Acórdão nº 7135/20.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.
Relatório 1.
AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Sociedade de Construções Modelar Pedroguense. Lda., pedindo: a) que fosse declarada válida e eficaz a oposição deduzida pelo Autor, em 4 de julho de 2019, à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.°l do art.° 1097.° do Código Civil; b) que fosse declarado extinto o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré, em 7 de fevereiro de 2018, referente à fração urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...66 da freguesia ...; c) a condenação da Ré a entregar o locado ao Autor, devoluto de pessoas e bens; d) a condenação da Ré a pagar ao Autor o valor de 2.700,00 € (dois mil e setecentos euros), desde 1 de fevereiro de 2020, por cada mês de atraso, até efetiva entrega do locado.
O Autor alega, em síntese, que: - é proprietário da fração urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n.°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...66 da freguesia ...; - por contrato datado de 7/02/2018, o Autor deu de arrendamento a referida fração à ora Ré, para habitação própria e temporária, pela renda mensal bruta de €1.350,00, pelo prazo de um ano, com início em 1 de fevereiro de 2018, renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos da lei; - em 5/07/2019, o Autor remeteu à Ré uma carta registada com aviso de receção, pela qual comunicou a denúncia do contrato de arrendamento e solicitou a entrega do arrendado, desocupado e limpo, até 31 de janeiro de 2020.
- a aludida carta foi recebida pela Ré no dia 8/07/2019; - a Ré não procedeu à entrega do locado, continuando a utilizar a fração arrendada.
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Citada, a Ré veio contestar, por exceção e por impugnação, alegando, em síntese que: - com a entrada em vigor da Lei n.° 13/2019, de 12 de fevereiro, o contrato de arrendamento passou a ter uma duração inicial de, pelo menos, 3 anos (cf. a nova redação dada por aquele diploma ao n.° 3 do artigo 1097.° do Código Civil, aplicável ao contrato em causa ex vi do art. 16.° da referida Lei n.° 13/2019), prazo esse que ainda não se havia completado à data de 31 de janeiro de 2020, pelo que a oposição à renovação comunicada pelo Autor em 4 de julho de 2019 é ineficaz para o efeito a que se propôs; - tendo o arrendamento sido feito pelo prazo de um ano, renovável, a Ré pagou, logo na data da assinatura do contrato, a totalidade das rendas (12 meses) relativas ao 1.° ano de vigência do arrendamento e uma caução no valor de € 1.350,00.
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Foi proferido Saneador/Sentença, com o seguinte teor decisório: «Nestes termos, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré Sociedade de Construções Modelar Pedroguense Lda. dos pedidos formulados pelo autor AA.
Custas a cargo do autor, cfr. artigo 527 e, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Fixo o valor da causa em €40.500,00, cfr. artigo 298 e, n.º 1 e 306.º do Código de Processo Civil.» 4.
Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir Acórdão, com o seguinte teor decisório: “Acordam, em conferência, os juízes desta Relação em confirmar a Decisão sumária do relator que: a) concedeu provimento à Apelação do Autor, tendo revogado consequentemente a sentença recorrida e julgado a acção procedente, por provada, declarando válida e eficaz a oposição deduzida pelo Autor/Apelante, em 4 de Julho de 2019, à renovação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré/Apelada, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n°l do artigo 1097° do Código Civil, declarando extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Apelante e a Ré/Apelada, em 7 de Fevereiro de 2018, referente à fracção urbana identificada pela letra ..., correspondente ao ... andar ..., destinado a habitação, do prédio sito na Rua ..., n°ll, freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz com o art.º ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...66 da freguesia ..., e condenado a Ré ora Apelada a pagar ao Autor, a título de indemnização pelo atraso na restituição do imóvel arrendado, a quantia total de €64.800,00 (sessenta e quatro mil e oitocentos euros); b) Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de condenação da Ré ora Apelada na entrega do locado, livre de pessoas e bens, ao Autor/Apelante; Do mesmo passo, julgam improcedente a imputação à Decisão sumária do relator da pretensa nulidade, por falta de fundamentação de facto (art. 615°, n° 1, al. c), do Código de Processo Civil) em que ela teria, alegadamente, incorrido, por ter condenado a Ré/Apelada ora Reclamante no pagamento duma indemnização no valor de € 64.800,00, pelo atraso na restituição do imóvel arrendado, no pressuposto (não demonstrado) de que a Recorrida nada teria pago ao Recorrente, a esse título, no período transcorrido entre 1-02-2020 e 31-01-2022, apesar de nada constar a tal respeito na matéria de facto fixada em 1.ª instância, porquanto, como o pagamento não se presume, carecendo de ser invocado e provado (art. 342°, n° 2, do Código Civil), competiria à ex-arrendatária o ónus de alegar (no requerimento apresentado em juízo em 01.02.2022, em que informou esta Relação de que, na pendência do recurso, havia restituído o imóvel arrendado à Autora em 31.01.2022) ter pago a renda até essa data - o que ela omitiu completamente -, pelo que a condenação da Reclamante no pagamento duma indemnização líquida de € 64.800,00 (€1.350,00 x 2 x 24 meses) está factualmente estribada nos factos que as partes curaram de alegar e provar, nos respectivos articulados e requerimentos, não podendo o tribunal presumir um pagamento extra-judicial não invocado, na sede própria, por quem tinha o ónus de o fazer (art. 5.º, n° 1, do Cód. de Proc. Civil) - razão pela qual indeferem esse segmento da Reclamação da Ré/Apelada contra a Decisão Sumária do relator.
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Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª Consideram-se aqui integralmente reproduzidos os factos dados como provados na 1ª instância, que não foram objecto de qualquer impugnação junto do Tribunal “a quo”.
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O douto Acórdão recorrido violou manifestamente o disposto na 2ª parte, do nº 2, do artº 12º do Código Civil.
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Dispõe o artº 12º do Código Civil: 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
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Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
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O artº 12º, nº 2, distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial - de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte).
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Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa essa data. Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos de execução duradoura ou continuada.
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A Lei nº 13/2019, ao abrigo do artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.
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Refere Juíza Conselheira do STJ, Professora Maria Olinda Garcia, in “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei nº 12/2019 e pela Lei 13/2019, JULGAR On line, março de 2019, pág. 10: “Uma breve leitura das alterações introduzidas nestas...
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