Acórdão nº 7890/23.7T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-05

Data de Julgamento05 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão7890/23.7T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I – RELATÓRIO
GENERALI SEGUROS S.A. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra COMPANHIA LAVAGENS SERVIÇOS DE LIMPEZA, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €30.916,52, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Alegou, em síntese, que contratou com a ré um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, sendo que ao abrigo da apólice contratada assumiu o acidente de trabalho ocorrido no dia 1/9/2017 no qual foi sinistrado o funcionário da ré Luiz Júnior, que sofreu uma queda quando se encontrava a trabalhar nas instalações da empresa Santogal, SA sitas na Av. …, n.º 197, em Lisboa, procedendo à limpeza do terraço e dos algerozes das instalações da Santogal, empresa para a qual a ora Ré prestava serviços de limpeza.
Mais alegou a autora que foi condenada por sentença transitada em julgado, proferida em 7/1/2021, no âmbito do processo de acidente de trabalho n.º 18099/18.1T8LSB, do Juízo do Trabalho do Barreiro, Juiz …, a pagar ao sinistrado o capital de remissão correspondente a uma pensão anual e vitalícia de 56,35€ acrescida de juros de mora e a quantia de 7,5€ de despesas de transportes.
Conclui que o acidente se ficou a dever à violação de normas de segurança pela ré, o que conduziu à verificação do sinistro, invocando a autora o direito de reaver as quantias pagas no âmbito do processo de acidente de trabalho.
A ré impugnou, alegando que foi outra empresa quem deu as instruções ao seu funcionário Luiz Júnior para que desempenhasse as funções que deram causa ao acidente, razão pela qual não lhe pode ser imputada qualquer violação de normas de segurança. Defendeu-se, ainda, invocando a excepção da prescrição.
As partes foram notificadas para se pronunciar quanto à eventual excepção de incompetência material do tribunal por ser competente o Tribunal de Trabalho, tendo a Autora pugnado pela competência do tribunal recorrido.

O tribunal de 1ª instância proferiu decisão, datada de 23/6/2023, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo verificada a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, por violação das regras de competência material, e, em consequência, absolvo a Ré da instância.
Custas pela Autora (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”

Inconformada com tal decisão, veio a autora GENERALI SEGUROS S.A. dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
“1. A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita à decisão de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, absolvendo-se a Ré da instância.
2. Andou mal o Tribunal na aplicação do art.º 126º n.º 1 alínea c) do LOSJ e consequente decisão de incompetência material, por julgar competente para a decisão do presente processo o Tribunal de Trabalho.
3. Analisando a petição inicial verifica-se que o objeto do litígio, na presente ação, não se reconduz diretamente a questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho, tão pouco a questões emergentes de acidente de trabalho ou quaisquer outras subsumíveis na previsão do referido art.º 126.º da LOSJ.
4. O que se reclama decisão é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora laboral previsto no n.º 3 do art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais).
5. Não se está perante uma ação em que se tenha que discutir uma questão emergente de relação jurídica laboral ou uma ação com vista ao pagamento das quantias (indemnização/prestações/pensão) devidas ao trabalhador sinistrado em acidente de trabalho.
6. O processo por acidente de trabalho já correu termos no competente Juízo do Trabalho, cabendo agora apreciar os pressupostos do invocado direito de regresso, sem prejuízo da autoridade do caso julgado da sentença proferida no aludido processo.
7. Pelo que se deve concluir pela competência residual do Juízo Local Cível, conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 130.º da referida LOSJ.
8. É certo que, sendo a causa de pedir complexa, não deixa de abarcar factos relacionados com uma relação de trabalho subordinado e um acidente de trabalho, todavia, no essencial o que está a ser decidido é o exercício do direito
de regresso da seguradora laboral previsto no n.º 3 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro.
9. Pelo exposto, a relação jurídica em causa não configura uma relação de natureza laboral, baseada no acidente de trabalho em si, afeta ao foro laboral, mas sim uma relação creditícia, que consubstancia o exercício de uma sub-rogação legal, afeta ao foro comum, pelo que é competente em razão da matéria, para julgar a presente acção, o Juízo Local Cível.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida e sua alteração e substituição por outra que julgue o juízo local cível competente em razão da matéria para julgar a presente acção.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir se se verifica a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Insurgindo-se contra a decisão recorrida, entende a apelante que a instância local cível de Lisboa é competente em razão da matéria para apreciação da presente acção, em que a autora/apelante seguradora vem exercer o direito de regresso contra a ré, entidade patronal do trabalhador sinistrado (vítima de acidente de trabalho), visando o reembolso das quantias pagas no âmbito do processo de acidente de trabalho, alegando a violação por parte da ré das normas de segurança no trabalho.
Alega, sob as conclusões 3 a 8 da motivação recursória, que:
“3. o objeto do litígio, na presente ação, não se reconduz diretamente a questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho, tão pouco a questões emergentes de acidente de trabalho ou quaisquer outras subsumíveis na previsão do referido art.º 126.º da LOSJ.
4. O que se reclama decisão é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora laboral previsto no n.º 3 do art.º 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais),
5. Não se está perante uma ação em que se tenha que discutir uma questão emergente de relação jurídica laboral ou uma ação com vista ao pagamento das quantias (indemnização/prestações/pensão) devidas ao trabalhador sinistrado em acidente de trabalho.
6. O processo por acidente de trabalho já correu termos no competente Juízo do Trabalho, cabendo agora apreciar os pressupostos do invocado direito de regresso, sem prejuízo da autoridade do caso julgado da sentença proferida no aludido processo.
7. Pelo que se deve conclui pela competência residual do Juízo Local Cível, conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 130.º da referida LOSJ.
8. É certo que, sendo a causa de pedir complexa, não deixa de abarcar factos relacionados com uma relação de trabalho subordinado e um acidente de trabalho, todavia, no essencial o que está a ser decidido é o exercício do direito de regresso da seguradora laboral previsto no n.º 3 do artigo 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro.”
Concluindo na conclusão 9 que:
“9. Pelo exposto, a relação jurídica em causa não configura uma relação de natureza laboral, baseada no acidente de trabalho em si, afeta ao foro laboral, mas sim uma relação creditícia, que consubstancia o exercício de uma sub-rogação legal, afeta ao foro comum, pelo que é competente em razão da matéria, para julgar a presente acção, o Juízo Local Cível.”
Vejamos.
A questão a decidir respeita à competência material do tribunal, sendo que a incompetência em razão da matéria configura um caso de incompetência absoluta (art.º 96º a) do CPC), que implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar, quando o processo o comportar (art.º 99º/1).
Decorre do artigo 211º/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que os tribunais judiciais constituem
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT