebida. O condutor sob o efeito do álcool muito dificilmente tem consciência das suas limitações. Contudo, mesmo com valores pouco elevados de TAS as capacidades necessárias para a condução segura já se encontram diminuídas (tanto mais quanto maior for a intoxicação alcoólica) muito antes do estado de embriaguez ser atingido.”
28- E daqui resulta uma contradição insanável na versão dos acontecimentos dada como provada pelo tribunal a quo: este estado de euforia resulta de um estado inicial dos efeitos do álcool, que é mais patente com a ingestão de quantidades mais reduzidas ou moderadas de álcool.
29- Mas ainda que assim não fosse, e o condutor estivesse no tal típico estado de euforia, então não se aperceberia do seu estado de embriaguez e não haveria razão para conluiar com DD para que esta se declarasse condutora da viatura DR.
30- DD, apresentava todos os típicos sinais de embriaguez: sonolência (dormia na altura do acidente), vómitos (tinha vomitado pelo menos duas vezes antes do acidente) alteração da capacidade de raciocínio (só isso explica ter-se dado como condutora por achar que BB não tinha título
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