Acórdão nº 8357/23.9T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão8357/23.9T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:8357/23.9T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Avenida ..., n.º ..., 3.º andar, ... Porto, instaurou procedimento especial de despejo contra:
a) A.... - Unipessoal, Ld.ª., com sede na Avenida ..., ..., Gondomar, ... ..., e
b) BB e mulher CC, residentes na Rua ..., ..., 1.º direito, ... Porto, onde concluiu pedindo:
a) seja declarada a cessação do contrato de arrendamento com efeitos em 30 de Abril de 2023, em virtude da oposição à renovação deduzida pelo Autor, e, consequentemente,
b) Seja a 1.ª Ré condenada a proceder à desocupação efectiva do locado e à sua imediata entrega ao Autor livre de pessoas e bens;
c) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor, a título de indemnização pela mora na restituição do bem locado, o montante de € 1.700,00 por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efectiva entrega do locado, livre de pessoas e bens.
Alega, em síntese, que, celebrado o contrato de arrendamento com a primeira ré, efectuou a comunicação de oposição à renovação do referido contrato, não tendo a ré entregue o locado.
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Citados, os requeridos deduziram oposição, sustentando que não se verificam os pressupostos de oposição à renovação.
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Por despacho saneador sentença datado de 17 de Outubro de 2023, rectificado por despacho de 19 de Outubro, julgou-se a acção procedente e, em consequência:
a) declarou-se a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a 1 de Maio de 2023, em virtude da oposição - válida - à renovação deduzida pelo Autor;
b) condenou a 1.ª Ré a proceder à desocupação efectiva do locado e à sua imediata entrega ao Autor livre de pessoas e bens;
c) condenou os réus, solidariamente, a pagar ao Autor, a título de indemnização pela mora na restituição do bem locado, o montante de € 1.700,00 por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efectiva entrega do locado, livre de pessoas e bens.
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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os recorrentes, A.... - Unipessoal, Ld.ª, BB e mulher CC, interpor recurso de apelação, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

I.O presente recurso de apelação é interposto da sentença a quo, que condenou os Recorrentes na desocupação do locado, declarando a cessação do contrato de arrendamento a 01 de Maio de 2023, e condenou ao pagamento a titulo de indemnização do montante de € 1.700,00, por cada mês de atraso na entrega do locado.

II. A sentença em crise padece de erro sobre a aplicação do direito, sendo que foi aplicado de forma incorreta a norma do art. 1096.º, n.º 1 C.C., na versão atual, indicada pela Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro e, ao considerar válida a carta de oposição à renovação por iniciativa do senhorio.

III. Além disso, padece ainda de erro sobre a aplicação do direito, ao considerar que existe mora na restituição do locado, por parte dos recorrentes, condenando-os no pagamento, a título de indemnização, do montante de € 1.700,00 (mil e setecentos euros) por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efetiva entrega do locado.

IV. A sentença recorrida, adotou a posição da natureza supletiva da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., no entanto, o entendimento dominante na doutrina é no sentido contrário, onde a norma assume uma posição imperativa caso a cláusula de renovação automática seja por um período inferior a 3 anos.

V. É entendimento dos recorrentes que a norma do artigo 1096.º, n.º 1 C.C., na sua versão atual, deve ser interpretada no sentido de que apenas é permitido às partes convencionarem o afastamento da automaticidade da renovação do contrato, sendo certo que, a ocorrer, terá sempre de respeitar o prazo mínimo imperativo de 3 anos, encontrando-se vedada a estipulação de prazos de prorrogação inferiores àquele.

VI. O contrato em causa nos autos, iniciaria a 01 de Maio de 2017, com um prazo inicial de 5 anos, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano.

VII. A Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, entrou em vigor, no período contratado, não tendo ocorrido qualquer renovação, alterando o período mínimo de renovações de um contrato de arrendamento.

VIII. Atendendo ao preceituado no artigo 12.º do C.C., relativamente à aplicação da lei no tempo e, visto que na Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, não existe nenhuma norma transitória, aplica-se ao contrato de arrendamento objeto dos autos, sendo que a 30 de Abril de 2022, o contrato renova-se por mais 3 anos.

IX. A sentença recorrida andou mal, ao considerar, desde logo, a carta de oposição à renovação válida, uma vez que, foi enviada a 16 de Dezembro de 2022, rececionada a 21 de Dezembro de 2022, reportando-se os seus efeitos para 30 de Abril de 2023.

X. Sucede que, nessa data, os recorrentes encontravam-se ao abrigo da 1.ª renovação, que segundo a lei atualmente vigente e, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominante, imperativamente será por um período de 3 anos.

XI. Para uma correta interpretação da norma, deve atender-se desde logo à sua ratio, assim como ao fundamento base da criação da lei.

XII. Nessa medida, retira-se da Exposição dos Motivos que a Proposta de Lei n.º 129/XIII, tem como propósito “promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento.”

XIII. O entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais portugueses, ao abrigo da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, vai no sentido da imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C.

XIV. Veja-se o Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 25/01/2023, Processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos; o Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2023, Processo n.º 824/22.3T8VCT.G1, relatora Raquel Batista Tavares.

XV. Mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2023, Processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1, relatora Isabel Silva: “(…) ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.”

XVI. O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2023, Processo n.º 1627/21.2YLPRT.G1, relator Alcides Rodrigues): “Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.”

XVII. E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/10/2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1, relator Paulo Dias Da Silva): “Quer com tal dizer-se que, com a nova redacção deste artigo, as partes: a) têm liberdade para fixar a não renovação do contrato - o que é permitido pela oração “Salvo estipulação em contrário”
Mas,
b) Caso prevejam a sua renovação, e agora de forma imperativa, esta terá de ser igual ao período do contrato ou de 3 anos, caso este seja inferior.”

XVIII. De referir que, também o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro De Lima Gonçalves), já se pronunciou quanto à questão da imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., confirmando a posição do período mínimo de renovação de 3 anos.

XIX. A jurisprudência maioritária, entende que a norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., é imperativa, sendo que, a existir clausula de renovação automática do contrato de arrendamento, terá um período mínimo de 3 anos. Sendo que, a expressão “Salvo estipulação em contrário”, refere-se apenas e só, à liberdade contratual das partes para contratarem ou não a cláusula de renovação automática.

XX.
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