Acórdão nº 807/18.2PAVCD-P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão807/18.2PAVCD-P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso Penal n.º 807/18.2PAVCD.P1
Comarca do Porto.
Juízo Local Criminal de Vila do Conde

Acórdão, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - Relatório.

No Processo Comum Singular nº 807/18.2 PAVCD do juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 3, foi submetido a julgamento o arguido AA.
A sentença da 1ª instância lida a 29.11.2022 tem o seguinte dispositivo:
«Por todo o supra exposto, decide-se:
- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e imediata e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e), por referência ao artigo 202º al. d), todos do Código Penal, como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva;
- Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, cuja taxa de justiça se fixa em 2 UC, nos termos dos artigos 513º nº 1 do Código de Processo Penal.
Deposite a presente sentença, de acordo com o artigo 373º nº 2 do Código de Processo Penal.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal, de harmonia com o disposto no artigo 374º nº 3 d) do Código de Processo Penal e comunique a presente sentença ao T.E.P. e ao E.P.»
*
Após a competente notificação pessoal o arguido inconformado com a decisão veio recorrer apresentando a competente motivação, onde sumariou as seguintes conclusões:
«1. Decorre da douta sentença que, nestes autos, “Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na ausência do arguido (regularmente notificado), com observância do formalismo legal.”
2. Sucede, porém, que nestes autos o arguido foi julgado na ausência, cfr. artigo 333.º, n.º 2 do CPP, cujo figurino se entendeu como preenchido, como resulta da ata da audiência de julgamento de 18 de Novembro de 2022.
3. Sendo que, no dia 29 de Novembro de 2022, o arguido foi julgado na ausência, como resulta da ata da audiência de julgamento dessa data.
4. Porém, aquando das diligências tendentes à notificação da sentença ao arguido, o mesmo toma conhecimento da mesma já na situação de reclusão, desde o dia 10/11/2022.
5. Situação essa em que já se encontrava aquando da realização da audiência de julgamento de 18 de Novembro de 2022, bem como, da expedição da notificação destinada a dar-lhe conhecimento da audiência de julgamento de 29 de Novembro de 2022, a qual veio a ser depositada no dia 22/11/2022, na morada por si indicada aquando da prestação do TIR.
6. E, deste modo, forçoso será concluir que o Arguido não estava regularmente notificado da data designada para julgamento, para as audiências de 18/11/2022 e 29/11/2022.
7. Nas datas supra mencionadas, o arguido estava preso no EP ... e, portanto, não pode concluir-se, sem mais, que teve conhecimento do teor das notificações.
8. Em matéria de notificações, haverá de atender-se à situação especial daquele que se encontra preso, plasmada nos artigos 114.º, n.º 1 e 332.º, n.º 2, derrogando a disposição legal contida no artigo 114.º, n.º 1 a aplicação da norma geral constante do artigo 113.º, todos do CPP.
9. Mais se diga que, a circunstância de o arguido ser posteriormente preso à ordem de outro processo não obsta à formulação do entendimento supra citado, conforme também se entendeu no acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de 25/10/2021, Proc. 505/18.7GASEI.G1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Ora, não tendo o arguido sido notificado por funcionário, nem tendo sido requisitada a sua comparência ao estabelecimento onde se encontrava preso, parece-nos que tanto basta para que se conclua que o arguido não foi “regularmente notificado”, pressuposto exigido pelo citado artigo 333.º, n.º 1 do CPP para o seu julgamento na ausência.
11. Tendo a ausência do arguido sido “forçada”, decorrente do facto de ter sido preso à ordem de outro processo, não recaía sobre o mesmo a obrigação de mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, como resulta do artigo 196.º, n.º 1, al. c), do CPP.
12. Porquanto, a obrigação que decorre do artigo 196.º, n.º 1, al. c), do CPP tem como pressuposto que tal alteração de residência resulte de um ato voluntário do arguido, o que não ocorreu no caso vertente.
13. No caso, e independentemente de o arguido morar, ou não, no local que indicou no TIR, resulta dos autos que está preso desde o dia 10/11/2022, no Estabelecimento Prisional ....
14. Assim sendo, não é aceitável que se trate esta situação como uma ausência voluntária, pois que se trata de uma ausência imposta pelo Estado Português.
15. Nem se mostra razoável onerar o arguido com a obrigação de comunicação da ausência da residência, nem se poderá considerar o arguido como validamente notificado, dos despachos que designaram dia e hora para o julgamento.
16. Estando o arguido aos cuidados do Estado Português desde 10/11/2022, o razoável é que o próprio Estado que o deteve informasse os demais serviços públicos da situação daquele cidadão, neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/12/2021, Relator Cândida Martinho, pesquisável em www.dgsi.pt.
17. Não se verificando os pressupostos do julgamento na ausência, a presença do arguido era obrigatória, cfr. o art. 332.º do CPP, pelo que, ao realizar-se o julgamento sem a sua presença, foi cometida a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPP que aqui expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
18. Tal nulidade, arguida pelo recorrente, mas que pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, torna inválido o ato em que se verificou, bem como os que dela dependem, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado, conforme disposto no artigo 122.º, n.º 1 do CPP.
19. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio sempre se diga que, salvo o devido respeito por opinião divergente, é nossa profunda convicção, que o tribunal andou mal ao condenar o Arguido/Recorrente.
20. Porquanto, com o devido respeito, somos do entendimento que a matéria de facto constante dos pontos 9 e 10 (apenas nas vertentes transcritas) deverão ser julgados como não provados.
21. Refira-se que a testemunha BB quando inquirido sobre se o arguido estava a remexer em objectos da sua residência, esclarece que quando se apercebe da presença do arguido o mesmo “(...)estava a entrar pela porta dentro, não me chegou a entrar totalmente dentro de casa, entrou a cêntimetros se calhar ou só meio metro para dentro da porta, foi quando eu apareci e ele recuou...”.(cfr. depoimento sido prestado no dia 23/09/2022, conforme ata dessa data, e o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 10 horas e 12 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 25 minutos)
22. Resulta claro e inequívoco do depoimento da testemunha BB que o arguido apenas entrou escassos cêntimetros na sua residência e apenas lá permaneceu por brevíssimos instantes, mais relata que tinha bens na sua habitação, dando conta, que possuía diversos electrodomésticos, fogões, máquinas da loiça e roupa.
23. Resulta, assim, claramente do depoimento da testemunha CC que o Arguido agiu sozinho, que não se encontrava acompanhado por terceiros, nem se fazia acompanhar por equipamentos ou recipientes que o auxiliassem no transporte de bens ou objectos (cfr. o seu depoimento sido prestado no dia 23/09/2022, conforme ata dessa data, e o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 10 horas e 25 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 43 minutos).
24. Acresce notar que resulta notório do depoimento da testemunha DD que a residência furtada se situava num prédio habitacional com andares, sendo manifesto que o arguido para entrar na residência em causa teve subir vários lanços de escadas, (cfr depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 13 horas e 58 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 06 minutos)
25. De salientar que também esta testemunha refere que o arguido se encontrava desacompanhado de quaisquer equipamentos ou recipientes de transporte.
26. Da globalidade da prova produzida, denota-se que o Tribunal a quo desvalorizou a dinâmica e a forma rudimentar em que os factos decorreram.
27. Porquanto, da prova testemunhal produzida resulta claro que o arguido se encontrava sozinho, apeado e não é referido em momento algum que utilizasse qualquer tipo de veículo.
28. No mais as testemunhas BB e CC aludem sempre, nos seus depoimentos, a bens de grande porte existentes na casa de habitação sita na Av. ... em Vila do Conde, nomeadamente, máquinas da loiça, da roupa, fogão, guitarras...
29. Isto tudo para dizer que, não é crível que um arguido sozinho, que seguiu a pé, sem recurso a quaisquer outros meios, nomeadamente alguma viatura, agisse “na concretização de um plano previamente traçado” e que o arguido tinha prévio conhecimento que dentro da referida habitação encontraria “objetos de valor”.
30. Aliás, acresce notar que a expressão “objetos de valor” é um conceito genérico e, por isso, indeterminável.
31. Sendo que o tribunal nem sequer cuidou de na descoberta da verdade material ter determinado a realização de uma perícia para determinar o real valor dos objectos existentes na habitação.
32. Assim sendo, da análise da prova produzida apenas é forçoso concluir que subsiste a dúvida se dentro da habitação em apreço existiam bens de valor e o que se entende por valor, designadamente permanece a dúvida sobre a existência de jóias, relógios, ou seja objectos de pequena
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