Acórdão nº 7888/20.7T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-26

Ano2023
Número Acordão7888/20.7T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 7888/20.7T8VNG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível do Porto-J5
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida
2º Adjunto Des. Drª. Ana Paula Amorim
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
“A..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., Maia, instaurou a presente ação declarativa sob a forma comum contra AA, residente na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 5.500,00 €, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação.
Alegou, para tanto e em síntese que celebrou com o Réu um contrato de prestação de serviço relativo a cuidados pessoais junto dos seus clientes. Acontece que, imediatamente após a cessação do contrato, o Réu celebrou diretamente com um seu cliente um contrato com o mesmo fim violando, com essa conduta, o citado contrato e, concretamente, a sua cláusula 13ª.
Mais pede a condenação do Réu a pagar-lhe 500,00 € a título de compensação dos danos reputacionais que lhe advieram da descrita conduta.
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Contestou o Réu, rejeitando ter celebrado tal contrato com o ex-cliente da Autora, mais alegando que o contrato por si celebrado com a esta tem natureza laboral, pelo que a cláusula de não concorrência em que a mesma funda o seu pedido é nula; subsidiariamente, na hipótese de se entender que o contrato entre ambos celebrado constitui uma prestação de serviço, defende que a Autora age em abuso de direito, dado que tal cláusula, enquanto limitativa do seu direito ao trabalho, é excessiva e violadora do principio da livre concorrência, tendo tais princípios consagração a nível constitucional e supranacional.
Impugnou, igualmente, os danos invocados pela Autora, pedindo, a final, a improcedência da ação.
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Proferiu-se despacho saneador onde foi indicado o objeto do litígio e dispensada a seleção dos temas da prova.
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O processo seguiu os seus regulares termos e, após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente por não provada a ação e, em consequência absolveu o Réu do pedido contra ele formulado.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso, rematando com as seguintes conclusões:
I – Salvo o devido respeito que nos merece um Tribunal superior, estamos em face da máxima latina ignorantia legis non excusat ou ignorantia juris neminem excusat.
II – É estranho que o desconhecimento da lei seja do Tribunal, e com base nesse desconhecimento profira sentença ignorando a lei vigente.
III - O artigo 6.º do Código Civil é dos elementos mais básicos do geral conhecimento jurídico “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.
IV - A ignorância da Lei é indesculpável, sobretudo para quem tem o dever de a aplicar, interpretar e sobretudo não ignorar a sua existência.
V - Da matéria alegada e transcrita da sentença, o cerne da questão e a decisão decorre do entender do Tribunal “a quo” que o contrato dado aos autos é um contrato de trabalho e não de prestação de serviços, fundamentando a sua posição da forma descrita e tornando improcedente todos os pedidos formulados, sendo que os mesmos seriam procedentes se o contrato dado aos autos fosse um contrato de prestação de serviços.
VI – A Apelante tem enquadramento legal e na legislação que lhe é aplicável, nos termos do decreto-lei n.º 141/89 de 28 de abril. Lex Specialis Derogat Legi Generali
VII - Diga-se desde, já que as funções contratualizadas entre a apelante e o apelado são de ajudante familiar, o qual tem enquadramento na lei pela segurança social e somente, como contrato de prestação de serviços.
VIII - Nos termos do Decreto-Lei nº141/89 de 28 de abril estão definidas as funções do ajudante familiar e o seu enquadramento enquanto prestador de serviços, nos termos do artigo 2º do citado Decreto-Lei são ajudantes familiares “… as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos não possam ser prestados pelos seus membros.”
IX - Relativamente à formalização da prestação de serviços, refere no artigo 10º do Decreto-Lei nº141/89 de 28 de abril: “1.A prestação de serviço a que se refere o artigo anterior deve constar de documento, escrito e assinado por ambas as partes interessadas, onde se estabeleça o período previsto para a sua vigência e as condições determinantes da sua renovação. 2.Pela celebração dos contratos os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte.”
X - Não restam dúvidas que o contrato de prestação de serviços é conditio sine qua non para os ajudantes familiares do apoio domiciliário, facto que sempre foi do conhecimento do apelado e também devia ser do Tribunal “a quo”.
XI - Os ajudantes familiares ficam obrigatoriamente enquadrados no regime de segurança social dos trabalhadores independentes e o Tribunal não o poderia ignorar, até porque foi alegado em sede de julgamento, o que implicaria pelo menos uma busca da lei reguladora de casos similares.
XII - Não existe qualquer presunção de laboralidade, quer porque, para além, de não se verificam as características apontadas no artigo 12º do Código do Trabalho e sobretudo, porque é obrigatório, por lei, que os ajudantes familiares de apoio domiciliário sejam enquadrados no regime de segurança social dos trabalhadores independentes.
XIII - Com a celebração do contrato, não adquire a qualidade de empregado, funcionário ou agente da instituição de suporte, somente prestador de serviços.
XIV - Não existe subordinação jurídica do Apelado.
XV - A atividade prestada pelo Apelado não era em local pertencente à Autora.
XVI - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela Ré não eram pertença da Autora.
XV - Os horários de prestação de serviços eram previamente acordados pelo apelado e pela apelante.
XVI - O pagamento da prestação de serviços ao Apelado, era de acordo com os serviços por este prestados.
XVII - O apelado não desconhecia que prestava serviços e tal era determinado legalmente.
XVIII - A declaração de inexistência de contrato de prestação de serviços e consequente afirmação de existência de contrato de trabalho, contraria a lei.
XIX - Tem que soçobrar a decisão constante desta sentença assim como toda a fundamentação do Tribunal “a quo”.
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Devidamente notificado contra-alegou o Réu concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar:
a)- saber qual qualificação jurídica a dar à relação contratual estabelecida entre as partes e consequentemente decidir em conformidade.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1 – A A. é uma sociedade que tem como principal escopo a prestação de cuidados a idosos em casa ou dependentes.
2 – Entre A. e R. foi celebrado, em 6-12-2018, o contrato junto como doc. nº 1 à petição, denominado “de prestação de serviços”.
3 – Consta desse contrato que A. e R. “Acordam celebrar um contrato de prestação de serviços que se regerá pelo estabelecido nas cláusulas seguintes”:
4 – Constam do referido contrato, além do mais, as seguintes cláusulas:
“Cláusula 1ª
O presente contrato reger-se-á ainda pelas clausulas constantes dos seus anexos e em tudo o que for omisso pelo Código Civil.
Cláusula 2ª
O objeto do presente contrato é a prestação de serviços, pelo Segundo Outorgante [o R.], no âmbito dos serviços enunciados no Anexo A e B–Descrição da Posição de Cuidador e Atribuição de Turno – integrantes deste contrato
Cláusula 3ª
O segundo outorgante prestará os serviços na casa dos clientes, que desde já se definem como as pessoas que recebem a assistência e que outorgaram um “Contrato denominado contrato de prestação de serviços de cuidados domiciliários”.
Cláusula 4ª
O Presente contrato é celebrado pelo prazo de 1 ano, considerando-se renovado automaticamente, da mesma forma e por sucessivos períodos de 1 ano, desde que por parte do cliente da Primeira Outorgante não seja apresentada qualquer reclamação, queixa ou participação referente ao serviço prestado pelo Segundo Outorgante, ou desde que não haja comunicação do termo ou não renovação do contrato por qualquer das partes, nos prazos infra acordados.
(…)
Cláusula 5ª
Se qualquer dos outorgantes pretender pôr termo ao contrato, ou qualquer das suas renovações, deve notificar o outro outorgante por escrito mediante carta protocolada ou registada com aviso de receção, com 30 dias de antecedência sobre o dia pretendido para o termo
Cláusula 6ª
O segundo outorgante aceita prestar serviços enquanto colaborador da primeira outorgante nos termos do presente contrato, sendo pagos de acordo com a execução destes serviços, numa base horária ou por tarefa e dependendo do tipo de serviço prestado e constantes dos anexos A e B referidos na cláusula segunda deste contrato
(…)
Cláusula 9ª
A primeira outorgante não garante, em qualquer circunstância, um número mínimo ou máximo de horas de prestação de serviços, pelo que o segundo outorgante compreende e aceita que pode ter colocação em mais do que um cliente da primeira outorgante, desde que com a sua concordância prévia.
Cláusula 10ª
O segundo outorgante compreende e aceita que os serviços são prestados em nome da primeira outorgante aos clientes desta.
Cláusula 11ª
O segundo
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