Acórdão nº 76/22.0T8NIS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-11-23

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão76/22.0T8NIS.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 76/22.0T8NIS.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. GENERALI SEGUROS, S.A., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, e SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 10.658,44€, acrescida de juros e mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Em fundamento da deduzida pretensão, alegou, em síntese, que celebrou com BB um contrato de seguro de acidente de trabalho; que, a 18 de agosto de 2017, pelas 21h50, ocorreu um acidente na Estrada Nacional 364, em Arez, entre um automóvel conduzido pelo seu segurado e um bovino, da propriedade do 1.º R., que se encontrava na faixa de rodagem e que tinha sido descarregado na praça de touros da 2.ª R. para uma garraiada por esta organizada, dali fugido para a via pública, pelo interior de Nisa e, a final, para aquela estrada.
Mais invocou que BB circulava na faixa de rodagem, deslocando-se do seu local de trabalho para casa, em nada contribuindo para a ocorrência do acidente, que se deu por culpa exclusiva dos RR., por não terem tomado as diligências e cuidados necessários para impedir que o bovino se escapasse da praça de touros, e também que o 1.º R. não possuía, à data dos factos, qualquer seguro de responsabilidade civil referente aos animais que transportava.
Finalmente invocou que, ao abrigo do contrato de seguro, a A. ressarciu BB dos danos físicos provocados pelo acidente, que concretizou, concluindo que tem direito de regresso sobre os RR. quanto àquele montante, cujo pagamento peticionou.

2. Regularmente citados, ambos os RR. ofereceram contestação, impugnando a factualidade alegada pela A. em fundamento da sua respetiva responsabilidade, e cada um concluindo no sentido de não poder ser-lhe assacada qualquer responsabilidade pela ocorrência do acidente.

3. Realizada a audiência de julgamento, a primeira instância julgou totalmente improcedente o pedido formulado, absolvendo os RR. do mesmo.

4. Não se conformando com a sentença proferida em 13.04.2023, a A. veio interpor o presente recurso, finalizando a respectiva minuta com as seguintes conclusões[3]:
«1) Vem o presente recorrer da sentença de fls. …., que decidiu julgar a acção improcedente por não provada, por considerar que a Recorrente não tem direito de regresso sobre os Réus no que concerne aos valores que despendeu no âmbito do contrato de seguro de acidente de trabalho.
2) Tendo o Tribunal a quo chegado a essa conclusão pelo facto de ter recorrido ao acervo normativo constante do DL 291/2007, mais concretamente o art. 27º.
3) Ora, o Tribunal a quo incorreu em erro quanto à aplicação do direito ao caso sub judice.
4) Uma vez que não estamos perante uma situação de direito de regresso, mas de sub-rogação, nos termos do disposto no art. 17º da Lei 98/2009.
5) A questão a decidir nos presentes autos consistiu em apurar se a Recorrente tinha direito a ser reembolsada pelos Réus da quantia de 10.658,44€ por ter pago pensões, capital de remição e outras despesas devidas ou relacionadas com incapacidades de BB que tenham resultado do acidente de viação ocorrido a 18/8/2007 entre o veículo com a matrícula ..-..-SX e um bovino, da propriedade do 1º Réu e a ser aplicado em garraiada organizada pela 2ª Ré.
8) Salvo o devido respeito, não se pode aceitar a aplicação do disposto no art. 27º do DL 291/2007 aos presentes autos, considerando que o Tribunal incorreu em erro de direito.
12) Não se pode concordar com a sentença, ora em crise, quando a mesma determina que, para efeitos do direito de acção contra os responsáveis pelo acidente ter-se-á de recorrer às disposições que regulam os acidentes de viação, ou seja, o DL 291/2007.
13) No caso em apreço, não estamos perante um direito de reembolso da Autora, previsto no referido DL 291/2007, mas sim, perante uma sub-rogação.
15) Para efeitos da sub-rogação, a Autora, ora Recorrente, apenas, tem de provar a existência de um contrato de seguro ao abrigo do qual teve de pagar ao lesado a indemnização devida pelo acidente de trabalho, ter efectivamente realizado o pagamento, a existência de responsáveis pelos factos que originaram o acidente de trabalho e exercer a sub-rogação no prazo de 3 anos a contar desse cumprimento, factos que se encontram provados nos autos.
16) Além disso, e de acordo com o disposto no art. 136º do DL 72/2008, de 16/4, o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.
17) Estamos, assim, perante uma sub-rogação legal especial, ou seja, a seguradora, ora Recorrente, cumpre uma obrigação que lhe é própria, advinda do contrato de seguro e que tem natureza diversa da do causador do sinistro, que se funda na responsabilidade civil extracontratual, sendo abrangido, não apenas o causador do sinistro, mas também o responsável civil, ainda que pelo risco.
18) Além disso, não nos podemos olvidar que o direito de regresso e a sub-rogação constituem realidades distintas, pois a sub-rogação é uma forma de transmissão das obrigações que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, enquanto que o direito de regresso é um direito ex-novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta.
19) No caso dos presentes autos, a Recorrente ao demandar os Réus, como responsáveis pelo sinistro, reclamando o valor por si pago ao sinistrado, no âmbito do acidente de trabalho, está a exercitar o seu direito legal de sub-rogação, e, não como considera o Tribunal a quo, a exercer um direito de regresso.
20) Aliás, como decorre do disposto no art. 17º nº 4 da Lei 98/2009, do art. 136º do DL 72/2008 e dos arts. 592º e 593º do Código Civil, que consagram uma sub-rogação legal da seguradora, ora Recorrente.
Nestes termos, e estando perante uma sub-rogação legal, o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do direito, violando o disposto no nº 4 do art. 17º da Lei 98/2009, bem como art. 136º do DL 72/2008 e ainda os arts. 592º e 593º do Código Civil, devendo a sentença, ora em crise, ser revogada e substituída por decisão que condene os Réus, solidariamente, no pagamento do valor peticionado pela Recorrente, com as legais consequências.».

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Observados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II.1. – Objeto do recurso
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro quanto à aplicação do direito ao caso sub judice, por não estamos perante uma situação de direito de regresso, mas de sub-rogação, sendo as RR. solidariamente responsáveis pelo pagamento à A. do valor peticionado.
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II.2. – Fundamentação de facto [transcrição]
II.2.1. – «FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
1. No âmbito da sua actividade comercial, no ramo segurador, a A. celebrou com BB um contrato de seguros de acidente de trabalho para trabalhador independente, titulado pela apólice ...40.
2. A 2ª R. foi promotora de uma garraiada no dia 18 de Agosto de 2017, com início previsto para as 22h, na Praça de Touros de Nisa, da sua propriedade, tendo acordado com o 1º R. a cedência de 7 cabeças de gado bovino: 5 vacas, um novilho e um bezerro.
3. A 8 de Agosto de 2017, a 2ª R. solicitou autorização para a realização de uma garraiada sem actuação de artistas profissionais nem utilização de ferragens junto da Inspecção Geral das Actividades Culturais.
4. A 9 de Agosto de 2017, a Inspecção Geral das Actividades Culturais emitiu um parecer favorável à realização desse evento, referindo que «a praça de touros já foi objecto de vistoria no corrente ano, reunindo condições para o seu funcionamento».
5. O 1º R. deslocou-se à Praça de Touros, a fim de descarregar os animais para a garraiada e, acompanhado de duas pessoas (um cunhado e um amigo), que costumam ajudá-lo nestas circunstâncias, transportou aquelas 7 cabeças de gado.
6. Na Praça de Touros de Nisa existe uma porta pela qual se acede, a partir da via pública, ao espaço circundante exterior à arena, denominado curro e especialmente destinado a que, após a entrada por essa porta exterior, as cabeças de gado
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