Acórdão nº 75/20.6GCGMR-K.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-01-09

Ano2024
Número Acordão75/20.6GCGMR-K.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito de Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo, que corre termos pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 75/20...., na sequência da entrada em vigor da Lei nº 38-A/2023 de 02-08 (Lei de Amnistia por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude), foi proferida decisão em 11-09-2023, com a refª ...00, relativamente ao arguido AA (e outro) através da qual se determinou o seguinte (transcrição)[1]:

“I. LEI 38-A/2023 II. Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto:
1.A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (a que se referirão os demais normativos citados, sem distinta indicação), que estabelece perdão de penas e amnistia de infracções, é aplicável a sanções penais por ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19.06.2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (cf. arts. 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1).
Nos termos do art.º 3º, nº 1 é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única - art.º 3º, nº 4.
Constituem circunstâncias que excluem a aplicação do perdão as enunciadas no art.º 7º.
O perdão é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada - art.º 8º, nº 1.
O perdão é ainda concedido sob a condição resolutiva do pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado - art.º 8º, nº 2.
2.Por acórdão proferido nos presentes autos em 8.11.2021, transitado em julgado, foram condenados:
AA, nascido .../.../1995, pela prática de:
a) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), todos do Código Penal, cometido em 29.02.2020, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), todos do Código Penal, cometido em 29.02.2020, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
c) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), cometido no período entre 2.01.2020 e 3.01.2021, na pena de 2 (dois) anos e (dois) meses de prisão;
d) o crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), cometido no período entre 2.01.2020 e 3.01.202, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e) um crime de furto qualificado, na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 202.º al. d), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, cometido em 28.08.2020, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
f) um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, cometido em 16.01.2020, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
g) um crime de furto qualificado, na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 202.º al. d), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, cometido em 27.01.2021, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
i) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), cometido no período entre na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão;
j) um crime de furto (desqualificado), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.ºs 2, al. e) e 4 e 202.º, al. d), cometido no período entre 27.01.2021 e 28.01.2021,, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
k) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), cometido no período compreendido entre 7.02.2021 e 8.02.2021, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
l) um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 202.º, al. d), cometido no período compreendido entre 16.01.2021 e 17.01.2021, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
m) um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 202.º, al. d), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, cometido no período compreendido entre 16.01.2021 e 17.01.2021, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
ii. em cúmulo jurídico, foi AA condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Foi, ainda, no mesmo Acórdão AA condenado:
- no pagamento da importância global de € 500 (quinhentos euros), acrescida e juros legais a contar desde a notificação até integral pagamento à lesada “Fábrica Paroquial de ...”:
- no pagamento (solidariamente com o co-arguido) da importância global de 490€ (quatrocentos e noventa euros), acrescida e juros legais a contar desde a notificação até integral pagamento, à lesada “EMP01... Unipessoal, Ld.ª.
Em 9.11.2022, foi nestes autos proferido Acórdão de Cúmulo Jurídico de penas, transitado, que englobou as penas parcelares aplicadas nestes autos, atrás referidas, e a pena parcelar aplicada no processo 676/20.... do Juízo Local Criminal ... - J ... (pela prática, em 30.11.2020 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do CP) e condenado AA na pena única de 6 anos e 4 meses de prisão.
O condenado está em cumprimento de pena única à ordem destes autos, prevendo-se o termo da pena em 02.07.2027.
Posto isto.
O condenado AA tinha, à data da prática dos ilícitos englobados no cúmulo jurídico efectuado nestes autos, ocorridos em data anterior às 00h do dia 19.07.23, idade não superior a 30 anos, verificando-se o pressuposto previsto no art.º 2º, nº 1.
A pena única de prisão aplicada é inferior a 8 anos, verificando-se o requisito previsto no artº 3º, nº 1, da Lei referida.
Não se verificam qualquer das circunstâncias que excluem o perdão, previstas no art.º 7º.
Assim sendo, à pena única de prisão de 6 anos e 4 meses de prisão é perdoado um ano de prisão.
O perdão é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor e ainda concedido sob a condição resolutiva do pagamento da indemnização a que foi condenado - art.º 8º, nº 2.
Pelo exposto, ao abrigo das supra citadas disposições legais:
Declaro perdoado um ano de prisão à pena única de prisão de 6 anos e 4 meses aplicada a AA, sob as seguintes condições resolutivas:
- não praticar infração dolosa até 1.09.23, inclusive, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da parte da pena perdoada.
- proceder, no prazo de noventa dias ao pagamento das seguintes indemnizações a que nos autos foi condenado, a saber:
a) - pagamento da importância global de € 500 (quinhentos euros), acrescida e juros legais a contar desde a notificação até integral pagamento, à lesada “Fábrica Paroquial de ...”:
- pagamento da importância global de 490€ (quatrocentos e noventa euros), acrescida e juros legais a contar desde a notificação até integral pagamento, à lesada “EMP01... Unipessoal, Ld.ª.
Notifique, sendo o condenado, pessoalmente, e na pessoa do seu(sua) Exmo (a) Defensor(a), deste despacho e para, no prazo de noventa dias subsequente à notificação deste despacho, proceder ao pagamento das indemnizações acima referidas sob pena de, não o fazendo, o perdão ora concedido ser revogado.
Comunique, desde já, ao TEP, ao EP, e à DGRSP.
Remeta boletim (cf. art.º 6.º, al. f), da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio).
Oportunamente, abra vista ao MP para reformulação da liquidação da pena. (…)”

II. Inconformado com o referido despacho na parte em que condiciona o perdão ao pagamento de uma indemnização, veio o arguido interpor recurso em 10-10-2023, com a refª ...94 através do qual veio oferecer as seguintes conclusões:

“1ª Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferido nestes autos a 14 de setembro de 2023
2ª Não pode o arguido, ora recorrente, concordar na medida em que a Lei faz depender o perdão de um ano de prisão, do pagamento das indemnizações a que nos autos foi condenado.
3ª Versa, por isso, o presente recurso sobre a inconstitucionalidade da Lei nº38-A/2023, de 2 de Agosto, em especial sobre o seu artigo 8º.
4ª O direito à igualdade é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, Lei Fundamental do país, no seu artigo 13º nº1, que prevê que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
5ª Acrescenta o nº2 do mesmo artigo que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” – sublinhado nosso.
6ª Assim sendo existe, in casu, uma colisão de direitos, figura prevista no artigo 8º da Lei 38-A/2023, onde se refere que, “o perdão é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor e ainda concedido sob condição resolutiva do pagamento da indemnização a que foi condenado” com o artigo 13º nº2 da CRP.
7ª A interpretação perfilhada pelo despacho recorrido, segundo a qual há uma aplicação directa da referida lei, nomeadamente do artigo 8º, deve ceder perante a aplicação das normas da Constituição, sendo a primeira materialmente inconstitucional por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
8ª O arguido não dispõe de recursos próprios, tem vivido na dependência...

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