Acórdão nº 714/17.6T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-01-09

Data de Julgamento09 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão714/17.6T9GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório

Decisão recorrida

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 714/17...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ..., foi proferido no dia 2 de fevereiro de 2022[1], o seguinte despacho que se reproduz, na parte relevante:
“Por legais e tempestivas, admite-se as contestações e os róis de testemunhos apresentados pelos arguidos, a fls. 920 e ss., nos termos do art. 315º, nº1, do CPP.
Solicite as informações/documentos por eles solicitados em sede de contestação
Notifique e d.n”.
*
No âmbito do mesmo processo, foi proferido no dia 15 de fevereiro de 2022[2] o seguinte despacho, cujo teor também se reproduz:

“Os arguidos AA, BB, CC e DD vieram em sede de contestação invocar a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de insolvência dolosa de que vêm acusados.
O Digno Procurador pronunciou-se quanto à invocada prescrição a refª ...79, promovendo que se declare a prescrição do procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa de que se encontram pronunciados os arguidos AA e BB.
Cumpre apreciar e decidir.
Realizado o debate instrutório, foi proferida decisão instrutória, a qual decidiu (cfr. ata de debate instrutório de refª...73):
“- Pronunciar os arguidos CC, DD e AA imputando-lhes a prática, em coautoria material, com dolo direto, de um crime insolvência dolosa previsto e punido pelo art.º 227.º do Código Penal.
Tudo pelos factos constantes da acusação pública deduzida a fls. 671 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do disposto no art.º 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
e
- Pronunciar a arguida BB, imputando-lhe a prática, em coautoria material, com dolo direto, de um crime insolvência dolosa previsto e punido pelo art.º 227.º n.º 2 do Código Penal, pelos factos constantes nos R.A.I apresentados pelos assistentes deduzidos a fls. 748 a 755 e 790 a 793.”
Como salienta, o Digno Procurador, apesar de o despacho de pronúncia não detalhar com pormenor qual o respectivo número e alínea do art. 227.º que imputa aos arguidos CC, DD e AA, da descrição factual que consta da acusação pública é inequívoco que a CC e DD praticaram o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. (por serem os devedores e insolventes) e que AA praticou o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 2 do C.P., por referência ao art. 227.º, n.º 1, al. b), (por ter invocado créditos fictícios sobre os devedores em benefício destes, com o intuito de prejudicar os credores, no caso os assistentes).
Aliás, esta alusão ao n.º 2 do art. 227.º do C.P. constava já da acusação pública deduzida.
De acordo com o disposto no art. 118.º, n.º 1, als. b) e c ) do C.P. o procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. prescreve no prazo de 10 anos decorridos sobre a sua prática e o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 2 do C.P. prescreve no prazo de 5 anos decorridos sobre a sua prática.
O tipo legal do crime de insolvência dolosa prevê uma condição objectiva de punibilidade – a declaração de insolvência do devedor. Assim, independentemente do momento em que foram praticados os actos que levaram à diminuição do património dos devedores, o procedimento criminal e o correspondente prazo prescricional, apenas se iniciam com a sentença de declaração de insolvência.
Neste sentido veja-se, designadamente o Ac. TRC 2/10/2013, Processo253/05.8TAPMS.C11:
“I - Tanto na actual como na antiga redacção do DL 48/95, de 15 de Março, sem reconhecimento judicial de insolvência o agente não pode ser perseguido pelo crime de insolvência dolosa.
II - Assim, independentemente da data em que tenham sido praticados os actos integradores daquele ilícito penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal não pode começar a correr antes da declaração de insolvência, por a tal obstar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.”

1 Disponível em www.dgsi.pt

Em conformidade, terá de se considerar que, relativamente a todos os arguidos, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de insolvência dolosa iniciou-se no dia 11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD, proferida a 21/1/2013.

Dispõe o art. 120.º do C.P., a propósito da suspensão da prescrição:
“1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”
Por sua vez, refere o art. 121.º do C.P. a propósito da interrupção da prescrição, que:
“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.”
No caso vertente, a primeira causa de interrupção da prescrição verificou-se com a constituição dos denunciados como arguidos, em concreto:
- o arguido de CC em 20/5/2019 (fls. 387);
- a arguida DD em 21/5/2019 (fls. 394);
- o arguido AA em 20/11/2020 (fls. 667) e
- a arguida BB em 13/5/2021 (fls. 827).
Entre a verificação da condição objectiva de punibilidade e a primeira causa de interrupção da prescrição não se verificou qualquer causa de suspensão da prescrição.
Contudo, entre a data da verificação da condição objectiva de punibilidade (11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD) e a data em que foram constituídos como arguidos AA (20/11/2020) e BB (13/5/2021) decorreram mais de 5 anos.
Nesta decorrência, no momento em que os arguidos AA e BB foram constituídos arguidos o procedimento criminal contra os mesmos, pelo identificado ilícito criminal, já se encontrava prescrito, ao abrigo dos normativos identificados.
No que toca aos arguidos CC e DD, atendendo à moldura penal do crime que lhes é imputado (pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias) o procedimento criminal prescreve no prazo de 10 anos decorridos sobre a sua prática (no caso a contar sobre a verificação da condição objectiva de punibilidade), o que ainda não se verificou.
Pelo exposto, declara-se a prescrição do procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art.º 227.º, nº2, do Código Penal de que se encontram pronunciados os arguidos AA e BB, a qual ocorreu a 11/2/2018”.
***
Recurso apresentado
Inconformado com esses despachos, o assistente EMP01... veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:
“1.
O tribunal a quo mediante despacho com a Ref.ª ...78 ordenou que a secção solicitasse as informações/documentos solicitados pelos Arguidos em sede de contestação, sendo que, são respeitantes a informação/documentação bancária, fiscal e tributária dos Assistentes.
2.
Informações e documentação que apenas podem ser apresentadas em juízo pelo titular das próprias, ou mediante autorização expressa do titular das informações, ou em última ratio, e caso haja oposição legítima do visado, mediante despacho devidamente fundamentado e com base em pedido que se revele efetivamente necessário à boa descoberta da verdade material em discussão nos autos.
3.
Ora desde logo os Arguidos fundamentam o seu pedido quanto ao pedido de informação fiscal e tributária na suposta necessidade de “com o intuito de se apurar a eventual prática de um crime pelos assistentes”.
4.
E o tribunal a quo defere apenas dizendo “Solicite as informações/documentos por eles solicitados em sede de contestação”.
5.
O Tribunal não aquilatou primeiro da necessidade das informações.
6.
Segundo não aferiu se há...

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