Acórdão nº 7228/21.2T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-24

Ano2023
Número Acordão7228/21.2T8PRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 7228/21.8T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Por apenso à execução que A..., S.A. move contra AA, veio esta deduzir a presente oposição por embargos, admitindo que não cumpriu pontualmente o contrato de mútuo que serve de base à referida execução, mas alegando que esse incumprimento não é total e definitivo, tendo em conta a ausência de resposta às diversas propostas de pagamento que apresentou ao banco mutuário e, já na pendência dos autos principais de execução, à ora exequente, mais alegando a falta de notificação da cedência do crédito exequendo à referida A..., S.A.
Liminarmente admitidos os embargos, a exequente embargada apresentou contestação, alegando que tem o direito de exigir da executada o pagamento da totalidade da dívida, nos termos dos artigos 777.º, 781.º e 801.º do Código Civil (CC), uma vez que esta não só foi interpelada para esse pagamento, como foi notificada da resolução do contrato, pelo que a restruturação do crédito nunca foi uma possibilidade aceite pela exequente. Mais impugnou a falta de notificação da cessão de créditos.
Mediante despacho datado de 10.11.2021 (reiterado em 31.03.2022), a exequente embargada foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos documentos comprovativos de que a instituição bancária cedente do crédito integrou a executada embargante no regime do PERSI.
Em resposta, aquela veio informar «que não existem cartas de PERSI, segundo a informação prestada pelo banco originador».
Depois de realizada audiência prévia, tendo-se revelado inviável a conciliação das partes, foi proferido saneador-sentença a julgar totalmente procedentes os presentes embargos de executado e, consequentemente, a determinar a absolvição da embargante executada da instância executiva, a extinção da execução e o cancelamento das penhoras efectuadas.
*
Inconformada, B..., S.A., invocando a qualidade de exequente nos autos principais, apelou dessa decisão, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre.
B. O Tribunal de 1ª instância fez diversas interpretações erradas da lei, nomeadamente, do disposto no art. 18.º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro e no art. 5.º do Decreto-Lei nº 453/99, de 5 de novembro.
C. Assim, ao invés do que consta da Sentença recorrida, nos termos do art. 18.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 227/2012, mesmo durante o período de integração do cliente bancário no PERSI, podem ser cedidos créditos para efeitos de titularização.
D. Nessa situação, isto é, sendo o crédito cedido na pendência do PERSI, o sujeito ativo do PERSI continua a ser a instituição de crédito cedente, que continua vinculada às obrigações emergentes do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, sob pena de, se assim não fosse, se defraudar o regime do PERSI e reduzir a proteção do devedor-inadimplente.
E. Andou mal, portanto, o Tribunal a quo ao entender que, da conjugação do artigo 18.º, n.os 1, alíneas c) e d), 2 e 3, resulta a impossibilidade da instituição de crédito proceder à cessão do crédito que deva ser objeto de integração em PERSI a terceiro que não seja instituição de crédito.
F. E aquele Tribunal insistiu no erro ao considerar que competia à cessionária, entre outras passagens, “Assim, a exequente no momento da cessão de créditos deveria ter curado de saber se os créditos cedidos e objecto da execução tinham sido ou não integrados em PERSI. Na negativa, como resultou das citadas sentenças transitadas em julgado, não poderiam esses créditos ter sido objecto de cessão, mormente para efeitos de lograr a sua execução”.
G. Por um lado, essa proibição não decorre da lei; por outro, nada na lei impõe às entidades cessionárias verificar se os créditos a ceder estavam, ou não, integrados num PERSI.»
A recorrida apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
«1. As Alegações de Recurso apresentadas pela sociedade “B..., S.A.”, devem ser desentranhadas, porquanto, tal entidade não é parte no processo;
2. Foram carreados para os autos, prova inequívoca da violação, por parte da exequente, das obrigações legais impostas pelo DL n.º 227/2012, de 25-10.
3. A exequente nunca inseriu a executada no PERSI, impedindo a mesma e restrutura o crédito.
4. A instauração da execução foi claramente prematura e indevidamente instaurada.
5. A douta Decisão proferida deve ser mantida nos seus precisos termos, porquanto, verificou-se inequivocamente a existência de uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa.» (sic)
Notificada a recorrente para se pronunciar sobre a alegada ilegitimidade, ao abrigo do disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil (CPC), veio a embargada A..., S.A. esclarecer que a indicação de B..., S.A. nas alegações de recurso se ficou a dever a mero lapso, pelo qual muito se penitencia, motivado pela circunstância de a mandatária subscritora daquelas alegações patrocinar igualmente a referida B..., S.A.
Nesta conformidade, requereu a substituição do aludido articulado por outro, que apresentou, no qual fez constar A..., S.A. como recorrente.
A recorrida não se pronunciou.
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II. Questão Prévia
Nos termos do artigo 249.º do CC «[o] simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação deste».
A jurisprudência, com o apoio da doutrina, tem entendido que esta disposição legal consagra um princípio geral, aplicável, a todos os actos judiciais ou das partes. Como se diz no Ac. STJ de 8/6/78 (publicado e anotado por Vaz Serra na RLJ, Ano 111, n.º 3633, p. 382) «[p]ode assentar-se (...) com relativa segurança, que essa disciplina jurídica se aplica não só aos erros de escrita cometidos em declarações negociais, como aos que se verifiquem em declarações enunciativas, como são as que as partes produzem no decurso do processo ...».
A razão de ser deste entendimento radica no seguinte: o erro ostensivo numa declaração negocial não implica a sua anulação, mas apenas a sua rectificação, pois esse erro e o modo de o corrigir, revelando-se no próprio contexto da declaração ou pelas circunstâncias em que ela é feita, é facilmente detectado pelo declaratário. Mas se assim é, a solução legal deve aplicar-se a todos os casos em que se verifiquem os seus pressupostos. Cfr. Vaz Serra, na anotação ao acórdão supra citado.
Este era já o entendimento pacífico na vigência do artigo 665.º do CC de 1867, não obstante a sua redacção mais lacónica.
Assim, o erro de escrita ou de cálculo não terá outras consequências além da sua rectificação. Essencial é, como vimos, que o erro seja manifesto, ostensivo ou, nos termos da lei, resulte do próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que esta é feita.
À mesma solução chegaríamos através do artigo 295.º do CC. Aí se diz que «[a]os actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente», o capítulo dedicado, precisamente, ao negócio jurídico. Ora, os actos processuais praticados pelas partes são, indubitavelmente, actos jurídicos.
Com a revisão do CPC de 2013, a possibilidade de rectificação de erros de cálculo ou de escrita das peças processuais apresentadas pelas partes passou a estar expressamente consagrada no artigo 146.º que, sob a epígrafe «Suprimento de deficiências formais de atos das partes», dispõe assim:
«1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.»
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em anotação a esta norma, realçam que se
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