Acórdão nº 78/23.9T9FAL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão78/23.9T9FAL.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
1. Relatório
No âmbito de procedimento contraordenacional n.º …, o Comandante do Comando Territorial da GNR de … aplicou ao município de …, uma coima pela prática da contraordenação prevista no artigo 15.º, § 1.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho (alterado pelos Decretos-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro e 83/2014, de 23 de maio)

O referido município impugnou judicialmente a referida decisão administrativa, invocando a nulidade da mesma por falta de fundamentação de facto e de direito que permitisse a condenação, para além de arrolar prova.

Remetidos os autos ao Ministério Público, estes fê-los presentes a Juízo, indicando prova para ser apreciada e valorada.

Em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal comunicou aos sujeitos processuais que a norma infringida indicada no auto de notícia e na decisão administrativa impugnada se encontra revogada, concedendo-lhes prazo para se pronunciarem, querendo, sobre esse temário.

Após o que foi proferida sentença, que após o competente relatório, tem no essencial o seguinte teor:

«Tratando-se de questão prévia a conhecer, cuja procedência obsta à apreciação do mérito da causa, cumprirá, antes de mais, proceder ao conhecimento nulidade da decisão administrativa, decorrente da aplicação de regime legal revogado, de conhecimento oficioso.

Para fundamentar a condenação da arguida, na decisão administrativa impugnada deram-se como provados os seguintes factos:

“a. O denunciado no auto de notícia n.º …, cujos factos foram verificados e testemunhados pelo elemento da Guarda Nacional Republicana, AA, Guarda-Principal n.º …, à data, pertencente ao efetivo do Núcleo de Proteção Ambiental de ….

b. Tendo por base o Princípio da Livre Apreciação da Prova consignado no art. 127.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por via do art.s 41.º do RGCO, face aos factos constantes do auto de notícia, relativamente aos quais não tendo sido produzida prova irrefutável em contrário, se reputam como verdadeiros, provou-se que:

(1) A arguida é a responsável pela rede viária existente no local em causa (Estrada Municipal …) e por esse motivo a responsável por efetuar a gestão de combustíveis;

(2) A arguida não procedeu, nem providenciou pela gestão dos combustíveis, conforme os critérios legalmente estabelecidos;

(3) O local está definido como espaço florestal no Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra incêndios de …;

(4) Com a conduta descrita a arguida revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas no âmbito do Sistema de Defesa da Floresta contra incêndios, atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que a defesa da floresta contra incêndios no momento lhe impunha, agindo de forma livre e consciente, não se avistando factos que retirem a censurabilidade à contraordenação realizada;

(5) A contraordenação pela qual a arguida vem acusada é sancionável com coima e aplicação de sanções acessórias, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 2 do art.º 38.º e n.º l do art.º 39.º, ambos do Decreto-lei n.º 124/06, de 28 de junho.”

Tendo como pressuposto de facto a decisão ora transcrita, a Recorrente vem condenada pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação grave prevista e punida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 124/2006 de 28 de junho, alterado pelos Decretos-Lei n.º 17/2009 de 14 de janeiro e 83/2014, de 23 de maio, republicado pela Lei n.º 76/2017, de 17 de agosto e alterado pelos Decreto-Lei n.º 10/2018, de 14 de fevereiro e 14/2O19, de 21 de janeiro, facto que constitui contraordenação prevista pela alínea a), do nº 2, do artigo 38.º, punível nos termos do n.º 1, do artigo 38.º, e, sancionável, no caso de pessoa coletiva, com coima de 800€ a 60 000€.

No que tange os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa, estatui o artigo 58.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), sob a epígrafe “Decisão Condenatória”, que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas,

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) A coima e as sanções acessórias.

Como nota inicial, importa referir que no plano da tramitação processual-administrativa do ilícito de ordenação, a Jurisprudência tem vindo a defender uma conceptualização de «aligeiramento das exigências formais de fundamentação», estribando-se tal entendimento na ideia de que, nesta tipologia de processos sancionatórios, as respetivas decisões finais, embora apresentando semelhanças estruturais com a sentença condenatória proferida no âmbito de um processo penal, gozam de maior concisão e menor exigência, atendendo ao menor grau de intrusão que, tendencialmente, implicam na esfera do arguido, (cf., neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.12.2006 no proc. 6P3201 e ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES, JOSÉ DOS SANTOS CABRAL, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, p. 194).

Importa, contudo, salientar que o catálogo contraordenacional vai sendo revisto pelo legislador ordinário, constituindo um quadro de direito sancionatório progressivamente mais intrusivo (efeito operado pela maior abrangência de fenómenos sociais e pessoais punidos por ilícitos de ordenação) e, mais violento, (pelo agravamento das molduras sancionatórias por revisão de lei e pela criação de medidas acessórias cerceadoras de liberdades e geradoras de crescentes encargos económicos), para a esfera individual dos cidadãos.

Neste sentido, temos que a argumentação que verte daquela Jurisprudência se dissolve à medida que endurece o corpo normativo contraordenacional (neste mesmo sentido atente-se na argumentação expendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/06/2018, proferido no âmbito do processo n.º 116/17.4T8ABF.E1, disponível em www.dgsi.pt).

Nesse pressuposto, a garantia constitucional de fundamentação dos atos administrativos lesivos de interesses particulares (cf. artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa) impõem inelutavelmente à decisão administrativa condenatória, a concretização, para além do quadro legal, de um quadro factual (expurgado de conclusões ou asserções arbitrárias, vagas e generalistas) de onde, por intermediação da norma sancionatória, se extraia a legitimidade de punição, que a decisão comporta.

Assim, no domínio de uma fase administrativa, o dever de fundamentação pode assumir uma dimensão, qualitativamente, menos intensa em relação à sentença penal (em consonância com as caraterísticas de celeridade e simplicidade processual inerente a estes processos), devendo, contudo, resultar claro para o arguido, quais as razões de facto e direito, que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e permitindo ao tribunal, conhecer o processo lógico que presidiu à prolação da decisão administrativa.

Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa, in “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral”, 3.ª edição, 2006, Vislis Editores, em anotação ao artigo 58.º, «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória contraordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.».

Do que vem dito se conclui que de acordo com a génese e teleologia do procedimento contraordenacional, a fundamentação (tal como está estabelecida no artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas), se terá por suficiente desde que justifique as razões pelas quais é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas, sendo assim possível ao arguido perceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar os fundamentos dessa condenação.

Mas de entre os fundamentos da condenação cumpre necessariamente considerar o fundamento jurídico, ou seja, o arguido tem o direito de saber qual o regime jurídico em que se baseia a punição, com especificação de todas as normas aplicáveis, sejam elas de previsão da conduta contraordenacional típica, punitivas (com a classificação da contraordenação e descrição da moldura abstrata da coima aplicável) ou delimitadora de conceitos essenciais à condenação, devendo todas elas constar da decisão administrativa (neste sentido veja-se o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008, consultável em www.dgsi.pt, relativo à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, para a qual se exige que as disposições legais aplicáveis constem da acusação ou da pronúncia).

Como se fundamenta no acórdão de...

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