Acórdão nº 761/19.3T8ACB-C.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão761/19.3T8ACB-C.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Apelação n.º 761/19.3T8ACB-C.C1

Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 1

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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

No incidente de verificação dos créditos que corre por apenso aos autos de insolvência de S..., S.A.., foi, a 31.03.2023, proferida sentença que reconheceu e graduou os créditos, entre eles, como créditos privilegiados, a serem pagos em primeiro lugar relativamente ao produto da venda do imóvel sob a verba n.º 1 do auto de apreensão, os respeitantes aos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.


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Inconformada, a insolvente interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever

1 – O Sr. Administrador de Insolvência na relação final de créditos reconhecidos e não reconhecidos, qualificou como privilegiados, ao abrigo do artigo 333.º, do Código do Trabalho, todos os créditos reclamados por trabalhadores da insolvente, tendo ainda mencionado na exposição de motivos, a que a anexou, no que não foi acompanhado na sentença em recurso, que todos os trabalhadores se encontravam a exercer a sua actividade em instalações da sociedade à data da declaração da insolvência.

2 – A ora apelante impugnou oportunamente essa relação a que alude o artigo 129.º do CIRE, na qual aceitou que, em abstracto, os créditos de natureza laboral, emergentes a celebração de contratos de trabalho ou da sua cessação, gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial.

3 – Todavia, também acrescentou, que para que o privilégio imobiliário especial tenha concretização prática, é indispensável que no momento da cessação do contrato de trabalho, o empregador seja o proprietário do imóvel em que o trabalhador presta a actividade para que foi admitido, dele já não beneficiando se o empregador o vier a adquirir em ocasião posterior, ainda que o crédito laboral não esteja nessa ocasião satisfeito.

4 – À luz desse entendimento, pugnou na impugnação que fez, que os créditos dos trabalhadores, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, ainda que abstractamente pudessem ser dotados do privilégio imobiliário especial, não poderiam como tal ser graduados na sentença de graduação de créditos que foi proferida, com prioridade em relação aos demais créditos, pelo produto da venda do bem imóvel apreendido para a massa insolvente.

5 – Com efeito, como está demonstrado no processo, e considerado indiscutivel na sentença em recurso, os identificados trabalhadores resolveram os seus contratos de trabalho nos anos de 2011 e 2012 e, nessa época, o imóvel onde prestavam trabalho não era propriedade da insolvente.

6 – Na verdade, esse imóvel só foi adquirido pela insolvente, ingressando na sua esfera patrimonial, em 15/09/2017, em data posterior, portanto, ao da cessação dos referidos contratos de trabalho, tendo a insolvência da apelante sido declarada por sentença de 10/04/2019.

7 – Aquando da cessação dos contratos de trabalho aqui em causa, o que sucedeu nos anos de 2011 e 2012, os trabalhadores que os fizeram extinguir, trabalhavam no imóvel apreendido, que não era então propriedade da empregadora, mas objecto de locação financeira contratada em 11/04/2001 com a Caixa Leasing e Factoring, SA, em relação ao qual, e no seu termo, exerceu o direito de pagar o valor residual contratualmente estabelecido, vindo a adquirir o respectivo direito de propriedade, direito que, como se referiu, lhe foi transmitido por escritura de 15/09/2017.

8 - Como o referido grupo de trabalhadores prestava a sua actividade em imóvel de que a apelante não era proprietária, os créditos de natureza laboral que lhes foram reconhecidos, não estão abrangidos pela previsão do artigo 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho.

9 – O privilégio creditório imobiliário especial aí consagrado, incidindo sobre bem imóvel do empregador e no qual o trabalhador preste a sua actividade, depende, pois, da verificação cumulativa de duas condições:

a) Que o bem imóvel seja do empregador;

b) Que o trabalhador nela preste a sua actividade ou ele esteja afecta à actividade pelo empregador desenvolvida.

10 – No caso, falha a primeira das referidas condições, porque o bem imóvel não era propriedade da empregadora quando os contratos cessaram.

11 – Daí que a apelante considere que os referidos créditos não posam ser graduados com prioridade em relação aos demais créditos, já que em relação a eles, e pelas razões expostas, o privilégio creditório a que alude o art.º 333.º, n.º 1/b) do Código do Trabalho não tem aplicação prática.

12 – Assim não o entendeu a sentença recorrida, que considerou não haver motivos para não conferir aos créditos em causa o referido privilégio creditório, tendo-os graduado, quanto ao produto da venda do prédio urbano constante da verba 1 do auto de apreensão, o adquirido pela insolvente cinco anos depois de os referidos contratos de trabalho terem cessado e dado origem às indeminizações por antiguidade previstas no artigo 396.º, do Código do Trabalho, com prioridade em relação aos demais credores.

13 – Para assim decidir, o Mº Juiz a quo, invocou a circunstância de, não obstante o imóvel não estar na titularidade da apelante, não ter impedido que nele fossem registadas penhoras por dívidas tributárias da insolvente, efectuadas ao abrigo do disposto no artigo 778.º, do Código de Processo Civil.

14 – Essa norma permite, efectivamente, que se penhorem direitos ou expectativas de aquisição, como será o caso, mas não exclusivamente de um bem objecto de locação financeira.

15 – Essa penhora incide sobre a mera expectativa, mas não sobre o bem em si mesmo, o que significa que a sua afirmação prática, como estabelece o sei n.º 3, se efective no próprio bem se e quando o devedor o adquirir.

16 – Mas se assim é, é porque a Lei adjectiva considera que o bem ou direito em questão, em relação ao qual há a expectativa de vir a ingressar na titularidade do devedor, ainda não é dele, e pode nem vir a sê-lo.

17 – A penhora de direitos ou expectativas de aquisição pressupõe, assim, que o devedor não é titular do bem, como sucederá, por exemplo, no caso de vir a ser penhorada a expectativa de aquisição do imóvel onde o devedor exerce a sua actividade e de que é arrendatário.

18 – O argumento utilizado para classificar em primeiro lugar, na grelha da graduação, os créditos dos trabalhadores antes identificados, quanto ao produto da venda do imóvel em causa, é, assim, fraco e não transponível para a situação dos autos.

19 – Com efeito, o que a decisão em recurso faz, é dar conteúdo a um direito que os referidos trabalhadores não tinham, nem sequer a sua mera expectativa, porque quando tomaram a iniciativa de fazerem cessar o seu vinculo laboral à empresa, o imóvel onde prestaram actividade não era propriedade desta, pelo que não poderiam receber os seus créditos à custa da sua venda.

20 – Daí que, mesmo que em tese ou em abstracto, todos os créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua cessação, gozem de privilégio creditório imobiliário especial, a sua concretização efectiva, depende de o bem imóvel onde prestem trabalho no momento da cessação do contrato seja propriedade do empregador.

21 – Ao decidir de forma diversa, a decisão proferida violou o disposto nos artigos 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho e 47.º, n.º 4, al. a) do CIRE.

22 – Os créditos laborais dos trabalhadores em causa gozam, assim, apenas de privilégio mobiliário geral, devendo ser qualificados como créditos comuns, na parte que não for satisfeita pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos”.

Terminou pugnando no sentido da revogação da sentença “na parte em que graduou em primeiro lugar, pelo produto da venda do prédio urbano da verba 1 do auto de apreensão, os créditos dos trabalhadores identificados na conclusão 4, antes devendo esses créditos, quanto ao valor apurado com a sua venda, ser qualificados como créditos comuns e serem pagos rateadamente e na proporção dos seus montantes”.


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Não foi oferecida qualquer resposta.

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Dispensados os vistos, foi
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