Acórdão nº 767/05.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-10-19

Ano2023
Número Acordão767/05.0BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por E… PRODUÇÃO DE FILMES E AUDIOVISUAIS, UNIPESSOAL, LDA., visando as liquidações de IVA referenciadas aos anos de 1999, 2000 e 2001 e respectivos juros compensatórios, alegando para tanto conclusivamente:
«























».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso merece provimento na esteira do parecer do Ministério Público em 1.ª instância e aderindo às alegações de recurso da Administração Tributária.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, importará verificar: (i) se a sentença incorreu em nulidade por pronúncia indevida quanto à questão da validade formal das liquidações adicionais, nunca invocada pela impugnante e consequente violação do princípio do dispositivo plasmado no art.º 5.º do CPC; (ii) se a sentença incorreu nos apontados erros de facto, por incorrecta apreciação da prova, por omissão de factos relevantes ao probatório e por erro nas ilações extraídas dos factos vertidos nos pontos F), I) e Q) do probatório; (iii) se a fundamentação aduzida em procedimento de reclamação graciosa pode sanar a insuficiente fundamentação das liquidações dela objecto; (iv) se a declaração de substituição foi apresentada fora do prazo legal; (v) se ocorre preterição do princípio do inquisitório, devendo os autos baixar à 1.ª instância para apreciação e valoração da prova dos autos em vista dos fundamentos aduzidos pela Administração tributária na reclamação graciosa e indevidamente desconsiderados na sentença como fundamentos “a posteriori”.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
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Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, altera-se a decisão de facto, nos termos seguintes:
*

Passa a constar do ponto K), o seguinte:

K) Em 10/02/2003 foram enviadas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:


*

Adita-se um ponto H-1) ao probatório, com a seguinte redacção:

H-1) Consta ainda do relatório final de inspecção tributária, de 27/12/2002, o que se destaca:





- Cf. fls.38 a 51 do apenso de reclamação graciosa
*

Passa a constar do ponto Q) do probatório, o seguinte:

Q) A Impugnante apresentou, em reclamação graciosa, documentos de despesa que não foram aceites pela Autoridade Tributária porque “a designação de bens constante das facturas não cumpre o art. 35º do CIVA” ou “são duplicados de facturas”cf. docs.18 a 95, juntos com a p.i.

B.DE DIREITO

Estabilizado o probatório no sentido propugnado pelo ora Recorrente, avancemos na apreciação dos demais vícios imputados à sentença.

Pretende o Recorrente que a sentença se encontra inquinada de nulidade por excesso de pronúncia, vício expressamente previsto no art.º 615/1 alínea d) do CPC e 125/1 do CPPT, uma vez que entrou na apreciação do vício formal das liquidações por insuficiente fundamentação sem que tal tenha sido invocado pela impugnante.

Todavia, não fazemos a mesma leitura. O que se passa é que para saber se ocorriam nas liquidações impugnadas os apontados vícios substantivos de violação de lei por erro nos pressupostos, a sentença teve de definir primeiro onde radicava a fonte relevante da fundamentação dos actos, se apenas no relatório que culminou a acção inspectiva na origem das liquidações impugnadas, ou também no procedimento de reclamação graciosa visando a sua anulação.

E concluiu (bem ou mal, não interessa para este efeito), que a única fonte relevante da fundamentação dos actos impugnados radicava no relatório final de inspecção tributária, constituindo a acrescida fundamentação aduzida na decisão de reclamação graciosa fundamentação “a posteriori”, a desconsiderar no juízo sobre a validade substantiva das liquidações.

Ora, atente-se nesta passagem da sentença:
«A exigência contida na al. b) [do art.º 35º nº 5 do CIVA] estende-se não só à indicação dos serviços prestados, mas também à especificação concreta dos serviços, o local da prestação, a data, tempo de realização, etc. de modo a permitir um efectivo controlo pela Administração Tributária (…).
Não obstante, existe sempre um dever da Administração Tributária de conceder a dedução do IVA se os requisitos substantivos estiverem preenchidos, ainda que o contribuinte tenha negligenciado certos requisitos formais (…).
Ainda que em sede de reclamação graciosa, a Administração Tributária indicasse tais elementos, essa fundamentação já seria “extemporânea” às correcções efectuadas, pelo que, no contencioso de mera legalidade, como é o tributário, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto (…).
O que significa que os argumentos aduzidos pela Administração Tributária em sede de reclamação graciosa que não se integrem na fundamentação que conduziu à correcção, são de todo irrelevantes».

Não houve, pois, qualquer pronúncia sobre a validade formal das liquidações impugnadas, mas apenas e só uma delimitação da fonte da fundamentação a considerar para se ajuizar da validade substantiva das liquidações.

Improcede, pelas indicadas razões, a apontada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Questão diversa consiste em saber se, contrariamente ao decidido, a acrescida fundamentação aduzida pela AT em sede de reclamação graciosa aproveita à impugnante.

Sobre esta matéria, ainda recentemente se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu ac. de 02/08/2023, tirado no proc.º 0373/17.6BEPNF, tendo concluído, sem bem o lemos, que aproveita ao impugnante a fundamentação aduzida no procedimento de reclamação graciosa da liquidação.

Como nesse douto aresto se deixou consignado, na parte transponível para os autos,
«
Estando assente que a fundamentação contemporânea do ato de liquidação não era suficiente para esclarecer a inclusão do referido valor a título de rendimento global, passemos à análise da segunda questão colocada.
Que, na essência, consiste em saber se o procedimento de segundo grau (no caso, a reclamação graciosa) pode servir para a convalidação do ato de liquidação aduzindo-lha a fundamentação em falta.
Sobre esta matéria se confrontaram, no passado, duas posições antagónicas: a posição segundo a qual o facto de o sujeito passivo lançar mão do procedimento gracioso de segundo grau, não pode servir para a degradação em não essenciais dos vícios procedimentais da liquidação, retirando-lhes a sua capacidade invalidante; e a posição segundo a qual os meios de impugnação administrativa da liquidação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) podem servir para a convalidação do ato, expurgando-o do vício forma de que padeça antes de estar concluída a atividade administrativa.
Prevaleceu por último a segunda posição como decorre do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 26 de setembro de 2018, tirado no processo n.º 01506/17.8BALSB. Embora estivesse aí em causa a preterição de outra formalidade do ato de liquidação (no caso, a falta da audiência prévia à liquidação), a argumentação aí desenvolvida é transponível para os casos em que tenha sido preterido o dever de fundamentação do ato.
Assim, a preterição do dever formal de fundamentação do ato de liquidação não tem efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do artigo 163.º do atual Código de Procedimento Administrativo) se, na decisão da reclamação graciosa desse ato lhe for aduzida a fundamentação do ato que permita a sua convalidação e por ter sido então, atingida a finalidade última visada com a concessão daquele direito, que é a de assegurar o exercício de defesa contenciosa contra os seus fundamentos.
O que sucede porque a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau, devendo ser em relação a este que passará a aferir-se se o ato se encontra ou não devidamente fundamentado(fim de cit.).

Concordando integralmente com os fundamentos e conclusões do douto acórdão, é manifesto que a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a acrescida fundamentação aduzida em procedimento de reclamação graciosa das liquidações de IVA impugnadas, não aproveitava à impugnante por não ser contemporânea dessas mesmas liquidações.

O acervo da fundamentação integra não só a que consta do acto primário, mas também a aduzida no acto de segundo grau.
E, neste modo de ver, importará ajuizar dos vícios substantivos das liquidações impugnadas com base na globalidade da fundamentação que transparece quer do anterior relatório final de inspecção tributária, quer da posterior decisão de reclamação graciosa.

Prosseguindo, a primeira questão que importa resolver consiste em indagar do prazo legal de apresentação da declaração de substituição.

Com se alcança do probatório e dos autos, no âmbito de um procedimento de análise interna, a AT relatou (cf. relatório de conclusões, a fls.40 do apenso de reclamação), nomeadamente, o seguinte:
«
12. O sujeito passivo não efectuou a liquidação das aquisições de serviços mencionadas no anexo I, contrariando o disposto na...

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