Acórdão nº 83/21.0T8PDL-C.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-30

Ano2023
Número Acordão83/21.0T8PDL-C.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Na execução para pagamento de quantia certa que a Caixa Económica Montepio Geral moveu a ES, o executado deduziu oposição por embargos de executado, aí pedindo a extinção da execução.
Recebidos os embargos e apresentada contestação pela exequente, foi proferida sentença que declarou extinta a execução.
Interposto recurso dessa sentença pela exequente/embargada, por acórdão de 13/1/2022 deste Tribunal da Relação de Lisboa foi o mesmo julgado improcedente, com a manutenção da sentença recorrida.
Sem que tal acórdão houvesse transitado em julgado, veio em 17/1/2022 o executado/embargante apresentar nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Por requerimento de 2/2/2022 a exequente/embargada veio arguir a intempestividade do requerimento e bem ainda reclamar da nota apresentada.
Tendo em 16/2/2022 a exequente/embargada interposto recurso do acórdão de 13/1/2022, e tendo o mesmo sido admitido como revista excepcional, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/9/2022 foi confirmado o acórdão recorrido.
Sem que tal acórdão houvesse transitado em julgado, veio em 23/9/2022 o executado/embargante apresentar nova nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Tendo em 29/9/2022 a exequente/embargada apresentado reclamação do acórdão de 15/9/2022, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2022 foi a mesma indeferida.
Por requerimento de 21/11/2022 o executado/embargante apresentou nova e definitiva nota discriminativa e justificativa de custas de parte, aí reclamando o reembolso da quantia global de € 8.338,50, a efectuar pela exequente/embargada por transferência bancária para o IBAN que indicou.
Tendo sido certificado que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10/11/2022 transitou em julgado em 24/11/2022, e tendo os autos baixado à primeira instância, a exequente/embargada apresentou em 9/12/2022 requerimento com o seguinte teor:
CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, embargada nos autos, transitada em julgada a sentença final, requer que V/Exa ordene o necessário a apreciação da reclamação da conta discriminativa de custas de parte apresentada 02/02/2022, sendo que a ora embargada apenas deverá ser devedora do necessário ao reembolso das taxas de justiça suportadas pela embargante e a compensação a patrono nomeado”.
Após resposta do executado/embargante, onde conclui que “a embargada é devedora da nota ora apresentada e junta aos autos principais e apensos, igualmente, enviada por email ao ilustre mandatário da embargada, devendo proceder ao seu pagamento dentro do prazo legal para o efeito, sem mais expedientes dilatórios, sem intuito sério ou construtivo e sem cabimento processual”, com data de 14/12/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Caixa Económica Montepio Geral apresentou reclamação à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada por pelo executado, mas não procedeu ao depósito prévio do valor da nota, como impõe o artigo 26.º-A, nº 2 do R.C.P.
Pelo exposto, não se aprecia a reclamação à nota justificativa apresentada.
Notifique.
Sem custas atenta a simplicidade”.
A exequente/embargada recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com correcção dos erros de escrita):
1- O douto Tribunal a quo indeferiu a apreciação da reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte,
2- Sustentando que a Recorrente não efectuou o prévio depósito dos valores constantes daquela nota, como impunha o artigo 26.º-A n.º 2 do RCP.
3- Entende a Recorrente que o depósito prévio de tais quantias coarcta o seu acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, violando o artigo 20.º da Constituição,
4- Sendo que o teor do artigo em causa é materialmente inconstitucional por limitativos do exercício de tais direitos constitucionalmente fundamentais.
5- Caso assim não se entenda, a Recorrente propugna que a nota justificativa e discriminativa das custas de parte deveria estar sujeita ao crivo, ainda que sumário, do douto Tribunal a quo.
6-A nota discriminativa apresenta graves erros de cálculo e quantias que não deveriam estar incluídas na reclamação.
7- Seja por erro ou má-fé, o embargante aumentou substancial e injustificadamente o valor global devido pela Recorrente,
8- Sendo evidente a desadequação dos valores aí obtidos estando em desarmonia com as normais legais in casu aplicáveis.
9- A imposição do depósito prévio dos valores devidos na nota discriminativa não é impeditiva que o douto Tribunal a quo deva ou possa apreciar, mas apenas sumariamente, se os valores indicados na nota discriminativa têm um mínimo de correspondência com os valores pagos no processo pela parte que elaborou a nota.
10- Era essa conduta que o douto Tribunal a quo se deveria ter cingido.
11- Pelo que deverá ser revogado o despacho em crise ser substituído por outro que julgue materialmente [in]constitucional o teor do artigo 26.º-A n.º 2 do RCP por violação do artigo 20.º da Constituição ou, se assim não se entender,
12- Ser substituído por outro despacho que decrete a apreciação, ainda que sumária, da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, e bem assim determinar se os valores indicados na nota discriminativa têm um mínimo de correspondência com os valores pagos no processo pela parte que elaborou a nota,
13- sem que seja imposta a esta o depósito prévio dos valores da nota discriminativa em causa.
O executado/embargante não apresentou alegação de resposta.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende‑se com a inexigibilidade do depósito a que respeita o nº 2 do art.º 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, como condição de apreciação da reclamação da exequente/embargada à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelo executado/embargante.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Sustenta a exequente/embargada que a jurisprudência do Tribunal Constitucional que resulta dos acórdãos 227/2007, 470/2007, 471/2007, 116/2008, 266/2010, 421/2013, 604/2013 e 844/2014 conduz a afirmar que o impedimento da apreciação da reclamação fundado na falta de depósito dos valores devidos segundo a nota reclamada se apresenta como violador do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, tal como configurado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
No referido acórdão 227/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79€, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão”.
No referido acórdão 470/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada”.
No referido acórdão 471/2007 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20.º, da C.R.P., conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artº 2.º, da C.R.P., a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, nº 1, 15.º, nº 1, o), 18.º, nº 2, e tabela anexa do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado desse montante”.
No referido acórdão 116/2008 do Tribunal Constitucional foi decidido “julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor
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