Acórdão nº 793/21.1JALRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-07

Ano2023
Número Acordão793/21.1JALRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA)


Proc. nº 793/21.1JALRA.C1

PROCESSO COMUM COLECTIVO

Crime de violação agravado

Erro de julgamento

JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – Juiz ...

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria


Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1. … foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, tendo sido o mesmo, por acórdão datado de 17/1/2023, ABSOLVIDO da prática de um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164º, nº 2, alínea a) e 177º, nº 6 do Código Penal, doravante CP.

Em consequência, foram também julgados totalmente improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos …[1]

2. Desta sentença recorreu o Magistrado do Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):
1- «…
2- O artigo 127º do Código de Processo Penal, dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.
3- Se o Tribunal valorar a prova contra os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, ou errando na crítica dos factos, incorre em erro na apreciação da prova.
4- Nos termos do disposto na al. a), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, foram incorrectamente julgados como provados os pontos de facto expressamente referidos no ponto A.1.1) da presente Motivação de Recurso.
5- Nos termos do disposto na al. a), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, foram incorrectamente julgados como não provados os pontos de facto expressamente referidos no ponto A.1.2) da presente Motivação de Recurso.
6- Nos termos da alínea b), do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, os meios de prova que impõem decisão diversa são os expressamente referidos no ponto A.1.3) da presente Motivação de Recurso.
7- Nos termos do disposto na alínea c), do nº 3, do artigo 412º e do nº 4 do Código de Processo Penal, devem ser renovadas as declarações para memória futura prestadas pela menor, bem como os depoimentos das testemunhas BB e CC e ainda, o teor da informação clínica, dos relatórios periciais, e do exame psicológico realizado a DD, devendo os mesmos ser analisados criticamente.
8- Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, als. a), b) e c) e 4, do Código de Processo Penal, a renovação das declarações para memória futura prestadas pela menor, bem como dos depoimentos das testemunhas BB e CC e ainda, o teor da informação clínica, dos relatórios periciais, e do exame psicológico realizado à menor, nos termos expressamente constantes dos pontos A.1.3) e A.1.4) da presente Motivação de Recurso.

9- …
10- …
11- …
12- …
13- Deste modo, atento tudo quanto ficou escrito, perante o quadro de elevado grau de desvalor objectivo e ético-subjectivo demonstrados, sendo o dolo intenso, os propósitos do arguido, nomeadamente, tendo em conta que actuou com dolo directo, o modus operandi, o período de tempo em que a conduta teve lugar, a idade da ofendida e do próprio arguido à data dos factos, o juízo de censurabilidade ético-jurídica e, portanto, de culpabilidade revelante, ao que acresce o facto de ter mantido actos sexuais de cópula vaginal completa com a menor, assim como atentas as exigências de prevenção geral e especial sentidas no caso concreto, cremos que se mostra acertada a pena de prisão de 4 anos e 6 meses, suspensa na sua execução, por igual período, acompanhada de regime de prova, pois que está longe de ultrapassar a medida da culpa do arguido, apresentando-se, salvo melhor e mais douto entendimento, como adequada, proporcional e necessária.
14- …
15- …
16- Mais devendo AA ser condenado no pedido de indemnização cível deduzido pelo Ministério Público, em representação da menor …
17- …
18- …».

3. Não houve qualquer resposta.

4. O Exmº Procurador da República neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo penal (doravante CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a questão a decidir consiste essencialmente em saber

1º- se houve ou não uma incorrecta apreciação da prova produzida em julgamento:
· ou através de um alegado erro notório na apreciação da prova por parte do tribunal «a quo»,
· ou através de um erro de julgamento.

2º- Julgando-se existente tal erro notório, que consequências processuais penais haverá a tirar?

3º- Julgando-se existente tal erro de julgamento, deverá o arguido ser condenado pelo crime imputado na acusação? Se sim, em que penas ou penas? E quanto aos pedidos cíveis intentados?

2. DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA (em transcrição)

2.1. A matéria de facto PROVADA é a seguinte:
«a.1) A menor DD nasceu em .../.../2006.
a.2) Na noite de 28 para 29 de Agosto de 2021, contando a DD 15 anos de idade, decorreu uma festa no bar “A...”, sito na ..., em ..., na qual se encontravam a DD e o arguido AA.
a.3) Cerca das 2h00m do dia 29 de Agosto de 2021, o arguido aproximou-se da DD e entabulou conversa com a mesma, no decurso da qual lhe perguntou se namorava, tendo aquela respondido que não, ao que o arguido perguntou se lhe podia dar um beijo, tendo acabado por dar um beijo à mesma.
a.4) A dado momento, o arguido perguntou à DD se podiam ir dar uma volta, ao que aquela disse que sim, tendo-se aqueles encaminhado para as traseiras do bar, acompanhados de uma amiga da DD que aí se encontrava.
a.5) Chegados ao areal, o arguido e a DD afastaram-se da amiga desta, cerca de 2/3 metros, e deitaram-se na areia.
a.6) Aí, o arguido puxou para baixo as calças que a DD vestia e despiu as suas próprias calças.
a.7) Após o que o arguido se deitou por cima da DD, e introduziu o seu pénis erecto na vagina desta, sem preservativo, aí o friccionando com movimentos ritmados durante alguns minutos.
a.8) Após, o arguido abandonou o local.
a.9) Cerca das 5h27m desse dia a DD deu entrada no Centro Hospitalar de ..., vindo a ser transferida para o Hospital Pediátrico ..., onde deu entrada pelas 8h16m, apresentando laceração na região perineal adjacente à região vaginal.
a.10) Como consequência directa e necessária da relação sexual de cópula vaginal mantida com o arguido, a DD apresentava:
- a nível vaginal e vulvar: solução de continuidade mediana, longitudinal, pelas 6 horas de um mostrador de relógio, de bordos sangrantes (recente) a nível do freio dos grandes lábios, com cerca de 1,5 centímetros de comprimento; esfoliação linear longitudinal (recente) entre o pequeno lábio e o grande lábio esquerdos, com cerca de um centímetro de comprimento.
a.11) Tais lesões demandaram um período de cura não inferior a dez dias, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
a.12) À data de 29/08/2021, em que foi examinada no Centro Hospitalar de ... e no Hospital Pediátrico ..., a DD apresentava hímen carnudo rosado, com a maior altura de cerca de 5 milímetros, observando-se, pelas 6 horas de um mostrador de relógio, solução de continuidade profunda de bordos angulosos, não recente, sem qualquer infiltração hemorrágica.
a.13) O arguido conhecia a idade da DD.
a.14) Em consequência da relação sexual de cópula vaginal mantida com o arguido, a DD sentiu dores na região vaginal e vulvar.
a.15) O custo dos cuidados médicos e hospitalares prestados à DD em 29/08/2021 pelo Centro Hospitalar e Universitário de ...., E.P.E. importaram na quantia de € 192,30.
a.16) O custo dos cuidados médicos e hospitalares prestados à DD em 29/08/2021 pelo Centro Hospitalar de ..., E.P.E. importaram na quantia de € 85,91.
Mais se provou:
».

2.2. A matéria de facto NÃO PROVADA é a seguinte:

«… não se provou que:


3) A dado momento, já na zona das dunas do areal adjacente ao bar, a DD e a amiga sentaram-se na areia, momento em que o arguido, com força, puxou a DD pelos braços para que se pusesse de pé, o que conseguiu dada a força exercida sobre aquela.
4) Após, o arguido continuou a puxar a DD, afastando-se com a mesma cerca de 10 metros, pese embora a DD lhe dissesse para a largar, tentando libertar-se.
5) Aí, o arguido quedou-se, deitou a DD no chão, de barriga para cima.
6) A DD debateu-se quando o arguido se deitou por cima dela, tentando mexer o seu corpo de modo a soltar-se do arguido, o que não conseguiu dada a força exercida pelo mesmo sobre o seu corpo.
7) A DD mais disse ao arguido que não queria “fazer aquilo” (referindo-se a relações sexuais) e que se queria ir embora.
8) Não obstante tal recusa, o arguido, mantendo-se na indicada posição, introduziu o pénis erecto na vagina da DD.
9) A solução de continuidade profunda de bordos angulosos existente pelas 6 horas de um mostrador de relógio no hímen da DD tenha sido consequência directa e necessária da relação sexual vaginal mantida com o arguido.
10) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, mediante o uso de força física, praticar relação sexual vaginal de cópula com a DD, bem sabendo que o fazia contra a vontade daquela, e que a sua conduta era proibida e punida por lei».

2.3. Motivou-se assim esta decisão de FACTO (transcrição):

«…

Desde logo, nas suas declarações prestadas em audiência, o arguido (à data menor de 16 anos de idade) assume ter praticado coito vaginal com a menor DD, todavia, nega que o tenha feito contra a vontade e sem o consentimento desta, afirmando peremptoriamente que a relação sexual foi...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT