Acórdão nº 738/10.4BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-05-12

Ano2022
Número Acordão738/10.4BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 23.04.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por F…, SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao meses de dezembro de 2006 e de 2007.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial à margem identificada, e, em consequência determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios n.ºs 09231207 e 09231209, no montante de € 2.557,96, que vinham impugnadas, e condenou a AT no pagamento à Recorrida de juros indemnizatórios, sobre o montante pago a título de juros compensatórios, “… desde 28 de fevereiro de 2010 até à data de processamento da nota de crédito. (…)”

B) A douta sentença recorrida sustenta a procedência da impugnação judicial, na parte referente às liquidações de juros compensatórios, por entender que não se encontra verificado, in casu, o pressuposto subjetivo que habilita a AT à liquidação destes juros, pois, não está verificada a culpa da Recorrida no retardamento da liquidação em crise nos autos.

C) É verdade que a exigência de juros compensatórios depende da existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências lesivas para o Estado, porém, quanto a este requisito de imputabilidade, a jurisprudência dominante do STA orienta-se no sentido de que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo”. (cfr. Recurso n.º 22612, de 23/09/98, do Supremo Tribunal de Justiça).

D) No caso dos juros compensatórios, a factualidade em que há de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento do imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35° da LGT.

E) In casu, os juros compensatórios que vêm impugnados foram liquidados ao abrigo do disposto nos art.ºs 96º do CIVA e 35º da LGT, por ter sido retardada a liquidação do IVA relativo aos exercícios de 2006 e 2007.

F) E, foram emitidas como consequência de uma conduta do próprio sujeito passivo.

G) No Relatório da Inspeção Tributária, que contém os fundamentos das liquidações, é imputada à Recorrida, no ponto «VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS», a falta de entrega de IVA que, constitui «infração prevista e punida pelo art.º 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05 de Junho». (RGIT)», o que tem ínsito a imputação de culpa, já que se trata de infração punível a título de dolo ou negligência.

H) Por outro lado, a imputação de infração está conexionada com a imputação de juros compensatórios, referida no mesmo ponto do RIT, imediatamente a seguir: «Atentas as correções anteriormente expostas e tendo sido, conforme demonstrado, retardada a liquidação do imposto por razões imputáveis ao contribuinte, verifica-se que, ao abrigo do disposto no art. 35º da Lei Geral Tributária e no art. 89º (actual 96º) do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, conjugados com o preceituado nos artigos 559º e 562º a 564º todos do Código Civil, se mostra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, ao montante de imposto em falta.»

I) Temos, pois, que, as liquidações de juros compensatórios controvertidas, são o resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo, que teve como consequência o apuramento nos termos da lei e para os exercícios de 2006 e 2007, de prestação tributária, de montante inferior ao devido, que não foi liquidada e entregue nos cofres do Estado, nos prazos legalmente estatuídos.

J) Nestes termos, verificando-se o retardamento da liquidação do imposto devido por facto imputável à Recorrida, impõe-se concluir que, in casu, se verifica a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios, conforme estipulado no art.º 35º da LGT.

K) A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação aos factos do comando normativo ínsito no art.º 35º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que mantenha válidas, na ordem jurídica, por legais, as liquidações de juros compensatórios impugnadas.

L) Não se verificando a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios impugnadas, e devendo as mesmas subsistir na ordem jurídica, inexiste fundamento para reembolso, à Recorrida, da quantia paga a título de juros compensatórios e para a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios a computar, sobre o montante pago daqueles juros.

M) Com efeito, os juros indemnizatórios dependem da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT) e, neste caso, não se demonstrou que o pagamento fosse indevido.

N) Pelo que, contrariamente ao decido pela sentença recorrida, deverão improceder estes pedidos de reembolso e juros indemnizatórios.

O) Sem conceder, na hipótese de este Tribunal vir a entender, como decidiu a sentença recorrida, que as liquidações de Juros compensatórios em crise nos autos, se mostram ilegais, por não se mostrar verificado o requisito subjetivo que habilita à sua liquidação, ainda assim, dir-se-á como se entende que não se mostram verificados todos os pressupostos, previstos no art.º 43º da LGT, que habilitam à perceção de juros indemnizatórios pela Recorrida, no que respeita à liquidação de juros compensatórios.

P) De acordo com o nº 1, do art.º 43º da LGT, para que a Administração Fiscal incorra no dever de pagamento dos juros indemnizatórios é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos:

a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

b) que ele seja imputável aos serviços;

c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

e) O mesmo será dizer que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.

Q) Exige-se, portanto, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser, necessariamente, imputável a erro dos serviços.

R) Ora, in casu, a AT limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas convocadas face às situações concretas, pelo que também neste ponto da matéria controvertida deverá ser declarado improcedente o pedido por ausência de base legal.

S) Se no caso sub judicie, o retardamento da liquidação de Imposto não é, subjetivamente, imputável à Recorrida, como decidiu a sentença recorrida, daí não se segue, necessariamente, que à intervenção da Administração Fiscal na liquidação dos juros compensatórios em foco tenha de ser imputado algum erro, seja de facto, seja de direito.

T) Pelo que inexiste o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.

U) Julgando procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no que respeita ao montante pago pela Recorrida, a título de juros compensatórios, a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, dos comandos normativos ínsitos no art.º 43º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que julgue improcedente tal pedido de juros indemnizatórios.

V) Julgada totalmente improcedente, a impugnação judicial, impor-se-á, também, a reforma da sentença recorrida quanto a custas.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto se verificam todos os pressupostos inerentes à liquidação dos juros compensatórios?

b) Há erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, em virtude de não se estar perante uma situação de erro imputável aos serviços?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE...

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