Acórdão nº 7765/19.4T9LSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-25

Ano2022
Número Acordão7765/19.4T9LSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I.Relatório:


1.Nos presentes autos, NL apresentou denúncia contra LM pelos crimes de injúria e ameaça, e requereu a sua constituição como assistente, sendo admitido a intervir nos autos nessa qualidade por despacho de 15 de outubro de 2019 (fls. 2 a 6).

2.Notificado para deduzir acusação particular, veio o assistente apresentar peça de «acusação particular, com pedido de indemnização civil», imputando ao arguido LM a prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal (CP), e pedindo que o mesmo seja condenado no pagamento ao assistente de «quantia não inferior a cinco mil euros», a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a notificação até efetivo e integral cumprimento (fls. 85 a 99).

Notificado da acusação deduzida, o arguido requereu, inter alia, a abertura de instrução (fls. 137 a 142).

3.Por seu turno, o magistrado do Ministério Público titular do inquérito determinou o arquivamento dos autos quanto ao crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do CP, considerando para o efeito que a expressão «cuidado que os acidentes acontecem, quando menos esperares, o teu vai acontecer» não preenche os elementos desse crime (fls. 118 e 119).

Notificado, o assistente apresentou requerimento para abertura de instrução quando aos «factos denunciados (...) passíveis de consubstanciarem a prática de um crime de ameaça», pugnando pela pronúncia do arguido pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do CP, e arrolando prova testemunhal (fls. 147 a 159).

4.–Aberta a instrução requerida pelo arguido e pelo assistente, foi indeferida a inquirição das testemunhas arroladas pelo primeiro.
Realizado debate instrutório, foi proferida decisão de não pronúncia, quer quanto ao imputado crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do CP, quer quanto ao crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do CP.

5.Inconformado, assistente NL interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

«ADa prática do crime de injúria
1.–A decisão recorrida reconhece que a prova trazida aos autos, na fase de inquérito, através da audição do assistente bem como das duas testemunhas (...) permite considerar suficientemente indiciados todos os factos integradores do tipo de crime de injúria simples (...), mais admitindo, expressamente que a versão apresentada pelo assistente, quanto ao crime de injúria simples perpetrado pelo arguido em relação àquele, em sede de inquérito encontra base probatória suficiente e bastante de onde resultam indiciados os factos integradores do referido crime, sendo que em sede instrutória tais indícios não foram, em nada, abalados, havendo evidências de indícios suficientes que podem integrar tanto os elementos obiectivos, como o elemento subjectivo do referido crime imputado ao arguido, nos termos acabados de considerar (...).
2.–Contudo, contradizendo-se, veio o referido tribunal a quo entender que, no entanto, constata-se que a acusação particular formulada pelo assistente contra o arguido pela prática do crime de injúria simples, p. e p. pelo artigo 181º do C. Penal, pese embora enuncie todos os elementos objetivos do referido tipo de ilícito criminal, nada refere quanto ao elemento subjetivo, decidindo, a final, que o arguido não será pronunciado pelo crime por que se mostra acusado pelo assistente, uma vez que a acusação particular não contém todos os requisitos exigidos nos termos do disposto no art..º 285.°, n.º 2 do C. Penal, determinando, a final, de uma assentada só, o arquivamento do processo.
3.–O despacho de não pronúncia recorrido não elenca, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da insuficiência de prova indiciária, mostrando-se ademais, a nosso, ver, contraditório nos seus fundamentos, como atrás já realçado.
4.–Estas circunstâncias - contradição nos seus fundamentos e omissão dos factos concretamente indiciados e não indicados, nomeadamente os referentes ao elemento subjectivo que invoca não estar preenchido ou alegado, a decisão instrutória recorrida padece de nulidade que aqui se invoca, sem prejuízo de, em abono do princípio da unidade, adequação formal e aproveitamento dos atos processuais, se entender poder essa Relação de Lisboa decidir como adiante se requer.
(...)
5.–A decisão recorrida não se mostra coerente nem condizente com teor efectivamente constante da acusação apresentada pelo assistente - onde o elemento subjetivo se encontra suficientemente descrito e invocado em termos factuais.
6.–O Assistente apresentou a sua Acusação Particular em relação ao único crime por si denunciado que, dada a sua natureza de crime particular, dependia dessa mesma acusação particular, tendo-o feito com dedução cumulativa de pedido de indemnização civil, peça que designou por "Acusação Particular com Pedido de Indemnização Civil" e na qual, no que aqui releva, após devidamente contextualizado o episódio trazido aos autos em termos de tempo e lugar, alegou expressamente, nos artigos 18°, 24°, 25°, 26°, 33° e 34º da referida peça processual, o seguinte:
(...)
7.–Admite-se que o assistente poderia ter sido mais expansivo na exposição fatual quanto ao elemento subjectivo, mas tal não retira nem afasta a realidade de que tal elemento ali consta, de forma expressa e bastante, resultando ali suficientemente alegado que o arguido atuou com a intenção de molestar o assistente no seu bom nome, honra e consideração, pessoal e com consciência de que a sua atuação era adequada para tal, quando lhe dirigiu as expressões que lhe são imputadas, sabendo da ilicitude de tal conduta.
8.–Também se reconhece que, por lapso informático, parte destas referências factuais ao elemento subjectivo constantes da referida peça processual, nomeadamente as duas últimas acima referidas, encontram-se expostas apenas na parte que o assistente subintitulou de "Pedido de Indemnização Civil".
9.–Contudo, é certo que a peça processual é uma só, bem como que o pedido de indemnização civil é uma decorrência indissociável do crime/ da acusação que o sustenta pelo que se mostra não só adequado como necessário considerar como suficientes os factos constantes da peça processual/acusação particular apresentada como bastantes para, se provados, levar à condenação do arguido pela prática do crime de injúria p. p. pelo artigo 181.º do Código Penal que lhe é imputado, pelo que a acusação não devia ter sido rejeitada.
10.–Ao assim não ter entendido, o Tribunal a quo, longe de refletir qualquer preocupação substancial ou material com a defesa dos direitos do arguido, apenas o veio premiar, frustrando os objetivos do próprio sistema processual penal em desrespeito do disposto no art.º 283.º, n.º 3 aplicável ex vi art.º 285°, n.º 3, ambos do Código do Processo Penal, impondo-se a sua revogação como peticionado in fine.
Ainda que assim se não entenda,
11.–Aceita-se que, ocorrendo, a falta na acusação do elemento subjectivo, determina a nulidade da acusação particular, nos termos do artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, por falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, caso em que seria manifestamente infundada.
12.–Contudo, nem o ne bis in idem, nem o acusatório, exigem que qualquer invalidade ou erro processual sejam fatais, exigindo apenas que se respeitem os limites do objeto do processo e que se mantenha a continuidade do processo. Pelo que não seria contrár ao ne bis in idem uma interpretação do artigo 311.º n.º 2, [do CPP] segundo a qual esta rejeição admitiria ainda a reformulação da acusação, quando lhe faltem os requisitos referidos no n.º 3 - Inês Ferreira Leite, in obra citada, vol. II, pp. 573/574 sendo certo que o arguido não tem propriamente um direito a que os erros ou imprecisões funcionem sempre a seu favor.
13.–Estamos perante vícios formais da acusação - falta de identificação do arguido, falta de narração dos factos e falta de indicação das disposições legais aplicáveis e das provas que a fundamentam - que não relevam necessariamente da viabilidade processual ou substantiva da ação penal, valendo para o vício previsto no art 311.º nº 3 [als a), b) e c)], como para a nulidade sanável prevista no art. 283.º do CPP, o princípio do aproveitamento dos atos imperfeitos expresso nos n.ºs 2 e 3 do art.º 122.º do CPP, imposto nestes casos pelo interesse público na perseguição e sujeição a julgamento dos ilícitos penais indiciados - Ac RE de 06/03/2012 - Proc. 790/ 10.2TAABF.E1.
14.–Ora, a sanação destes vícios formais, seja pela indicação do nome do arguido, a indicação da prova ou das disposições legais ou a mera articulação de factos omitidos, não contende com garantias ou direitos fundamentais dos arguidos, nem, tão pouco, com princípios estruturantes do processo penal, sendo certo que não ocorre qualquer violação de caso julgado material, uma vez que, no despacho que rejeitou a acusação ou determinou a não pronúncia por falta da referência ao elemento subjetivo, o tribunal não se debruçou sobre o mérito da causa.
15.–O poder-dever de perseguir criminalmente os autores de crimes não pode ser posto em causa por questões meramente formais que não envolvam a ofensa de direitos fundamentais e garantias processuais dos arguidos, situação que não se verifica minimamente em hipóteses como a presente de mera imperfeição formal da acusação.
16.–Confirmando a correção e adequação deste entendimento e solidificando a vasta jurisprudência que depois se lhe seguiu em sentido idêntico, veio o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 246/2017 (Processo n.º 880/2016) "não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação dos artigos 311.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, alínea d), e 283.º, todos do
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