Acórdão nº 77/19.5BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-03-14

Ano2024
Número Acordão77/19.5BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

BANCO S… PORTUGAL, SA, doravante abreviadamente designado por Impugnante, deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, de decisão arbitral proferida no processo n.° 658/2018-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativos ao ano de 2017, e, bem assim, dos correspondentes Juros Compensatórios (JC), que perfazem o valor global de €622,47.


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A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

“Em face de todo o exposto, concluiu a Impugnante o seguinte:

(i) A presente Impugnação incide sobre a decisão proferida pelo tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD, nos autos com o n.° 658/2018-T.

(ii) Nos referidos autos, peticionou a Impugnante a apreciação da legalidade dos quatro actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes a quatro veículos automóveis e relativos ao ano de 2017.

(iii) Os referidos veículos automóveis foram alugados pela ora Impugnante, ao abrigo de contratos de aluguer de longa duração, tendo sido vendidos aos respectivos locatários, no termo daqueles contratos, por um valor residual.

(iv) Embora não tenha sido promovido o devido registo da transferência da propriedade dos referidos veículos automóveis para os locatários (e, depois, proprietários), certo é que estes não eram propriedade da Impugnante na data do facto tributário.

(v) A AT entendeu, contudo, que o único facto que releva para determinar a responsabilidade do imposto é o registo automóvel, pelo que não aceitou a demonstração de que a pessoa que consta do registo automóvel como proprietário não é, porém, o efectivo e real proprietário.

(vi) No pedido de constituição do tribunal arbitral, a Impugnante pugnou pela ilegalidade da sobredita liquidação por três ordens de razões (sendo uma delas consequência de outra):

a. A presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário;

b. Admitida a possibilidade de afastamento da presunção segundo a qual a pessoa que consta do registo automóvel é o proprietário do respectivo veículo automóvel e, portanto, o responsável pelo pagamento do respectivo IUC, há que admitir como prova inequívoca dessa demonstração as facturas emitidas pela Impugnante aquando da venda dos referidos veículos automóveis aos antigos locatários-subsequentes proprietários;

ou, se assim não se entendesse,

c. O artigo 3.°, n.° 1, do Código do IUC, quando aplicado dessa forma, conduz a uma violação do princípio da equivalência, contrária, portanto, ao disposto no artigo 13.º da CRP.

(vii) Tendo o processo percorrido os seus trâmites normais, veio a ser proferida uma decisão na qual o tribunal a quo se focou em determinar se a presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC encerra em si uma presunção ilidível ou inilidível, tendo chegado à conclusão de que a referida presunção é inilidível, ou seja, que não assiste às pessoas que constam do registo automóvel a possibilidade de demonstrarem que não são as verdadeiras proprietárias dos veículos automóveis em causa, motivo pelo qual agiu bem, a AT, ao considerar que a aqui Impugnante é responsável pelo pagamento do IUC de veículos automóveis que não eram seus.

(viii) Sucede, porém, que, quanto à terceira questão levantada pela Impugnante- a de que constitui violação do princípio da equivalência, constante do artigo 13.° da CRP, a aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC, segundo a qual a pessoa que consta do registo é sempre responsável pelo pagamento do IUC, independentemente de ser o seu proprietário, v.g., causador do prejuízo ambiental e viário que este imposto visa compensar — o Tribunal a quo nada disse.

(ix) Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, as decisões dos tribunais arbitrais podem ser impugnadas com fundamento em omissão de pronúncia.

(x) Este fundamento da impugnação deve ser analisado à luz daqueles que são os poderes cognitivos do tribunal arbitral, que tem de conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes.

(xi) Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.° 07647/14, de 18/09/2014, recai sobre o julgador o «poder/dever prescrito no art. 608.°, n.° 2, do CPC o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso».

(xii) O tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar sobre a matéria em causa, porquanto:

a. Não estamos perante uma razão ou um argumento levantado pela Impugnante com vista a sustentar o seu entendimento, tratando-se, ao invés, de uma autêntica causa de pedir;

b. Não se trata de uma questão de conhecimento oficioso que não tenha sido alegada pelas partes, não valendo o entendimento de que, não se tendo pronunciado pela mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a solução da causa; e

c. Não se trata de uma questão cuja apreciação devesse ser precludida por motivos de prejudicialidade, pois, a partir do momento em que concluiu pela não procedência da primeira causa de pedir da Impugnante, o dever que recaía sobre o tribunal a quo de se pronunciar sobre a segunda era ainda mais relevante.

(xiii) Não tendo o Tribunal Arbitral dedicado uma única palavra da decisão à situação da possível inconstitucionalidade da aplicação do preceito ora em causa-que alegadamente teve de fazer por força do seu entendimento de que a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 1 de Agosto, teve o intuito de afastar a possibilidade de demonstrar que a pessoa que consta do registo automóvel não é o seu proprietário-, incorreu, com o devido respeito, em manifesta omissão de pronúncia, pois não apreciou uma das questões suscitadas nos autos pela ora Impugnante, quando sobre ele impedia o dever de o fazer.

(xiv) Padecendo assim, a decisão impugnada, da nulidade prevista na alínea c) do n.° I do artigo 28.° do RJAT.

TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, DETERMINANDO ESTE DOUTO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL A ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral possui impugnada apresenta o teor que infra se transcreve:

“I. Relatório

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede social na Rua..., nº..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 20-12-2018, visa a declaração de ilegalidade de diversos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos ao período de 2017 e aos veículos identificados em anexo à petição (Anexo A), no valor de € 608,25, acrescido de juros compensatórios no montante de € 14,22, perfazendo a importância total de € 633,47, bem como a anulação das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas n.ºs ...2018..., ...2018..., ...2018... e ...2018..., da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (Anexos B a E). Além da anulação das questionadas liquidações, a Requerente solicita ainda que seja declarado o consequente direito a juros indemnizatórios, nos termos legais.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-02-2019.

8. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.

9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

10. Assim, por despacho de 16-04-2019, oportunamente notificado, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar...

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