Acórdão nº 7536/12.9TDLSB-C.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-03-2023

Data de Julgamento21 Março 2023
Ano2023
Número Acordão7536/12.9TDLSB-C.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.–No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, supra identificado, foi proferido, a 7 de Novembro de 2022, o seguinte despacho: (transcrição)
«Por acórdão transitado em julgado em 28.04.2014, foi o arguido A condenado, para além do mais, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, acompanhada de regime de prova.
Esse regime de prova assentou num plano de reinserção social, elaborado e executado pela DGRSP, tendo sido homologado pelo Tribunal, sendo que, apesar dos relatórios intercalares serem globalmente positivos, a avaliação final já suscitava “algumas reservas quanto à capacidade de prossecução de um projeto de vida de acordo com os valores sócio jurídico vigentes” (cfr. relatórios de 30.05.2016, 25.07.2017, 17.10.2018, e de 02.08.2019).
Sucede que, o arguido viria novamente a ser condenado, por acórdão transitado em julgado a 02.06.2022, proferido no âmbito do processo n.° 48/19.1T9SXL (do Juízo Local Criminal do Seixal - J2), pela prática, entre Julho de 2017 e Novembro de 2018, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.°, n.° 1 e 25.°, al. a), do citado Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 20 meses de prisão, executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Em face do referido circunstancialismo, foi designada data para audição do arguido/condenado, tendo o mesmo, nessa diligência, começado por referir que não tinha traficado quaisquer produtos estupefacientes, tratando-se de uma situação de mero consumo, num claro intuito de atenuar a sua responsabilidade. Instado pelo Tribunal, acabou por admitir o tráfico, fazendo ainda referência a uma “má fase da sua vida”, decorrente, sobretudo, do falecimento do progenitor, embora sem lograr explicitar a relação causa/efeito entre esse período e o cometimento de um novo crime de tráfico de estupefacientes.
No mais, esclareceu as suas actuais condições de vida, nomeadamente a circunstância de trabalhar a partir de casa, fruto do cumprimento da referida pena de prisão em regime de permanência na habitação, gerindo uma página web de um stand de venda de automóveis, tendo neste momento a seu cargo, juntamente com a companheira (que também está empregada) dois filhos menores.
O Ministério Público, com vista nos autos, escudando-se na factualidade descrita e na personalidade revelada pelo arguido, promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada (cfr. fls. 5201).
Notificado o arguido e o seu Ilustre defensor, este último, por requerimento de fls. 5205 e segts., alegou, em súmula, que aquele se encontrava nervoso e assustado na aludida diligência, tendo transmitido uma ideia diferente da pretendida, sendo certo que, apesar disso, tem a perfeita consciência da gravidade da sua conduta, bem como das consequências que dela resultam. Mais referiu que tem mantido um percurso profissional regular e estável, apesar das restrições resultantes do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, contribuindo para a subsistência do agregado familiar, razão pela qual não deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos.
Juntou documentos, relativos à sua actividade profissional, tendo ainda requerido, caso o Tribunal entenda necessário, a elaboração de um relatório social sobre as suas actuais condições de vida.
Cumpre apreciar e decidir.
Diga-se, desde já, relativamente à requerida elaboração de um (novo) relatório social, que tal diligência se mostra desnecessária, considerando, por um lado, os elementos já constantes dos autos (inclusive os documentos ora juntos pela defesa), e, por outro, as declarações prestadas pelo arguido a esse mesmo respeito.
Avançando, pois, na análise do comportamento do arguido, estabelece o artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal, que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social [alínea a)] ou; cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas’’ [alínea b)].
Decorre, assim, de tal preceito legal, que a revogação da suspensão da execução da pena apenas deve ser determinada quando o condenado “(...) infirmar definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade” (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 356 e 357). As causas de revogação da suspensão da execução de pena não deverão, pois, ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação.
Ora, tal como decorre da factualidade elencada, verifica-se que o arguido foi condenado por factos cometidos durante o período de suspensão de execução da pena de prisão imposta nestes autos, pelo que, impõe-se, assim, analisar se se verifica a condicionante estabelecida na alínea b), do citado artigo 56.°, do Código Penal, susceptível de conduzir à revogação daquela mesma suspensão.
Pois bem, parece-nos evidente que o arguido infirmou o aludido juízo de prognose, porquanto, no decurso do referido período de suspensão, voltou a incorrer na prática de um novo crime doloso, com a agravante de se tratar de ilícito de idêntica etiologia (crime de tráfico de estupefacientes). Tal comportamento é claramente demonstrativo de que a solene advertência contida na condenação anterior não surtiu qualquer efeito.
Ora, é claro que não basta afirmar o cometimento de um novo crime no período de suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão. No entanto, constatamos que não se trata de uma condenação isolada por um crime sem particular importância para o juízo relativo à desconformidade ético-social do seu comportamento, resultando, pelo invés, que estamos perante um crime de idêntica natureza, o que evidencia, por si só, que a personalidade do arguido é fortemente refractária do dever de respeito à lei, denotando incapacidade de assimilar a carga negativa associada a comportamentos penalmente relevantes.
Perante o panorama ora traçado, como convencer, então, da subsistência do bem fundado do juízo de prognose que levou à suspensão da execução da pena nos presentes autos? Quantas condenações pela prática de crimes serão necessárias para que seja fundado um juízo de prognose negativo?
E ainda que se entendesse que tal condenação seria insuficiente para se considerar como esgotadas todas as possibilidades de, com a suspensão, virem a ser alcançadas as finalidades da punição, bastaria atentar nas declarações do arguido. Com efeito, contrariamente ao que procurou transmitir, pela análise da certidão que consta dos autos, respeitante à condenação sofrida no âmbito do citado processo n.° 48/19.1T9SXL, designadamente do facto n.° 33 (cfr. fls. 5128), verifica-se que o mesmo se vinha dedicando “pelo menos desde Julho de 2017 e até Novembro de 2018 (...) à venda de produtos estupefacientes”, ou seja, longe de uma actividade irregular ou meramente episódica e, muito menos, para seu consumo exclusivo. Neste contexto, ainda que se pudesse entender algum nervosismo da parte do arguido ao responder perante o Tribunal, já nada justifica a (deliberada) intenção de mitigar a sua responsabilidade, num discurso eminentemente desculpabilizante, dando mostras, afinal, de não haver interiorizado a gravidade das suas condutas.
Diga-se, ainda, que os factores de integração familiar e profissional de que o arguido beneficia presentemente, também já existiam à data da prática dos factos respeitantes à condenação sofrida no mencionado processo, sem que, ainda assim, tivessem servido de contramotivação para a prática de um novo ilícito criminal.
Concluiu-se, assim, que o arguido não interiorizou minimamente o desvalor das suas condutas, não demonstrando qualquer receio pela ameaça da aplicação (efectiva) da pena, pelo que, estão irremediavelmente falidas as razões que determinaram a suspensão da sua execução.
Pelo exposto, e nos termos do artigo 56.°, n.°s. 1, alínea b), e 2, do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão de 5 (cinco) anos aplicada ao arguido/condenado A.
Notifique

2.–Inconformado, o arguido recorreu desse despacho tendo finalizado a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
1.-A pena suspensa aplicada ao arguido transitou em julgado em 28.04.2014.
2.-O período de execução da suspensão da pena, de 5 anos, decorreu entre 28.04.2014 e 28.04.2019.
3.-Não se verifica qualquer das situações elencadas no art.125.°, n.° 1, do Código Penal, a pena aplicada ao arguido mostra-se prescrita.
4.- Porém a tal não ser entendido, incorreu o Tribunal a quo na deficiente apreciação da situação penal do arguido quando refere que a pena a si aplicada, no processo 48/19.1TASXL, foi uma decisão tomada em Acordão, quando foi em sentença, dando a errada ideia de que os factos em apreço naqueles autos, pudessem ser valorados como de elevada gravidade e complexidade, sendo julgados por Tribunal Colectivo, quando os mesmos foram julgados em Tribunal Singular.
5.-O Tribunal a quo decidiu revogar a suspensão da pena de prisão, tendo como pano de fundo os relatórios
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